sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

JESUS E O REINO DE DEUS



            Ementa:

             Jesus não pregou uma teoria teológica, nem uma nova lei, nem a Si mesmo, mas o Reino de Deus: a causa de Deus  (vontade de Deus) que irá triunfar e que é idêntica à causa do homem e da mulher  (= o bem do homem e da mulher).

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            Lendo e meditando os textos evangélicos, chego à conclusão de que a Pessoa de Jesus desaparece atrás de Sua causa: a pregação da iminente vinda do Reino de Deus.

            a) Reino de Deus:  A mensagem de Jesus não era, nem de longe, tão complicada como os meus catecismos para a primeira Comunhão, ou como os volumosos manuais de Teologia Dogmática, que durante quatro anos tentei assimilar na Faculdade de Teologia, em São Paulo.
           Jesus anunciava em figuras e parábolas o Reino de Deus que estava para vir; que a causa de Deus triunfaria, que o futuro está nas mãos de Deus.
           Portanto:
           - Não apenas o senhorio permanente de Deus concedido desde o início da Criação - como apregoavam os fariseus de Jerusalém - mas o Reino vindouro de Deus do fim dos tempos.
           - Não a teocracia ou democracia religioso-política dos revolucionários zelotes, a ser instaurada violentamente. Mas o imediato e absoluto domínio universal de Deus, a ser aguardado sem violência.
          - Não o fator de vingança em prol de uma elite de perfeitos no entender dos essênios e monges do Qumram. Mas a jovial mensagem da ilimitada bondade e incondicional Graça de Deus, exatamente para os perdidos e miseráveis.
          - Não um reino a ser construído pelos homens e mulheres através de exato e rigoroso cumprimento da Lai e de moral mais elevada, segundo a concepção dos fariseus. Mas o Reino final a ser criado pela ação livre de Deus.
          b) Tensão entre presente e futuro: 
          1 - O presente mostra aos homens e mulheres o futuro absoluto de Deus: nada de absolutizar o nosso presente às custas do futuro. Creio que não se pode esgotar no presente todo o porvir do Reino de Deus. O presente é e permanece por demais triste e incoerente para que já possa, em sua miséria e pecado, ser o reino de Deus.
          O mundo e a sociedade são demasiadamente imperfeitos e desumanos para que já possam ser o perfeito e o definitivo. O Reino de Deus não fica parado em seu início, mas deve chegar definitivamente à plenitude. O que foi começado com Jesus, deve ser terminado com Jesus. A espera imediata do Reino não foi ainda satisfeita. Mas, nem por isso, a espera será interrompida.
          2 - O futuro remete homem e mulher para o presente:  nada de isolar o futuro em detrimento do presente. O Reino de Deus não deve ser uma consolação para o futuro, uma satisfação da piedosa curiosidade humana pelo futuro, uma projeção dos temores e dos desejos insatisfeitos.
          Exatamente a partir do futuro devem homem e mulher ser inseridos no presente. Exatamente a partir da esperança devem o mundo e a sociedade atuais ser, não apenas interpretados, mas transformados. porque Jesus não pretendeu dar um ensinamento sobre o fim, mas fazer uma exortação para o presente em vista do fim.
          b) Causa de Deus = causa do homem e da mulher:
          Considerando este Reino vindouro, tenho consciência de que Jesus pregou uma norma suprema para o comportamento de homem e de mulher. Não qualquer lei ou dogma, quaisquer cânones ou artigos de uma lei.
          A norma suprema deixada por Jesus é: a vontade de Deus. Seja feita a Sua vontade. Isto, para mim, soa bastante piedoso. Mas - me vejo forçado a perguntar - o que é esta vontade de Deus?
          Compulsando os Evangelhos, chego à conclusão de que a vontade de Deus não é simplesmente idêntica a uma determinada lei, dogma ou regra de vida. De tudo o que Jesus disse e fez, torna-se claro que a vontade de Deus não é outra coisa que o bem geral de homem e de mulher.
          As bem-aventuranças do Sermão da Montanha bem como as inúmeras narrações de curas e expulsão de demônios nos esclarecem que importa não apenas o bem da alma, mas do homem e da mulher como um todo, no presente e no futuro.
          De que bem-estar e de que pessoa se cogita aqui concretamente? Não tenho condições de fixá-lo em princípio e legalmente: trata-se, em sempre novas situações, do bem-estar bem determinado de cada pessoa que precisa justamente de mim, e que então é meu próximo.
          Chegando a este ponto, o que significa isto, concretamente, segundo o pensamento e a ação de Jesus? É o que pretendo tratar no próximo blog, se Deus assim o permitir...

