segunda-feira, 30 de maio de 2016

PAPA FRANCISCO: UM PROVOCADOR



            Concordo com as palavras do jornalista Carlos Alberto Di Franco, quando ele diz que o Papa Francisco é um comunicador de mão cheia. Intuitivo. Simples. Direto.
            Seu estilo é surpreendentemente solto e provocador. Seu discurso é coloquial e próximo. É um Papa falante, alegre, com jeito não de Papa, mas de pessoa laica. Um Papa diferente. Mas é o Papa, reforça Di Franco. Ele tem plena consciência do seu ministério e de sua autoridade à frente da Igreja. Não pode ser interpretado pela metade. É preciso ir ao cerne de seu pensamento e de suas ações no dia-a-dia de seu ministério.
            Francisco é Papa, a autoridade máxima do Catolicismo neste nosso mundo. E, claro, não mexerá nunca nas doutrinas da Igreja Católica, das quais é seu fiel depositário. Para ele, sua defesa da vida, por exemplo, desde o instante da concepção, é clara, forte, sem qualquer sombra de ambiguidade.
             Insiste muito na essência da mensagem cristã: o carinho, o acolhimento, a compaixão de Deus, principalmente para o oprimido, para o que sofre. Por esse motivo, decretou o "Ano da Misericórdia", que estamos vivenciando na paróquia que frequento, a São Pedro e São Paulo.
              Impressiona-me, bastante, o tom profundamente humano que dá a todos os seus pronunciamentos. Deixa ele claro que os católicos não devem ser "anti-nada". A proposta de seu pontificado é uma proposta afirmativa, alegre, como que revolucionária, não desembocando nunca  em um complexo simplesmente moralizante. Sua proposta aparece a mim como um desafio empolgante proposto por uma pessoa divina, Nosso Senhor Jesus Cristo, em todas as Suas parábolas.
              Seu pontificado está sendo recebido pelo mundo cristão como um testemunho de Fé, convicção e coragem, e ele acredita que a firmeza da Fé, da Esperança e da Caridade, acabarão por galvanizar a nostalgia de Deus, que domina os mais variados estamentos do mundo contemporâneo.
              Insiste o nosso Papa que o Cristianismo não é uma alternativa negativa, um encolhimento medroso ou uma simples resignação diante do imponderável.
              O Papa Francisco acredita, prega e insiste que o esgotamento do materialismo histórico e a frustração do mundo hedonista e consumista prenunciam um novo perfil existencial que mudará inevitavelmente, para melhor, o terceiro milênio que está para chegar, trazendo o resgate do verdadeiro e necessário  humanismo.
               O Papa Francisco dá boas manchetes para a imprensa internacional. Insiste que não podemos priorizar somente questões ligadas ao aborto, ao casamento homossexual, ao uso de métodos contraceptivos. Quando se falar nesse assunto, que se fale dentro de um contexto, porque o parecer da Igreja Católica é conhecido por todos.
               Creio firmamento que o pontificado de Jorge Mário Bergóglio, nosso querido Papa Francisco, está sendo, no fundo, uma forte manifestação da unidade da Igreja  e da continuidade da presença de grandes Papas à Sua  frente, quando Ela mais precisa deles.
                 O Papa Francisco é, realmente, na minha modesta opinião, um provocador dentro das atuais perspectivas da Igreja de nossos tempos, e essas perspectivas devem ser levadas em conta, se quisermos  ser totalmente fiéis e coerentes com os caminhos provocadores propostos pelo nosso Papa.

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Aroldo Teixeira de Almeida é Professor aposentado do Quadro Próprio do Magistério Paranaense, e bacharel em Teologia Sistemática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Capital paulista.
             
              
           

sexta-feira, 27 de maio de 2016

A MAIOR DAS VIRTUDES


                                        Do poeta tcheco de minha predileção, Rainer Maria Rilke:

                                         Quiconque pleure à présent quelque part dans le monde,
                                         sans raison pleure dans le monde,
                                         pleure sur moi.

