sexta-feira, 31 de agosto de 2012

E POR FALAR EM AMIZADE...


      Com a agitação da vida moderna, com a correria das grandes cidades, com a superlotação dos ônibus, com a acirrada competição por um emprego melhor, para  a realização de negócios, não há mais quase tempo para o cultivo da Amizade.
      O que se nota, em grande parte, é a amizade interesseira, a amizade fingida por conveniência. Não há Amigos. Há, e muitos, amigos. Como já se viu, amigos de ocasião. Amigos que enganam a todos, sempre que podem, com palavras amáveis e generosas.
      Cuidemos, porque há amigos que também, e numerosíssimos, que apenas consagram amizade a pessoas bem instaladas na vida, a políticos influentes, a empresários poderosos, a funcionários públicos venais e corruptos.
      Amigos do dinheiro fácil. Amigos de banquetes. Amigos de recepções. Amigos para troca de influências. As cidades estão cheias deles. Basta ler os jornais.
      - "Vive a amizade se ferve a panela!" - diz a sabedoria popular. Um só golpe de má sorte é suficiente para que todos esses "amigos" desapareçam. Nem cumprimentem mais aqueles a quem antes até se tornavam enfadonhos pelo ridículo da bajulação.
      De Verdadeiros Amigos é que há grande falta. E falta tão grande, que um influente escritor muito conhecido chegou a dizer:
      - "Todos, que neste mundo cheio de ódios e violência, encontrarem um Amigo - alma pura, cheia de calor, de amizade e de espírito de sacrifício e doação - ajoelhem e deem graças a Deus, porque encontraram com certeza o maior bem da  Terra."
      Se todos, homens e mulheres, se preocupassem um pouco mais com a felicidade daqueles que os cercam, se considerassem todos os seus semelhantes como membros de sua imensa família espiritual, então a vida na Terra seria muito mais bela.
      Só o culto da Amizade sincera e desinteressada - praticado com dignidade e espiritualismo - terá força bastante para atrair sobre o mundo o equilíbrio e a paz, de que ele tanto necessita. E a amizade, assim compreendida, nada mais pede em troca, apenas uma pequena manutenção.
      Só a Amizade, e somente ela, quando se transfigurar em Caridade, poderá trazer a semente de uma nova sociedade mais justa, mais digna, mais duradoura, mais cristã.
      E a medida desse Amizade, agora transfigurada em Caridade, a mais nobre das virtudes, conforme o apóstolo Paulo, é o "amai-vos uns aos outros como Eu vos amei!"

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

ACREDITE QUEM QUISER


      Permita-me o eventual curioso deste malaventurado blog que eu lhe proponha uma questão de puro bom senso: suponhamos que uma centena de homens e mulheres, que tempos atrás morriam de sífilis ou de tuberculose, morram hoje em dia esmagados num acidente de um avião a jato arrebentado contra uma montanha.
      Será que o fato de a sífilis ou a tuberculose  ser controlada e de ser possível viajar numa aeronave a jato traz alguma diferença em relação às suas mortes?
      Ou, se a técnica significa segurança e a vida é fácil e seguramente prolongada, as viagens de avião menos perigosas e assim por diante, que diferença isso faz numa sociedade congestionada, irracional, frustrada, cheia de tédio, em que todos por isso mesmo acalentam um desejo agudo e patológico da própria morte, e que existam ainda armas ao seu dispor e que poderiam realizar esse desejo de modo rápido e fulminante?
      O que estou dizendo, portanto, é que não faz nenhum bem conseguirmos progressos fantásticos em todos os setores da vida moderna, se não sabemos viver com eles, se não sabemos utilizá-los sensatamente e se, em realidade, nossos conhecimentos técnicos se transformam em nada mais do que um modo dispendioso e complicado de desintegração moral e cultural.
     Alguém poderá dizer que não é "bonito" pensar nessas coisas, nem sequer nas suas possibilidades. Mas são possibilidades reais, e não são tomadas em conta frequentemente com inteligência e prudência. Causam de vez em quando uma certa emoção, mas logo são varridas da memória.
      Todavia, queiramos ou não, permanece o fato de que criamos para nós mesmos um tipo de cultura que ainda não pode ser vivida pelo conjunto da humanidade.
      Nunca, como hoje, houve uma tal distância entre a miséria abjeta dos pobres, em nossas favelas, e a absurda opulência dos ricos nos bairros nobres de nossas metrópoles.
      Algumas medidas que os poderes públicos tomam para remediar tal situação parecem bem intencionadas, mas quase totalmente ineficazes. De muitos modos só fazem piorar as coisas quando, por exemplo, neste nosso Brasil das arábias, os que supostamente deveriam receber os benefícios a eles devidos, percebem claramente que na realidade a maior parte desses benefícios vai para o bolso de políticos corruptos. Sem esquecer que esses mesmos políticos corruptos procuram manter o "status quo",  do qual a miséria dos pobres é parte essencial.
      O fato de que em tempo de eleições a maioria desses políticos proclama por todos os meios de divulgação, como um artigo de fé, que estão numa posição francamente favorável para resolver todos esses problemas, acredite quem quiser - mas para mim não passa de uma deslavada mentira.
      O mais trágico, porém, é que muitos eleitores embarcam ingenuamente nessas promessas mirabolantes, tão comuns nestes nossos tempos de tanta embromação política institucionalizada.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