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Aroldo Teixeira de Almeida é bacharel em Teologia dogmática e Direito Canônico pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Capital paulista.

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terça-feira, 26 de janeiro de 2016

QUEM É CRISTO?




            Se ser cristão é seguir a Jesus, o Cristo, quem é Jesus?
            Feita a pergunta, eu, que pela Graça de Deus, me confesso cristão, só posso responder assim:
       O Cristo não é nenhum outro a não ser o histórico Jesus de Nazaré: nem sacerdote e nem revolucionário político; nem adepto de seita ascética, e nem piedoso moralista, mas provocador em todas as direções.
            Não pertencia à comunidade sacerdotal ou ao movimento fariseu. Havia em Jerusalém um establishment sacerdotal político-religioso ligado aos saduceus, e muitos judeus consideravam Jesus como representante do estamento religioso-eclesiástico.
            Mas: Jesus não foi sacerdote. Era "leigo", manifestamente solteiro e líder de um movimento leigo. Também não era  teólogo profissional: não forjava grandes teorias e sistemas. Pregava a iminente vinda do Reino de Deus, sem aparato científico ou político, com palavras muito simples, em forma de comparações e parábolas.
        E, muito menos, nada tinha de revolucionário político. Existia naquela época um partido revolucionário, composto por zelotes, fanáticos, e muitos ainda hoje O entendem assim.
           Apesar de certos setores da assim dita "Teologia da Libertação" O terem como revolucionário, na verdade Ele não era certamente nenhum revolucionário político ou social. Tivesse Ele efetuado  uma reforma agrária  -  como aconteceu na Revolução de Jerusalém, após Sua morte  -
tivesse Ele mandado queimar os títulos de dívida pública nos arquivos de Jerusalém, ou tivesse organizado uma insurreição contra as forças romanas de ocupação, já teria de há muito caído no esquecimento.
            Mas Ele pregava a não-violência e o amor aos inimigos.
          Não era adepto de seita ascética: existia na Palestina, ao tempo de Jesus, uma vida monacal bem organizada  -  os essênios de Qumran  - e os monges de todas as épocas sempre gostaram de reportar-se a ela para justificar sua forma de vida.
          Mas Jesus, de forma alguma, se retirou do mundo; não se isolou nem mandou quem queria tornar-se perfeito para o grande mosteiro de Qumran, recentemente descoberto junto do Mar Morto. Não fundou nenhuma Ordem com regras, votos, imposições ascéticas, vestes e tradições especiais.
           Não era um piedoso moralista: Havia naquela época um movimento de rearmamento moral: os fariseus. E frequentes vezes viu-se nEle, mais tarde, um "novo legislador".
           Mas Jesus não ensinou nenhuma "nova lei", nenhuma técnica de piedade, e não tinha nenhuma inclinação para a casuística moral ou jurídica e para todas as questões da interpretação de Lei. Ele anunciou uma nova liberdade em face da legalidade farisaica: o amor sem limites ao próximo.
           Portanto, já teríamos compreendido muito sobre Jesus se não O enquadrarmos em coordenadas de revolução, emigração e compromisso político-social. Ele é provocador, mas tanto para a direita como para a esquerda: evidentemente mais perto de Deus do que os sacerdotes do templo. E ao mesmo tempo mais livre com relação ao mundo do que os ascetas. Mais moral do que os moralistas. Mais revolucionário do que os revolucionários.
           E por que Ele não Se deixa enquadrar? Isto está vinculado àquilo que Ele queria. Mas, o que Ele queria, propriamente?
           Tentarei  responder a esta questão no próximo blog...

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sábado, 23 de janeiro de 2016

SER CRISTÃO - continuando...



      Um dos significados do "ser cristão":

       Seguir a Jesus Cristo, viver e morrer de maneira verdadeiramente humana no mundo de hoje  -  na alegria e na tristeza, na vida e na morte sustentada por Deus e prestativa a homens e mulheres.