                                         Quiconque rit à présent quelque part dans la nuit,
                                         sans raison rit dans la nuit,
                                         rit de moi.

                                          Quiconque marche à présent quelque pars dans le monde,
                                          sans raison marche dans le monde,
                                          vient vers moi.

                                           Quiconque meurt à présent quelque pars dans le monde,
                                           sans raison meurt dans le monde,
                                           me regarde...


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               As solenidades em comemoração da presença de Cristo entre nós, na Eucaristia, levam-me a falar da Caridade, pois essa presença de Cristo, sob as espécies do pão e do vinho consagradas pelo sacerdote durante a Santa Missa, é a maior prova de Seu amor para conosco, pobres pecadores, mas a caminho do Reino.
               Abrindo este blog de hoje, no qual tenho a ousadia de dar um testemunho da Caridade, da mais alta virtude que vem de Deus, a primeira sensação que me assaltou foi a de uma terrível indecisão, de incompetência: mas logo a seguir tive a alegria de descobrir que esse é o mais fácil e tranquilo dos testemunhos, porque a mais alta virtude é justamente aquela que desce mais baixo e alcança sempre, a Você, benévolo leitor, e a mim, humilde escrevinhador.
              A Caridade está em toda a parte. Nós a encontramos em todos os lugares e em todas as horas. Ela é paciente; suporta o mundo sem Fé; corre atrás do mundo sem Esperança. Persiste, aguenta, esconde-se para servir e mostra-se para ajudar. Está aqui, está ali, não se cansa, não se irrita nunca. 
              O mundo é um abismo de Caridade; é um vale de lágrimas, das lágrimas da Caridade.
              A Caridade está em toda a parte. Onde houver face de homem ou de mulher, onde se ouvir uma palavra, apesar das feridas das paixões e dos acentos estridentes da mentira, há alguma coisa que se mete de permeio, que insiste e insiste, sempre, sem se cansar.
              Eu a vejo nas ruas de meu bairro, nas faces convencionais e tristes dos gestos travados, nos sorrisos amordaçados, no olhar que se desvia, na palavra que se engole, para não ferir. Eu a vejo nos lugares barulhentos das praças e nas circunstâncias mais banais. Uma velha desconhecida que tropeça e cai na minha frente, e me olha espantada de ter caído; um mendigo sentado na calçada, me olhando, triste, esperando o dom de alguns trocados.
              Tudo me fala dessa presença absurda, mas que me convida e me incita a uma imensa e total reconciliação com o meu semelhante que sofre.
              A Caridade é boa. O mundo pode perder a Fé e a Esperança, mas não perde a Caridade, porque a Caridade não perde o mundo. Não o deixa, não deixa vazio qualquer recanto, é como uma dona de casa que anda solícita e cuida de todos os vãos, arrumando, varrendo, adornando com flores e com carinho.
             Onde gente pretensamente culta discute com pedantismo literário os males do mundo, pelo prazer de ouvir o som da própria voz, a Caridade vem e se põe no meio; basta acontecer alguma coisa, um desentendimento qualquer, para que um braço se estenda, a mão se abra e uma palavra boa se faça ouvir.
             A Caridade está alastrada no mundo. Se for pisada aqui, ela renasce acolá. É impossível evitar sua perseguição tenaz e branda. Se as portas de minha casa permanecem fechadas por medo de eventuais ladrões, ela entra pelas frestas como uma brisa ligeira, instala-se num canto da sala  -  criada humilde pronta para servir, mãe amorosa atenta para amparar.
             A Caridade fica quieta; espera; é paciente; é boa. Sabe que mais cedo ou mais tarde terá feridas para curar. Quando é enxotada, ela sempre volta. Quando é insultada, ela perdoa.
            Às vezes arrastam seu santo nome, por derrisão, nos lugares onde o pobre e o faminto são escarnecidos pela filantropia vazia e sem amor; nem assim, diante da usurpação e do ridículo, ela volta atrás. Está ali sempre, ali fica. Até mesmo nas próprias instituições ditas de caridade, a Caridade aguenta permanecer.
           Sua ironia é assim, ironia de mãe, que cuida de tudo, entrega-se a tudo, sem nada querer em troca. A não ser fazer presente a força do  Amor.