VINDE, SENHOR JESUS!


      Os cristãos deste século querem pão, pão verdadeiro, que sacie; querem água, água verdadeira que lhes estanque a sede; querem luz, a luz da verdade, que não se apaga.
      Querem ouvir a Palavra divina, simples, poderosa, indo até à junção do espírito e das medulas. Essa Palavra de Deus é Jesus Cristo.
      Apresenta-se o evangelho de São Mateus a um público "cultivado"; à terceira aula, o número de ouvintes duplicou; aparecem descrentes, há conversões. Falou-se em Jesus Cristo. Bastava pensar nEle.
      Depois que Roma, em uma reforma litúrgica profunda, restabeleceu a Vigília pascal, as igrejas ficam repletas. Os fiéis cantam, ajoelham-se, deixaram o respeito humano à porta; olham e vêem; saem do santuário com a certeza de ter vivido um novo "batismo".
      A explicação é muito simples: foi-lhes falado da ressurreição de Cristo, pediram-lhes que se associassem a ela, na fé batismal.
      Aqueles homens e mulheres acreditavam. Sem o saber. Diante de Jesus Cristo surpreenderam-se crentes. Foi-lhes falado de Jesus Cristo. Bastava pensar nEle.
      A principal missão deste meu modesto blog é confessar minha fé em Cristo. É nEle
que a Igreja - e as igrejas - pede que se creia. Em mais ninguém. Porém, com Ele, nEle, no Pai e no Espírito Santo.
      Também eu, já na idade adulta, depois de muitos rodeios e procura, me convenci de que bastava pensar nEle.
      É por isso que a principal, se não a única finalidade deste blog é fazer repetir, a todos quantos a ele se achegarem com boa vontade, e isso no mais íntimo de cada alma: - "Vinde, Senhor Jesus!"