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        Por que ser cristão?
        Permita-me o benévolo leitor que eu responda de forma direta:
        Ser cristão para ser verdadeiramente homem e mulher. 
        E o que significa isto?
        Não ser cristão à custa do ser homem e do ser mulher.
        Mas também, acrescento:
        Não ser homem ou mulher à custa de ser cristão ou cristã.
        Nada de ser cristão ou cristã à custa do ser cristão ou cristã ao lado, acima ou abaixo do ser homem ou ser mulher. O cristão ou a cristã não deve ser um homem ou uma mulher, fracionados.
        O ser cristão não é, portanto, uma superestrutura ou subestrutura do humano, dos outros humanismos, pois estes apresentam algumas características:
         - são afirmados, na medida em que afirmam o humano;
         - são negados , na medida em que negam o ser cristão, o próprio Cristo;
         - são superdimensionados, na medida em o ser cristão pode abranger totalmente o humano e o tipicamente humano em toda a sua negatividade, e isto significa: os cristãos não são menos humanistas que todos os outros humanistas. Mas consideram o humano, o verdadeiramente humano, o homem e a mulher e seu Deus, a humanidade, a liberdade, a justiça, a vida, o amor, a paz, o sentido, a partir desse Jesus que para eles é a "norma concreta" - o Cristo.
        A partir dEle pretendem poder esposar não qualquer humanismo que, simplesmente afirme tudo o que é verdadeiramente bom, belo e humano. Mas um "humanismo" verdadeiramente "radical"  que possa integrar e levar a cabo também o "não-verdadeiro", o "não-bom", o "não-belo"  e o "não humano". Não só o que é positivo, mas também  -  e aqui se decide o valor do humanismo  - o negativo, o próprio sofrimento,  morte e absurdo.
       Em resumo:
       O seguimento de Jesus leva homem e mulher, também no mundo de hoje, não apenas a "agir", também a "sofrer", não apenas a "viver", mas também a "morrer" de modo verdadeiramente humano.
       Para eles ainda brilha um sentido até mesmo onde a "pura razão" deve capitular, até mesmo na miséria e culpa mais absurdas: porque também aqui  -  tanto no positivo como no negativo  -  eles se sabem "amparados por Deus".
       A Fé em Jesus Cristo traz o dom da paz com Deus e consigo mesmos, apesar de não apagar os problemas do mundo e da sociedade.
       Esta Fé torna homem e mulher verdadeiramente humanos, porque verdadeiramente co-irmãos, "prestimosos aos homens e mulheres; abertos sem restrição (no serviço, na renúncia, no perdão) justamente ao outro que dela necessita, ao "próximo".

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Aroldo Teixeira de Almeida ´bacharel em Teologia Dogmática e Direito Canônico pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Capital paulista.
        

       
        