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Aroldo Teixeira de Almeida, bacharel em Teologia Sistemática, é professor aposentado de Língua Portuguesa e Francesa, do Quadro Próprio do Magistério Paranaense.

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segunda-feira, 23 de maio de 2016

AGARREMO-NOS AO NADA, SE CRISTO NÃO RESSUSCITOU!...



            Diante desta tarefa que pretendo tratar agora, creio que estou perplexo sobre que caminho devo tomar. Tenho dois caminhos a escolher, e é urgente que eu o faça da melhor maneira possível, pois se trata de minha salvação eterna.
           A terrível verdade é que me sinto só e um tanto quanto desesperado. Sim, dois caminhos a escolher: ou o Cristo ressuscitou ou não. Ele é o caminho, como aprendi no Catecismo, ou não é. À minha frente está o caminho da negação: se eu quero desesperar, que eu me desespere até o fim. Pois que eu seja desesperado; que eu seja pornográfico. Que eu beba, que eu coma, que eu fornique.  Se Cristo não ressuscitou!  
          Se minha mulher me cansa, que eu arrume outra, mas não me justifique, em nome de uma teoria qualquer. Que eu me farte com as bolotas da vida, mas que não deixe que a palavra da censura me persiga, como a sombra de um Verbo. Que eu não diga nada. À minha frente está o caminho, que não é a Verdade, e muito menos a Vida: se eu quiser entrar por ele, tenho toda a liberdade de entrar.
           De nada me adianta convencionar as conversinhas muito ouvidas de que sou imortal e que o suor da agonia só umedece a fronte do meu vizinho da esquerda. Não adianta fazer filosofia sobre as pedras do caminho, ou poetar sobre as flores à margem da estrada.
           Que eu seja consequente e desesperado: que eu entre pelo caminho das urtigas, cerrando os dentes, apertando os punhos; que eu me aprofunde por ele até o fim, até que minhas pernas me conduzam para um barranco sem brecha! Se Cristo não ressuscitou!...
            Ou Deus existe ou não existe. Se não existe, acabou-se. Que não exista. E se assim for, que eu seja abandonado de vez, enjeitado, atirado nas areias ardentes de um deserto, habitante casual de um gracejo cósmico.
             Ou o Cristo ressuscitou ou não. E se Ele não ressuscitou, já o disse o Apóstolo Paulo, sou a mais desgraçada das criaturas, porque perdi a última aposta. Mas que conserve ao menos a sombra de uma dignidade. Não adianta parar em meio do caminho, sentar-me num banco da praça pública balançando a cabeça por causa das tragédias da vida. Não adianta culpar o século em que vivo, nem correr atrás de fantasmas que me povoam a imaginação; não adianta ter razão ou deixar de a ter; calar ou falar; ficar em casa quietinho mexendo nas teclas do computador...
             Nada adianta. Nem ser bom, nem ter caráter, nem ter vergonha, nem ter sentimentos, nem dar pêsames ao vizinho pelo atropelamento de seu cachorro de estimação, batendo-lhe pancadinhas de  consolo em seu ombro.
              Ou o Cristo ressuscitou ou não. Se Ele não ressuscitou, que todo o resto vá para as urtigas! Que eu saia pelas ruas dançando meu último carnaval. Que bote de lado vinte séculos de uma moral de escravos: que pisque olhos; ponha línguas de fora; que eu seja esperto.
               E todos - se Cristo não ressuscitou - todos juntos, os bilhões de seres deste planeta - apinhados numa planície imensa, no Saara, desatemo-nos a rir, a rir de nós mesmos e de tudo, fazendo figas para o sol, para as montanhas, para o mar - e sempre rindo, rindo, rindo, até rebentarmos! Sejamos como disse Paulo: as mais desgraçadas das criaturas!...
               MasCristo ressuscitou! - cantam os anjos nas alturas!
              Lágrimas e mais lágrimas! De júbilo. De alegria. Aleluia!
              Jesus ressuscitou!!!