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

DUAS ESFINGES


      No dia 6 de agosto último, pequena notícia perdida num canto de Jornal dava conta de que duas alarmantes esfinges nasceram abruptamente em Hiroshima e Nagasaqui, no Japão. A primeira, no dia 6 de agosto de 1945, às 8,15 da manhã. quando o piloto norte-americano Paul Tibbets, a bordo do bombardeiro Enola Gay, lança a bomba atômica sobre Hiroshima.  Um cogumelo de fogo envolve toda a cidade. Em instantes, milhares e milhares de pessoas desaparecem, envolvidas pelo fogo atômico.
      A segunda esfinge nasceu alguns dias depois, em Nagasaqui, no lançamento de outro artefato atômico. Novamente com destruição e milhares de mortos.
      Novo tipo de morte que a sociedade moderna criou. Símbolo-morte de nossa civilização. Prolongando essa experiência de Hiroshima e Nagasaqui, escreve-se muito sobre a ameaça do "inverno atômico", que não liquidará simplesmente duas cidades japonesas, mas toda a vida do planeta.
      Duas esfinges. E essas esfinges acordaram e assustaram a humanidade. Fizeram-na ver que a ciência não só eferece perspectivas de felicidade e bem-estar, mas também de destruição e de desgraça. Depende do modo de ser concebida e empregada. Para o bem ou para o mal. Compete à acuidade e lucidez dos detentores do poder, sob a nossa estrita vigilância, a opção por uma destas alternativas.
      Não há possibilidade de fugir deste convite sem opções. Ou seremos seres humanos até o heroísmo, ou então destruídos por nossa propria inépcia.
      É uma ironia que as forças culturais, que celebramos desde o século XVII como libertadoras da História, isto é, a ciência e a técnica que, segundo se supunha, nos deviam libertar da fome, da pobreza, da tirania, da guerra e das fatalidades históricas, das epidemias e pandemias que assolam continentes inteiros com a perda de milhares de vidas, não apenas aumentaram hoje essas calamidades, como também constituem a maior ameaça ao futuro da humanidade.
      Nosso pretenso domínio da natureza pulverizou princípios fundamentais de vida; nosso crescimento populacional desinibido e o consequente desequilíbrio econômico e financeiro em vários países ameaça nossa sobrevivência humana; a espiral do armamento nuclear e do terrorismo sem freios enrolam-se cada vez mais sobre nossas cabeças; o controle e a manipulação de estruturas genéticas e psíquicas nas maõs de cientistas desavisados suscitam imagens ameaçadoras, apesar de esses mesmos cientistas, certamente manipulados pelos seus financiadores militaristas, afirmarem à boca cheia que suas pesquisas visam unicamente o bem da humanidade...
      Homem e mulher modernos, com a cabeça cheia de conhecimentos e de teorias mirabolantes, sacrificam o corpo e o espírito ao ídolo científico, e quase sempre mercantilista, de seu tempo. Fraternidade, solidariedade entre povos e nações, religião, valores éticos, tudo é trocado por uma existência turbulenta, trepidante, metálica, armamentista. Transformam suas fábricas, que poderiam estar a serviço das necessidades básicas da humanidade, em monstros gigantescos que arfam e estridulam no parto incessante de artefatos assassinos.
      Eis, em resumo, o quadro. Hiroshima e Nagasaqui. Hoje, Síria e o terrorismo fanatizante, em nome de pretensos símbolos pseudoreligiosos. Duas esfinges. Urge decifrá-las, como fez o Édipo da lenda grega. Ou as deciframos, ou novas esfinges poderão brotar algures, ao simples toque de um botão, ou ao fanatismo de um terrorista suicida.
      Ou homem e mulher deixam de lado sua tola pretensão de quererem competir com Deus, ou serão forçados a reconhecer a fragilidade de seu poderio material. Se a ciência não for regulada por uma força mais poderosa e transcendente, se queremos evitar que ela  destrua nossa civilização, teremos de controlá-la por uma filosofia fundamentada em valores que reconheçam e respeitem a dignidade essencial da pessoa humana, e sempre nutrida pelas verdades de Deus contidas nas Escrituras Sagradas.
      Os valores espirituais são mais necessários às nações, do que os silos subterrâneos ou plataformas espaciais carregados de armamento nuclear. Enquanto as ações humanas não forem regidas por esses valores, as paredes continuarão a ruir, homens, mulheres e crianças voltarão a morrer, indefesos, como morreram no Japão, na Alemanha, na Rússia e noutra infinidade de países na segunda guerra mundial. E continuam a morrer ainda hoje no Sinai, no Iraque, na Palestina, no Paquistão, na Síria.
      Este assunto não interessa apenas às Nações Unidas, às assim ditas super-potências ou aos mais diferentes chefes de Estado. Interessa visceralmente a cada um de nós e aos nossos filhos. Em nossas mãos está a sua solução.
      Se nos acordarmos, enquanto é tempo.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