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

O ESPECIFICAMENTE CRISTÃO É O PRÓPRIO CRISTO



           Continuando meu blog anterior sobre o tema: "O que é ser cristão":                                                        Contra toda e qualquer diluição, confusão, deturpação, falsificação do "ser cristão"  -   ainda que muitas vezes bem intencionadas - deve-se chamar as coisas pelo nome, tomar os conceitos literalmente:  -  "o Cristianismo dos cristãos deve permanecer Cristão!"
           Tenho a convicção de que o Cristianismo permanece cristão somente quando continua "ligado" expressamente "ao único Cristo."  E este não é um princípio qualquer, uma intencionalidade, uma atitude, ou uma meta evolutiva. É, antes, uma Pessoa bem determinada, inconfundível, insubstituível e com um nome bem preciso.
           O Cristianismo, já a partir de seu próprio nome, não se deixa reduzir ou "anular" num cristianismo sem nome  - (uma crítica a Karl Rahner, que criou a expressão "cristianismo anônimo"). É preciso ter sempre em mente que o especificamente cristão é o próprio Cristo.
           Esta fórmula não é "fórmula vazia".  Por quê?
           1 -  Porque se refere a uma pessoa histórica bem concreta: Jesus de Nazaré.
           2 -  Tem o respaldo não só das origens cristãs, mas também de toda a grande tradição cristã: cristão é aquele e aquela que têm tudo a ver com a Pessoa de Cristo.
           3 - Proporciona uma clara orientação ao mesmo tempo para o presente e para o futuro.
           4 - Auxilia os cristãos e encontra, ao mesmo tempo, a concordância dos não-cristãos: porque suas convicções são respeitadas e seus valores expressamente afirmados, sem procurar por meio de rodeios dogmáticos captá-los para o Cristianismo e a Igreja, dizendo-lhes: "Vocês propriamente já são cristãos (anônimos!)"
           Assim, - afirmo com certeza - os conceitos do "ser cristão" não são diluídos ou esticados à vontade, mas tomados em sentido preciso e literal, é possível conseguir ambas as coisas: evitar toda confusão cristã (a maior "inequivocidade"  possível.
           Seguindo-se este critério, Cristianismo não significa exclusividade da salvação, mas aquela "singularidade"  que se fundamenta em Jesus Cristo,
           Levando-se em conta as "religiões do mundo", isto significa:
           1 - "não o domínio absolutista de uma religião"  que, na sua exclusividade missionária, despreza a liberdade de crença;
           2 - "não a mistura" sincretista de "todas as religiões"  -  entre si discordantes - que, em caso de harmonizar e reduzir, reprime a verdade;
           3 - "mas antes, o específico e desinteressado "serviço cristão aos homens e mulheres das diversas religiões" que não destrói nada de valioso nas religiões, mas também não incorpora acriticamente algo sem valor: sabendo reconhecer e rejeitar nuançadamente, deve o Cristianismo atuar entre as diversas religiões como "catalizador crítico e ponto de cristalização"  de seus valores religiosos, morais, meditativos, ascéticos e estéticos.
           Nesta linha, assevero com certeza que a Igreja pode e deve, também hoje, "anunciar Jesus Cristo a todos os homens e mulheres", a fim de possibilitar justamente um Cristianismo hindu, chinês, japonês, indonésio, árabe, africano, sul-americano etc: um "ecumenismo", não mais apenas um estreito sentido confessional-eclesiástico, mas num sentido "universal-cristão".

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Aroldo Teixeira de Almeida é bacharel em Teologia Dogmática e Direito Canônico pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, de São Paulo.
                                                          
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domingo, 17 de janeiro de 2016

QUEM É CRISTÃO?




            Quem é Cristão?
             E eu me atrevo a responder:
             Cristão não é simplesmente o homem  (e a mulher) que procura viver de maneira humana ou social ou mesmo religiosa. Cristão é antes, e tão-só, aquele (aquela) que procura viver sua humanidade, sociabilidade e religiosidade, a partir de Cristo Jesus.
            O que significa ser "humano"?
            Ser verdadeiramente humano, verdadeiramente homem, isto é, esforçar-se por ser homem individual e completo.
            Mais: isto também o pode o humanista secular, como seja alguém com formação clássica na linha de um cientista como Humboldt, ou existencialista da linha de Nietzsche ou Sartre, ou ainda o pesquisador positivista das ciências naturais, ou de um racionalista ateu.
            Sou forçado a admitir: todos estes podem ser autênticos humanistas, vivendo realmente como pessoas humanas. Mas nem por isso já são cristãos.
            O que significa ser "social"?
            Ser social é estar relacionado com a "societas",  a sociedade, isto é, estar voltado para as necessidades e esperanças dos companheiros de jornada, dos outros grupos humanos, da sociedade em geral, e engajar-se ativamente, com espírito mais ou menos combativo, em prol da justiça social.
            Mais: isto também o pode o secular engajado socialmente; isto o pode o reformador social liberal, bem como o revolucionário social marxista; isto o pode ser também um fascista espanhol, um democrata brasileiro, ou um representante da nova esquerda, europeu ou americano.
             Não posso negar: todos estes podem apresentar legítimas e urgentes reivindicações sociais. Mas nem por isso precisam ser cristãos.
             O que significa ser "religioso"?
             Significa estar religado com um Ser Absoluto: isto é, viver no horizonte de um sentido fundamental absoluto, orientado para algo que me interessa incondicionalmente.
             Mais: isto também o pode o árabe muçulmano, um budista, um judeu, ou simplesmente o homem comum, dotado de sentimentos religiosos e que procura responder por seus atos perante uma Instância Superior que obriga em consciência.
             Jamais nem Você nem eu poderíamos negar: todos estes acima citados podem ser autenticamente religiosos. Mas nem por isso precisam ser cristãos.
             Portanto, em que consiste o especificamente Cristão? O que faz do cristão um Cristão?
             É o que tentarei desenvolver no próximo blog. Agora, fico apenas nesta confissão sincera:
             Deus me deu, gratuitamente, a Graça de nascer numa família cristã católica, e eu, como cristão católico, devo procurar viver minha humanidade, minha sociabilidade e minha religiosidade a partir de Cristo Jesus, dentro da Igreja Católica, na qual vivo e nela espero morrer
             Procurar: nada mais e nada menos.