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Aroldo Teixeira de Almeida é bacharel em Teologia Sistemática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Capital paulista.

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sexta-feira, 20 de maio de 2016

MARANATA! EIS QUE VEM O SENHOR!...


  Epitáfio, composto pelo poeta Rainer Maria Rilke, para ser colocado sobre seu túmulo:

- "Rose, ó pure contradiction, volupté de n´être le sommeil de personne sous tant de paupières".
- "Rosa, ó pura contradição, doçura intensa de não ser o sono de ninguém, sob tantas pálpebras!"


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            Estou nesta semana lendo o Evangelho de João. Este Evangelho não tem, como o de Mateus, uma longa mensagem de esperança. Mateus, no seu Evangelho, dirigia-se aos judeus que tinham o problema do tempo tão vivo como nós o temos hoje, embora com aspectos diferentes.
            No Evangelho de João a Esperança entra pelo Amor, e começa logo falando em núpcias, as núpcias de Caná da Galiléia. E muito mais tarde, já nas vésperas de Sua paixão e morte, Jesus Se despede de Seus discípulos:
            -"Ainda um pouco mais de tempo e vós não Me vereis; depois, ainda um pouco mais de tempo, e Me vereis novamente".
            Os discípulos O interrogam sobre esse "ainda um pouco mais de tempo",  e Jesus lhes promete uma alegria que ninguém lhes poderá tirar. A Esperança, no Evangelho de João, está abraçada à Caridade, e as palavras de Jesus procuram conter no Amor a impaciência cristã.
            Homens e mulheres que creem em Deus são também impacientes, mas em relação ao "hóspede que tarda."   Homens e mulheres são impacientes quanto à Parusia, mas pacientes na vida cotidiana. Estão no tempo, mas não são do tempo. E por não serem do tempo, são impacientes.
            O cristão é realmente, segundo a Esperança, vigilante como um soldado, e confiante como uma criança.
            Cuidadoso como um soldado que o Rei mandou vigiar os confins de Seu império, e descuidado como uma criança que dorme. Essa impaciência é amorosa, porque é com ela que participamos na paixão do Senhor.
             Somos impacientes como crianças, pacientes como soldados. Impacientes como noivos e pacientes como noivos. Não há conflito entre a Parusia e o cotidiano, como não os há entre o enxoval e as núpcias. Há ainda um pouco mais de tempo...
              A Esposa paciente, que gira a roca e  maneja o fuso, tem ouvidos finos e ouve os passos do Bem-amado que vem correndo pelos montes. Curva-se mais sobre o pano que tece, vigia com mais zelo o óleo de Sua lâmpada. Ainda um pouco mais de tempo, ainda um pouco mais de tempo...
             Os sacerdotes de Deus, soldados que vigiam e crianças que cantam, se curvam sobre a imensa tapeçaria litúrgica que paramenta os séculos, e retomam o fio de todos os dias: Advento, Natal, Páscoa, Tempo Comum; e o retomam, como eu faço todos os dias, na "Liturgia das Horas": atento como soldados, confiante como crianças.
             E a Esposa de ouvidos finos ouve os passos do Bem-amado que vem correndo pelos montes. Ele aí vem! Cedendo à impaciência apaixonada que nada mais pode conter, suspende um momento as mãos do fuso, pára um instante a roca, esquece a lâmpada, e grita dentro do coração:    
             - "Vinde, Senhor Jesus, vinde! Maranata!