SAUDADES DA RAQUEL


      Neste 21 de agosto de 2012 estamos chorando o segundo ano de falecimento de minha filha Raquel.
      A tristeza infindável que nos martiriza pela ausência física da pessoa amada é, paradoxalmente, aliviada pela alegria e pela certeza absoluta de que ela, pela sua vida profundamente vivida, pela Caridade ardente que animava todo o seu relacionamento com as pessoas que a rodeavam, descansa hoje na Bem-aventurança Eterna, junto ao Pai de todas as vidas.
      Com seu organismo debilitado por um câncer que lhe corroía coluna vertebral, pulmão e cérebro, ela esperava a morte, mas transfigurada pela resignação, pela acendrada confiança na misericórdia de Deus, e pelo amor de toda a sua pequena família, que também sofria com ela.
      Permanece a dor da saudade no coração de sua filha Isabela, de seus pais, de seus irmãos, que dedicam à Raquel, este singelo poema nascido da dor, abrandada, porém, pela certeza de que ela descansa em paz junto ao "Abbá" de Jesus de Nazaré, junto ao Pai de todas as vidas:

               Eu esperei a Morte como se espera o Bem Amado
               Ignorava como ela viria
               Nem como viria
               Mas eu a esperava
               E não havia medo nessa expectativa
               Havia somente ânsia e curiosidade
               Porque a Morte do cristão é bela
               Porque a Morte do cristão é uma porta
               Que se abre para lugares desconhecidos
               Mas imaginados
               Como o Amor
               Que nos leva para um outro mundo
               Como o Amor
               Que nos promete uma outra vida
               Diferente da nossa

               Eu esperei a Morte como se espera o Bem Amado
               Porque eu sei que em breve ela viria
               E me receberia
               Em seus braços amigos
               Seus lábios frios tocarão a minha face
               E sob a sua carícia
               Eu adormeceria o sono da Eternidade
               Como nos braços do Bem Amado

               Sei que este sono será
               Um ressurgimento
               Porque sei que a Morte é a Ressurreição
               A Libertação
               A Comunhão Total
               Com o Amor Infinito
               Com o Pai de todas as vidas

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

                                                  A LEI DA CARIDADE CRISTÃ


      O monge cisterciense norte-americano Thomas Merton, no seu livro "Reflexões de um espectador culpado," narra um fato interessante. Diz ele que um jovem sacerdote foi enviado pelo seu bispo para pregar numa paróquia de "brancos" em Nova Orleans, cidade onde predominava uma séria intolerância para com os negros.
      O sacerdote, no seu sermão, inspirou-se naquele texto do Evangelho no qual Jesus de Nazaré fala no duplo mandamento do amor de Deus e do amor ao próximo, essência da moral cristã.
      O padre aproveitou a oportunidade do sermão para lembrar que esse mandamento se aplicava perfeitamente bem ao problema da segregação racial que imperava na região, onde os negros eram considerados pessoas de segunda classe e desprezados acintosamente pelos brancos.
      Explicava o sacerdote que o mandamento do amor ao próximo exigia que brancos e negros deveriam realmente amar-se a ponto de se aceitarem mutuamente numa sociedade integrada e cristã.
      O jovem sacerdote já pronunciara metade de sua homilia, e o sentido de suas reflexões se tornava suficientemente claro, quando um homem, levantando-se, gritou raivosamente: - "Não vim aqui para ouvir essa espécie de coisa que não presta. Vim para assistir à Missa!"
      O padre calou-se e esperou em silêncio e, outro homem apoiado por um murmúrio de aprovação, levantou-se também protestando contra aquela doutrina do amor a todos, que ele  achou conveniente classificar de "desprezível".
      Como o padre continuasse calado, os dois homens retiraram-se da igreja, seguidos por alguns outros que se consideravam sólidos cristãos dessa comunidade. Ao  saírem, o primeiro que protestou, virando-se para o padre, gritou bem alto: - "Se eu falto ao preceito dominical hoje, a culpa é sua!"
       No meu entender, incidentes como este narrado por Merton têm sentido. Um sentido simples e objetivo. A provável sinceridade das consciências mal formadas confirma o fato de que alguém pode considerar-se "bom católico"  ou "bom evangélico" e ser assim louvado por seus vizinhos, quando, na realidade, é um apóstata da Fé cristã.
      Refletindo sobre o fato destes homens se recusarem a ouvir a explicação clara da palavra de Deus pregada por um ministro da Igreja, falando em nome de Deus, concluo também que houve uma completa insensibilidade moral e espiritual em relação ao sentido da Missa como ágape cristão, a união dos irmãos em Cristo, união da qual nenhum crente pode ser excluído.
      Estou convicto de que excluir um irmão em Cristo desta união é grave falha em "distinguir o Corpo de Cristo" e, portanto, "comer e beber a própria condenação", nos termos da I Cor 11,28).
      Desculpar inteiramente tais pessoas me parece que seria participar dessa transgressão clara da lei da Caridade. Esse pecado deve ser claramente apontado e declarado como tal. A pseudocaridade que se encolhe diante desta verdade torna-se responsável pela proliferação da injustiça e da mentira, sob o disfarce de Cristianismo.
      O melhor que se pode dizer dessas pobres pessoas é, repetindo as palavras de Jesus de Nazaré:
- "Não sabem o que fazem".
      Contudo, puni-las, descarregar sobre elas nossa própria agressividade em nome da justiça, não nos é permitido, por esta mesma lei da Caridade Cristã.