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quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

CORAÇÕES DE PEDRA x CORAÇÕES DE CARNE



            Quando deixo a placidez e a tranquilidade de meu bairro  -  o glorioso Tingui  -   e vou ao centro da grande Curitiba, sinto-me como que esmagado pelos enormes edifícios de cimento armado que se erguem por todos os lados. Eles se me apresentam frios, sem alma, distantes... Durante o dia, quando o movimento de carros, de ônibus e de seres humanos apressados, correndo atrás de mil e uma necessidades; quando a luz do sol é mais cáustica, e eu ali meio perdido no meio da multidão, os ângulos de pedra dos arranha-céus me parecem cortantes como agudas espadas.
             Mas confesso que há também algo curioso: quando o Sol declina e a noite começa a chegar, os arranha-céus perdem qualquer sombra de agressividade; seus ângulos se amaciam e os blocos gigantes  me dão a impressão de recolher-se e de que, penso eu, começarem a rezar!...
             E, quase sem querer, eu me ponho a pensar: se na minha convivência do dia-a-dia, com familiares, vizinhos e estranhos, eu  tiver ainda que lidar com criaturas humanas que me parecerem feitas de cimento armado, angulosas e difíceis, não me deveria  esquecer que também os imensos blocos de tijolos e cimentos não resistem à magia do entardecer.
             É preciso saber escolher as horas favoráveis. No meu dia-a-dia, querer discutir com pessoas agressivas e violentas, apostando para ver quem grita mais alto, é como entrar em onda braba e preparar-me para ser arrastado pela correnteza e até beber água...
             Não há ninguém  -  me diz a experiência  -  por mais duro que seja, que não ofereça brechas em suas armaduras de agressividade.
              Aqui perto de minha casa mora um holandês que adora dizer "Não" a cada um dos vizinhos, mas se desarma imediatamente quando encontra uma pessoa com alguma deficiência corporal ou mental. Conheço também um "durão" que não pode ver uma mulher grávida, sem se comover profundamente...
              Isso me faz compreender que nenhuma criatura humana é feita de mármore ou de aço. Todos nós, homens e mulheres, somos de carne e osso.
              Por mais que a consciência vá ficando insensível, por mais que o coração vá enrijecendo nos percalços da vida, haverá sempre um acontecimento que acordará recordações que pareciam mortas; um gesto, um sorriso, um aperto de mão, enfim, que apanhará de surpresa os mais desconfiados e mais frios...
           Às vezes a morte repentina de um amigo parece um clarão da Graça de Deus para quem se considera um sujeito sem alma, sem coração, sem nervos.., E quando isso acontece, por qualquer circunstância, que uma criança, com sua espontaneidade, sua inocência despertadora entra na vida de quem até aí se julgara totalmente insensível, o que se poderia imaginar?
            Por que desanimar, mesmo quando eu me veja obrigado a lidar com pessoas que me parecerem casos perdidos?
            Caso perdido!... Quem me autoriza a julgar e condenar um meu semelhante?... E mais, se eu sou crente: quem pode criar limites à misericórdia de Deus?
            Por mais grossa que seja a carapaça do meu egoísmo; por mais paralisada e morta pareça a minha consciência; por mais que eu jure que meu coração de carne, virou pedra, jamais eu poderia menosprezar a Luz Divina que atravessa qualquer barreira, e que me faria ter sempre em minha mente que Cristo, meu Senhor e meu Redentor, venceu o pecado e a morte, para sempre.
            Assim Deus me ajude!

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domingo, 10 de janeiro de 2016

LITERATURA DA FELICIDADE, OU LITERATURA DA SALVAÇÃO?