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Aroldo Teixeira de Almeida é professor aposentado de Português e Francês do Quadro Próprio do Magistério Paranaense e bacharel em Teologia Sistemática e Direito Canônico pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Capital paulista.

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segunda-feira, 16 de maio de 2016

'DE GUSTIBUS ET COLORIBUS NE DISPUTETUR"


             É isso aí, como está no título:
             "A respeito de gostos e de cores não se discute".

             Ignoro se foi por desejos meus ou de meus pais,  não sei se eu gostei ou não, mas o fato é que nos meus anos juvenis passei um ano em Aparecida num seminário; em seguida me transferi para o Seminário Menor Maria Imaculada de Ribeirão Preto, SP, onde concluí o curso de humanidades. Terminado este, fui para a Capital paulista, para estudar Filosofia e Teologia, no Seminário Central do Ipiranga, instituição católica para a formação de padres.
            Passei pelas assim ditas "Ordens Menores", recebi a batina e a tonsura na cabeça, mas a veleidade de ser padre desapareceu nas nuvens, após o meu bispo ter recebido uma denúncia de que eu era comunista... A verdade é que no dia semanal de folga, às quintas-feiras, eu não o passava no seminário, nem saía a visitar livrarias ou museus, como faziam os demais seminaristas. Meu interesse estava direcionado para outras questões, como a "Doutrina Social"  da Igreja, e estas questões me levavam a frequentar a Frente Nacional do Trabalho, do advogado Dr. Mário Carvalho de Jesus, e do sindicalista Miele. Com eles, participei de várias "Semanas de Doutrina Social da Igreja",  em paróquias que conheciam a "Frente" e nos convidavam para levar até elas a "Semana", o que fazíamos com muito gosto e com ótimos resultados entre os paroquianos. Talvez fosse por essa minha participação na "Frente" e pelas "Semanas Sociais" é que levou pessoas mal informadas ou de má fé a me acoimarem de comunista. E eu as compreendo e as perdoo.
             E o seminário? Foi para as cucuias. Saí, conheci uma moça, namorei, noivei,  casei-me. E cá estou eu leigo e faceiro como nasci, apesar do enorme peso dos oitenta anos nas costas...
             Findo o exórdio, e explicado mais ou menos quem sou eu, entro na discussão do título do blog de hoje.
             Gosto e cores não se discutem. Alguém me disse que essa frase figuraria muito bem entre as proclamações do direito do homem, a propósito da obra de Machado de Assis - literatura brasileira minha leitura predileta -  como também da pintura de Picasso, tipo de obra que admiro, apesar de leigo e analfabeto no assunto.
              Estou pronto a concordar que gosto não se discute quando se trata de pratos num restaurante. Custa-me um tanto quanto, mas reconheço a perfeita legitimidade do gosto pela beterraba ou pela berinjela. No que concerne à pintura de Picasso ou aos romances de Machado de Assis, aceito que se compreenda ainda uma certa relatividade na simpatia temperamental, um gosto ao qual cada um de nós tem direito,  mas não posso concordar  que o juízo sobre tais coisas se reduza a um simples elemento da ordem do sensível.
              Na verdade, quem se pronuncia sobre uma pintura de Picasso ou sobre um dos romances de Machado de Assis, falando alto e gesticulando numa roda de pretensos intelectuais, digo que esse tal é um inimigo pessoal da Arte. Para ele, as coisas não "são" em toda a extensão do termo, mas apenas "valem". Não têm um valor "absoluto" em si mesmas, apenas "medem-se" ao gosto subjetivo de cada um. Falam alto e gesticulam numa roda de pretensos intelectuais, porque não lhes ocorre que exista uma verdade objetiva para cada coisa, para cada ser, mas apenas valores que são conferidos pelos observadores eventuais.
             O universo inteiro seria uma espécie de bolsa de valores, e cada opinião um preço que se apregoa. O universo inteiro, não somente Picasso ou Machado de Assis, seriam coisas insuficientemente criadas, à espera do veredito final a ser pronunciado nas salas de visitas de pretensos intelectuais...
              No meu modesto parecer,  como também no uso corrente do termo, a opinião é muitas vezes uma espécie de câncer da inteligência, produzido pela recusa intelectual diante da objetividade. Porque, de pequeno e modesto dado da inteligência, passa a ser considerada como a mais alta e a mais dignificante conquista de nossa mente.
              Quem se nutre apenas de opiniões, achando-as gostosas e suculentas, é como quem deixa a carne, o pão e o vinho, para apregoar as virtudes superiores do palito que usa após as refeições...
              É contra essa esquisita dieta que deixo aqui a minha justa indignação, como admirador profundo da pintura de Picasso e leitor diuturno dos romances de Machado de Assis.