sábado, 11 de agosto de 2012

O CRISTÃO E A REALIDADE DA MORTE


       Neste mês de agosto faz dois anos que a Raquel, minha filha, deixou esta vida terrena e passageira e partiu para a Vida que não tem fim, a Vida Eterna. Permita-me então o eventual leitor deste blog que um pai choroso torne públicas as meditações que constantemente, no dia a dia, estão presentes em seu espírito sobre essa realidade inelutável que é a morte.
      No centro da Fé cristã está a convicção de que, quando a morte é aceita em espírito de fé, quando nossa vida inteira está orientada pelo dom de si, de maneira que no fim da vida a entregamos de volta, pronta e livremente, nas mãos de Deus Criador e Redentor, a morte se transforma em plenitude. Diz o monge cisterciense norte-americano Thomas Merton: - "A vitória sobre a morte é obra do amor. Não é fruto de nossa própria virtude heróica, e sim da participação no amor com que Cristo aceitou a morte na cruz."   
      Isto não se torna muito claramente à razão. É totalmente do domínio da Fé. Mas o cristão é alguém, o homem e a mulher, que creem com certeza que, quando uniram sua vida e sua morte ao dom que Jesus de Nazaré fez de Si mesmo na cruz, encontrou não apenas uma resposta dogmática a um problema humano e uma série de gestos rituais no culto, que confortam e aliviam a angústia diante da morte.
      Acima disso, foi concedida ao homem e à mulher, cristãos, a Graça do Espírito Santo. Assim não vivem eles uma existência de condenados e decaídos, mas vivem a vida eterna e imortal que lhes é dada, no Espírito, por Cristo. Vivem "em Cristo."
      O que "vem depois da morte" não se torna, ainda, muito claro, em termos de "lugar de repouso" - (uma espécie de cemitério celeste?), ou um paraíso de recompensas. 
       O cristão não se preocupa, em realidade, com uma vida dividida entre este mundo e o outro, além da morte. Preocupa-se com uma vida. A vida nova do novo Adão, em Cristo e no Espírito, tanto agora como depois da morte. Não pede antecipadamente uma planta ou um esboço de sua mansão celestial. Procura, isto sim, a Face de Deus como lhes foi desvelada por Jesus de Nazaré, e a visão dAquele que é a Vida Eterna, conforme lemos em Jo 17,3.
      Contudo, essa "amizade" pela morte não é a mesma coisa que um desejo doentio ou patológico da morte. O desejo patológico da morte é a total recusa da vida, dom de Deus. É um abdicar as dificuldades da vida, um como que ressentimento em relação às alegrias de viver.
      O desejo patológico da morte é incapacidade de viver. A verdadeira aceitação da morte em liberdade e espírito de Fé exige uma aceitação fecunda e madura da vida. Quem teme a morte e quem por ela anseia ou a procura  estão, ambos, na mesma condição: admitem não terem vivido.
      Minha filha Raquel morreu ainda jovem, mas esses anos de vida, ela os viveu intensamente, tanto na prática religiosa quanto no estudo e no trabalho, no amor e na dedicação total à sua filha Isabela, no carinho com os pais, na caridade para todos quantos a procuravam.
      Acometida por um câncer submeteu-se, como era seu dever, aos mais traumáticos tratamentos, porque amava a vida, mas não por temor à morte, porque ela, devota que era de São Francisco de Assis. tratava a morte como uma irmã, que um dia a conduziria à Casa do Pai, à Vida Eterna.