            O que representa a salvação para o homem e a mulher de hoje? Ou mesmo para um determinado homem ou mulher modernos? É a pergunta que tentarei responder no meu texto de hoje.
            Como não me seria possível possível abordar todos os aspectos desse problema, e como sou leitor fanático da literatura tanto brasileira quanto estrangeira, vou procurar buscar inspiração em alguns autores que tenho lido mais frequentemente.
            Apesar de ter parado de ler romances nos últimos tempos, tenho a impressão de que o romance vem sendo sempre menos o meio de comunicação de idéias ou de visão do mundo; o cinema, e principalmente a TV, representam na sensibilidade do homem e da mulher modernos, do homem e da mulher do povo, um elemento muito mais importante.
             Entretanto, para o bem ou para o mal, a literatura ainda é um veículo eficiente na difusão de idéias e de visão do mundo. 
              Um dos críticos literários que tenho lido atualmente é o francês André Rousseaux, no seu alentado estudo "Literatura do Vigésimo Século", em que distingue literatura da felicidade e literatura da salvação.
              A literatura da felicidade, por exemplo, é representada por Montaigne, que li há muitos anos passados. Nele, Montaigne quer mostrar como homem e mulher podem criar uma vida mais feliz para si mesmos, 
              Nos meus tempos de faculdade, estudando o Latim, descobri que Cícero ensinava que os estudos deviam tornar-nos "humaniores", mais humanos, mais cultos, com sensibilidade mais delicada. Em outros termos, esse tipo de literatura supõe que a casa esteja construída. Somos seus proprietários e moramos nela.  Vamos colocar tapetes de uma só cor ou de cores diferentes? Vamos pendurar alguns quadros? Que estilo escolher para os móveis?
              A literatura da felicidade, querendo tornar homem e mulher mais humanos, supõe que eles  
"já" sejam humanos; pretende apenas  embelezar um pouco mais as suas vidas.
              Na literatura da salvação se dá o contrário: a casa está em chamas, ou ao menos em perigo de arder. O que entra em questão não é colocar tapetes dessa ou daquela cor, mas chamar os bombeiros e tentar salvar o essencial.
               Em linguagem mais concreta, homem e mulher se acham numa situação que receiam: vivem ambos sob o signo da ameaça, do perigo. O problema fundamental, anterior a todos os outros, é saber se ainda é possível ser "humanos"  pura e simplesmente, se ainda poderão viver uma vida humana, pois se acham encurralados na confusão de acanhadíssimas moradias. E ali jamais podem encontrar solidão, o silêncio necessário à intimidade de marido e de mulher.
                O que poderia significar ainda para esse homem e essa mulher o compromisso de fidelidade? Nada absolutamente, pois estão numa situação que não lhes permite compreender tal matéria. Isto não significa, porém, que se possa tirar a conclusão: primeiro mudar a situação temporal para, em seguida, anunciar o Evangelho  -- o eterno problema da pastoral da Igreja: "evangelização" e/ou "libertação".
                É claro que estou apenas levantando o problema, pois não tenho condições de resolvê-lo. Os sociólogos muito teriam a dizer a respeito, para não falar dos médicos, dos advogados e de outros profissionais. E também cada um de nós  -  sou forçado a conceder --  pois "homem algum é uma ilha", conforme a feliz intuição de John Donne, poeta inglês morto em 1631, que encontrei lendo o belíssimo livro com esse título, escrito por Thomas Merton, monge trapista norte-americano, morto na Tailândia, em 1968.

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               "Homem algum é uma ilha inteiramente à parte; cada homem, cada mulher, é uma parcela do continente, uma partícula da terra firme".  (John Donne)

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quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

VIAGEM SENTIMENTAL AO PASSADO



            Há muito tempo atrás  -  mais precisamente em 1962  - eu era estudante de Teologia na Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, na Capital paulista.
            Aos domingos  passava o dia na paróquia da Vila Prudente, onde auxiliava o pároco, e minha tarefa era cuidar do grupo de jovens  na Missa das dez horas, a eles dedicada de modo todo especial.
            Lembro-me muito bem que eles costumavam cantar um hino de que eu muito gostava de ouvir, cheguei a  registrá-lo em minha agenda e o guardo com carinho até hoje.
            Era assim:

                                    Fica sempre um pouco de perfume
                                    nas mãos que oferecem rosas
                                    nas mãos que sabem ser generosas
                                    Dar um pouco do que se tem
                                    a quem tem menos ainda
                                    enriquece o doador
                                    faz sua alma ainda mais bela
                                    Dar ao próximo alegria
                                    parece coisa tão singela
                                    Aos olhos de Deus,  porém,
                                   é das artes a mais bela...