             

sexta-feira, 13 de maio de 2016

GRATUITA VADIAGEM



           Escrevi no meu último blog que a vida é longa de mais. Se a vida é longa de mais, por que não "matar o tempo" enquanto ainda estou vivo?   "Carpe diem", (aproveita bem o dia), aconselhava o poeta latino Horácio, terror das aulas de latim do Professor Caselato, nos meus tempos de ginásio.
           Creio que devo a este saudoso professor o amor que tenho ao latim até hoje, e é uma edição latina da Bíblia Sagrada o meu livro de cabeceira, que leio e medito antes de dormir. Para quem nunca teve contato com ele, digo que o latim bíblico é de fácil leitura para quem teve mesmo que apenas um vislumbre da primorosa língua considerada morta (não para mim, está muito claro).
           Feita esta observação, retomo o que disse na primeira linha  -  a vida é longa de mais  - Não só é longa demais e, pior que isso, assenta mal na minha vida de hoje, oitentão aposentado que sou, com o traseiro já um tanto amarfalhado por passar grande parte do dia sentado, "matando" o tempo, enquanto "mato"  problemas de palavras cruzadas.
           Como fazer? Como "matar" o tempo? A vida é longa de mais, vivo eu a repetir. Mas ninguém parece ouvir; e cá estou eu, tropeçando nos próprios pés, enrodilhado em blusas e cachecóis tentando defender-me do friozinho danado de Curitiba, tomando dezenas de xicrinhas de café bem quente durante o dia para me aquecer...
            Nos dias em que o sol casmurro me dá o ar de sua graça, dou-me também a andar pelas ruas do bairro á procura de algum acontecimento extraordinário. Ao menos andaria em vez de ficar sentado, cansaria o corpo em vez de ficar matando charadas.  Saio de casa. Gosto de espiar as pessoas que passam.
             De repente um transeunte me interessa prodigiosamente: vou atrás dele, com precauções de namorado e de polícia. Espio-lhe os gestos, surpreendo-lhe o  vigor de suas passadas. Aquela moça que passou, por exemplo, saia plissada palmo e meio acima dos joelhos, ocupou bastante tempo no meu pensamento. Principalmente por causa de  um pormenor que hoje em dia só tenho visto nas novelas da Globo, quando retrata tempos passados: seu chapeuzinho difícil e vermelho, com uma fita a balançar num dos lados.
             E eu me ponho a ruminar: cada um de nós é um archote ardendo com a resina de seu sangue. É uma chama, um corpo em combustão, e lá por causa da sua natureza íntima, como acontece nas raras noites curitibanas estreladas: a chama no céu é vermelha; cada estrela parece-me uma vela acesa, e a rua por onde passo, com suas luminárias,  parece-me uma interminável procissão de velas bruxuleantes. Ora, porque velas? Onde vira eu uma vela pela última vez?... Parece-me que foi na última visita que fizemos ao cemitério "Memorial da Saudade",  em São José dos Pinhais onde estão sepultados meu filho Júlio e   minha inesquecível filha Raquel, para quem a Isabela , sua filha, e minha neta, lhe acendia uma vela, com seus olhos marejados de saudade.
              Descansem em paz, meus queridos mortos, que em tempo não muito distante, eu estarei aí em companhia de vocês dois, se Deus assim o quiser!
             Como a rua só me respondesse com o fluxo incessante de gente apressada, eu voltei para casa revolvendo, não sei por que cargas d´água, pensamentos sombrios e meio tenebrosos.
             Por que então não me seria melhor expor ao vento dos séculos meu cansado peito nu, rasgar as roupas, rasgar a carne, descobrir o próprio coração?
             Antes ser chama viva. De que me serve agasalhar carvões ardentes, de consumo lento e cotidiano? Seria muito melhor, nesta minha vida longa, octogenária, ser chama viva, que se veja de longe, e que crepite tão alto com a festa e a glória dos incêndios incontroláveis!