     

terça-feira, 7 de agosto de 2012

OS PEQUENOS HERÓIS ANÔNIMOS


      Se é verdade que o cidadão comum não tem vocação para o heroísmo - no sentido de enfrentar riscos e de desafiar martírios - é também verdade que tal cidadão vive heroísmos anônimos, sacrifícios de todo dia e de cada instante.
      O motorista de táxi que, em cidade mediana, enfrenta a educação de cinco filhos; a esposa do pequeno comerciante que faz prodígios para completar a renda do marido; o operário  que conta apenas com o miserável salário mínimo, e muitíssimas outras pessoas que batalham desesperadamente para viver em meio à pobreza, são todos heróis anônimos que convivem ao nosso lado e que nem sempre os reconhecemos como pequenos ou grandes heróis...
      Sem os que se sacrificam anonimamente para minorar a má sorte de outros, sem os que assumem a labuta inglória do quotidiano, o cinzento do dia-a-dia, poderiam alguns dedicar-se aos de fora, aos da grande família humana sem perspectivas de uma vida digna e medianamente confortável?
      Enquanto o homem e a mulher comuns comem o pão diário da mesmice - a mesma casa, as mesmas caras, as mesmas vozes, os eternos mesmos problemas - outros, os mais favorecidos pela sorte, dedicam-se, não há dúvida nenhuma, a gastar o que lhes pertence em abundância, sem medir, nem calcular, aceitando sobrecargas. E, no meio seleto em que vivem, em geral são vistos, chamam a atenção, são louvados por todos os seus iguais.
      De outro lado, seria injusto e nada inteligente menosprezar o cidadão médio, que constitui a maior parte da humanidade, tanto aqui como lá fora, levando anonimamente sua vida de todo dia.
      Creio que é preciso estabelecer uma aliança profunda entre o cidadão médio e os que estão na linha de frente. Necessário é o reconhecimento - não por habilidade, por diplomacia, por esperteza, por hipocrisia, mas por justiça e convicção - do heroísmo anônimo de irmãos nossos que se sacrificam, mas dos quais quase nunca tomamos conhecimento.
      Compreendida, vendo suas atitudes do dia-a-dia devidamente valorizadas e compreendidas, o cidadão médio até se alegrará que outros pensem e ajam diferente, e se sentirá feliz de, a seu modo, indiretamenete, ajudar a tornar possível uma atuação de conjunto entre todos os que compartilham da mesmo condição de vida.
      Para o acionamento pleno da justiça, sem descargas de cólera, o cidadão médio - se não for esquecido, se não for posto de lado, mas se for colocado a par do que os governantes planejam, se sua voz for ouvida, e seus legítimos anseios forem levados em conta - o seu heroísmo anônimo poderá desempenhar papel de enorme alcance, de acolhimento e de imitação no ambiente em que vive, trabalha e luta.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