            Quando o canto começava, a impressão poderia ser de que fica sempre um pouco de perfume nas mãos de quem tem rosas para oferecer, nas mãos de quem sabe e pode ter generosidade...
            Mas logo se pensa em quem do pouco de que dispõe, ajuda a quem tem menos ainda...
            Sei, por experiência própria, que a pobreza, em geral, torna os pobres egoístas. É a luta pela vida. Podendo afastar, afastam; podendo empurrar, empurram, na esperança de, com menos concorrentes, poder ter um pouquinho mais... Acho triste ver, como, em geral, os pobres se devoram entre si. Mas sei também que há pobres capazes de acudir, felizes, quem precisa ainda mais do que eles...
            A canção dos meus jovens da Vila Prudente dizia  -  e é uma grande verdade  -  que "dar um pouco do que se tem a quem tem menos ainda, enriquece o doador e faz sua alma ainda mais bela..."
            E o cântico, para mim, terminava de modo surpreendente. Passava a falar em uma ajuda especial: a de dar ao próximo alegria.
            Na verdade, o canto mostrava-me que parece tão simples, tão sem valor, tão sem importância dar ao próximo um pouco de alegria...
            Entretanto, os jovens cantavam que dar aos outros alegria é a mais bela das artes...
            Não será exagero? É tão importante e difícil assim dar aos outros alegria?
            E chega até a ser arte? É belo alegrar o próximo? Fazer com que surja uma réstia de azul no céu cinzento, de chumbo, que acabrunha um irmão, será mesmo "das artes a mais bela"?
            Não importa. Mas o que pensarão a respeito até hoje os jovens que, com suas guitarras elétricas e suas vozes quentes e juvenis, enchem a Casa de Deus, cantando de modo vibrante:

                                  "Dar ao próximo alegria
                                    parece coisa tão singela
                                    aos olhos de Deus, porém,
                                    é das artes a mais bela..."


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            Depois de tanto tempo, nas vésperas do meu octogésimo ano de vida, a recordação destes fatos da minha juventude ainda me traz felicidade, e muito mais ainda, porque, cá em Curitiba, bairro Tingui, onde resido, as Missas dominicais na minha paróquia São Pedro e São Paulo, são também animadas pela nossa vibrante juventude que, com suas vozes festivas,  me faz viajar no tempo e aterrissar, emocionado, na saudosa Paróquia da Vila Prudente, até hoje na minha memória...

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domingo, 3 de janeiro de 2016

2016 COM JORGE BERGOGLIO = O NOSSO PAPA FRANCISCO



            Para este Ano Novo - 2016 - depois de um 2015 conturbado e difícil para a imensa maioria dos brasileiros  -  (culpa da Dilma???)  -  as palavras do Papa Francisco nos trazem esperança e inspiração.
            Na Missa da meia-noite, no Natal, o Papa pediu por "um comportamento sóbrio, simples, equilibrado e linear", fazendo referência  a uma sociedade "embriagada de consumo e de prazeres, de abundância e de luxo, de aparência e narcisismo".
            O Papa nos sugere a simplicidade como atitude primordial perante a vida.
            Já na primeira Missa de 2016, lembrando que 1º de janeiro é o "Dia Mundial da Paz", o Papa Francisco disse que apenas a misericórdia tem o poder de nos regenerar, para vencer a indiferença que impede a solidariedade. Durante a homilia, o Papa reforçou seu discurso pela Paz e pela Justiça Social, salientando que a injustiça e a violência ferem profundamente a humanidade.
            São palavras suas:
            - "Às vezes, nos perguntamos:  como é possível que perdure a opressão sobre homens e mulheres? Que a arrogância continue a humilhar os mais fracos, deixando-os às margens mais abandonadas do nosso mundo? Até quando a maldade humana semeará sobre a Terra a violência e o ódio, provocando vítimas inocentes? Como pode haver plenitude de vida em um tempo em que se coloca, diante de nossos olhos, multidões de homens, mulheres e crianças que fogem da guerra, da fome, da perseguição, dispostos a arriscar sua vida para ver respeitados seus direitos fundamentais?" 

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            Que estas palavras do Papa Francisco penetrem em nossa mente e em nossos corações, incitando-nos  a que superemos o que ele chamou de "rio de miséria", por meio da "construção de um mundo mais justo e fraterno".

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