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Aroldo Teixeira de Almeida é bacharel em Filosofia e Teologia Sistemática, e professor aposentado de Português e Francês, do Quadro Próprio do Magistério Paranaense.
             




segunda-feira, 9 de maio de 2016

1963: UM ANO DE CRISE EM MINHA VIDA



            Pois é: 1963 foi o ano de minha, por assim dizer, crise. Fazia Teologia em São Paulo, na Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, com a veleidade de que desejava ser padre. Entretanto, essa minha veleidade foi pelos ares, quando meu bispo recebeu uma denúncia de que eu era comunista... Bruta mentira!
            Creio que a suspeita nasceu por eu frequentar a "Frente Nacional do Trabalho", do advogado trabalhista Mário Carvalho de Jesus, e de estar metido numas tais "Semanas Nacionais do Trabalho", que um grupo de estudantes de Filosofia e de Teologia, da referida faculdade, realizávamos nos períodos de férias em diversas paróquias da Diocese de Ribeirão Preto, a convite dos respectivos párocos.
             Terminava eu o curso de Teologia na Faculdade e estava pronto para receber a ordenação sacerdotal, pela Diocese de São João da Boa Vista, Estado de São Paulo.
             Meu bispo, Dom Tomás Vaquero, recebeu a denúncia de que eu era comunista, convocou-me para uma conversa em sua residência e disse-me que, em atenção à denúncia recebida, ele me colocaria num período de observação por seis meses e, findo esse prazo, se nada aparecesse que me desabonasse, ele concordaria com a minha ordenação.
             Não concordei, e disse ao Bispo que eu estava espiritual e emocionalmente pronto para ser ordenado; ele se manteve firme na sua posição dos seis meses de observação, e eu lhe disse que, sendo assim, eu desistiria de tudo. E foi o que aconteceu.
             Voltei para minha cidade e para a minha família, continuei católico praticante como sempre fui, conheci uma moça com quem me simpatizei, começamos um namoro e pouco tempo depois estávamos casados... Minha veleidade de ser padre evaporou-se no ar...
              Um tanto quanto ainda desorientado, fiquei então convencido de que meu mundo estivera torto, intencionalmente torto por malícia humana, o que havia não era uma tragédia, mas uma trapaça a mim feita por aquilo que costumamos chamar de destino...
               Nessa nova vida, encontrei amigos velhos e conheci muitos outros. Estávamos em 1963, ano de profunda crise na política brasileira e que culminou na tal revolução militar que tão tristes consequências trouxe para o Brasil, na minha contestação diante dela.
               Encontrei no ambiente escolar, onde passei a trabalhar como professor de Português e Francês em escola pública, amigos que bem ou mal concordavam com meus pontos de vista. Vinham eles frequentemente e minha casa, à noite, depois dos trabalhos do dia-a-dia. Discutíamos política, que atitude tomar diante da tal "redentora", como a chamavam os que defendiam o golpe de 1964.
               Nessas noites não havia beijo em filho, e quando minha mulher se retirava para seu quarto, levava como despedida um aceno de camaradagem política. Lá pelas tantas, depois que minha mulher ia para o quarto, então sim, nós nos encontrávamos e, como desforra, entrávamos noite a dentro  entre muitos cigarros, fazendo a vigília tumultuada do novo mundo que pensávamos ajudar a construir.
 Um dia,  enfastiada já por essas conversas noturnas com meus amigos, minha mulher declarou-me que eu e meus amigos não passávamos de ridículos.
              No momento, esse julgamento dela não me agradava, mas na noite seguinte recomeçava a história. Voltávamos a vociferar contra o golpe militar e discutir com manifestos contra ele à mão.
 Poucos dias mais, e eu deixaria meu catolicismo, me alistaria no materialismo histórico e, pela força do grupo,  me integraria numa célula comunista...
               Dou muitas graças a Deus por esse tempo sombrio ter passado bem depressa, e não ter deixado sequelas graves; tinha sido apenas uma gafe de um sujeito inexperiente mas de boa vontade.
De uma coisa ficou-me a certeza: o comunismo nunca seria a salvação do mundo, e muito menos para mim, que me considerava muito feliz dentro do catolicismo em que meus pais me criaram e que eu, livre dos pruridos políticos deixados à parte, pedi a todos os santos que clareassem minha mente e me conduzissem, seguro, pelos caminhos a mim indicados pelos meus falecidos pais.
              