BILHETE DE CURITIBA


      Após trinta e seis anos ininterruptos residente em Barbosa Ferraz, interior do Paraná, onde constituí minha família, desenvolvi toda a minha carreira profissional até aposentar-me por tempo de serviço, eis que agora, impelido pelo guante implacável do fado, da moira ou do destino, vejo-me hoje sob o clima instável de Curitiba, que nos faz sofrer as quatro estações do ano em um só dia.
      Não cortei, entretanto, o cordão umbelical que me liga indelevelmente a Barbosa Ferraz, cidade que aprendi a amar, e onde reside meu filho primogênito com sua esposa e filhos. Lá também estão outros parentes, minha velha tapera, e os poucos mas sinceros amigos que fiz no transcorrer de minha jornada na cidade. Sem esquecer, é claro, os incontáveis ex-alunos com quem pude aprender, somando esforços e experiências, o pouco que sei dos mistérios e encantos da Língua Portuguesa (ou Brasileira?), sua gramática e sua literatura.
      Estive há poucos dias em Barbosa Ferraz, uma semana mais ou menos, e como estamos em ano eleitoral, observei que as coisas andavam fervendo na hospitaleira cidade, ante a perspectiva do pleito que se aproximava e o frenesi de candidatos a prefeito e a vereadores, em busca do voto popular e da consagração eleitoral.
      E, refletindo sobre o tema, ou seja, eleições, cheguei à conclusão de que estamos muito longe ainda de um efetivo exercício de cidadania, em se tratando da vida política brasileira, pois justamente neste dia em que escrevo  este bilhete, inicia-se em Brasília o julgamento de um dos mais rumorosos escândalos políticos do Brasil, o famoso e muito comentado "mensalão".
      Em escrito recente, numa "cartilha eleitoral" que elaborei, lembrei que, chegadas as eleições, os eleitores, geralmente bem ou mal informados, quiçá manipulados pela mídia financeiramente comprometida, votam nos candidatos impostos pelas "panelinhas" ou conchavos de sempre. E voltam para casa com a consciência tranquila pelo dever cívico cumprido. Talvez não pensem mais em eleições e em votos até o próximo pleito eleitoral.
      Aliás, muitos eleitores, talvez a maioria, pensam que o dever ou o direito de votar é apenas dirigir-se à seção respectiva, entrar na fila, botar o voto na urna e voltar para casa, achando que sua participação política terminou aí.
      Ledo e funesto engano. O eleitor é tão responsável pelos destinos de sua cidade tanto quanto o prefeito ou o vereador que ajudou a eleger. Se o candidato ao pedir voto prometeu uma administração transparente, correta e participativa, o eleitor deve fiscalizar e exigir que essa promessa seja cumprida, e não se torne  mais uma enganação como tantas outras que testemunhamos na condução da coisa pública.
      Se a administração municipal é transparente e participativa, o eleitor tem a obrigação de propor o que deve ser feito, fiscalizar o seu andamento e cobrar sua efetiva realização pelo governante. Fiscalizar, sim, os atos do prefeito e dos vereadores. Saber que é o povo que garante e paga o salário e as eventuais e condenáveis mordomias de prefeito e de vereadores, ainda que eles jurem por todos os santos que não existem as tão propaladas mordomias e malversações das finanças públicas. O famoso "mensalão" que o diga!
      Ora, quem paga, com o seu minguado dinheirinho, é o nosso povo quase sempre desamparado e só lembrado em tempo de eleição. Se o povo paga, o povo é o patrão.
      Gosto de lembrar que política não é assunto só de bacana, de rico, de poderoso banqueiro, ou da mídia açambarcadora. Política é coisa boa e muito séria. O que não presta é a politicalha, a politicagem, a politiquice. O que não presta e não merece o voto do eleitor que se preza é o candidato, em véspera de eleição, sair pelos bairros distribuindo camisas para clubes de futebol. dando remédios para o povão, oferecendo cestas básicas, pagando dentaduras e óculos para os eleitores desprevenidos, e muitas vezes venais, que adoram tempo de eleição, para conseguir as suas "coisinhas"...
      Ao político descomprometido com o bem comum só interessa o "venha a mim". Fica fazendo pose, fazendo-se de bacana e alardeando que é o benfeitor do povo e que merece o voto. Esse é o mau político que deve ser extirpado da vida pública. Ele assume o poder, que lhe veio do povo, para perseguir adversários, para construir uma sociedade egoísta que só favorece a si próprio, aos parentes, financiadores de campanha, amigos e apaniguados.
      O mau político serve-se do poder em benefício próprio ou do grupelho que o rodeia e lhe dá sustentação. O mau político não tem noção do que seja Bem Comum, e por isso não merece o voto do eleitor inteligente e que deseja exercer corretamente o seu dever de cidadania.
      É o que eu desejaria lembrar, informalmente, aos eventuais leitores deste meu modesto blog, daqui da Capital de todos os paranaenses, onde nos defrontamos também, em muito maior amplitude, com estes mesmos problemas.