sexta-feira, 6 de maio de 2016

LEMBRANÇAS VADIAS DE UMA TARDE DE TÉDIO



                    A "coisa" se deu quando ainda residíamos em Barbosa Ferraz, interior do Paraná, e não me lembro da data. Era noite, e tínhamos visita de parentes que residiam em Maringá, e ali estavam em nossa casa, como sempre costumavam fazer.
                   Depois de uma conversa franca, entre pessoas de boa educação, como eu julgava que éramos, alguém do grupo descobrira numa revista um brinquedo, uma espécie de exercício de memória.
                   Éramos sete ou oito pessoas, constituindo esse fenômeno que nos romances otimistas se chama de "serão familiar".  Cada um se esforçava por provar sua  inteligência e sua boa memória, e havia risadas divertidas quando alguém dizia disparates. Fiz também uma charada inofensiva, e gostei da aprovação do  pessoal.
                   De repente o relógio de parede meteu onze badaladas na reunião familiar.
                   - Credo! Já são onze horas. Parecia mais cedo...
                   - Foi bom. Só assim passamos duas horas agradáveis.
                   Alguém, não lembro quem foi, disse aquela frase. Tínhamos conseguido passar duas horas, isto é, tínhamos engolido, sob o engodo da charada, duas enormes pílulas cósmicas. Não sei como se despediram, e só me recordo de estar fechado em meu quarto, sentado diante de minha desarrumadíssima mesa de trabalho, assim meio arrasado, sem motivo aparente, como quem tivesse feito uma caminhada fatigante por estradas de pedra e lama, e visse chegar a tarde chuvosa diante de uma confusão de caminhos que não iam ter a nenhum lugar.
                    Meu costumeiro pessimismo, como sempre, estava à flor da pele. Minha vontade nervosa de andar nem tinha o melhor caminho  que escolher, tanto fazia um como outro, ambos com chuva e ambos estúpidos. Acho que eu seria capaz de andar neste ou naquele, pela noite a dentro, encharcado, cansado, sem a menor esperança de uma porta que se abrisse para me acolher.
                   Então me veio à cabeça uma lembrança de minha infância quando, ainda pequenino, muito pequenino, na modesta cidade de Caldas onde nasci e vivi meus primeiros anos de vida. Pois foi nesse tempo que, no colo de minha mãe, ouvi a história terrível de João e Maria lida num livreto de estórias infantis.
                  No momento em que os dois irmãos se perdiam na floresta escura e misteriosa, eu sentia um arrepio que iria durar por muitos e muitos anos. E por mais feroz que fosse a velha feiticeira que ia prender os meninos na gaiola, por mais que soubesse que iam correr o risco da fogueira, era com grande alívio que ouvia minha mãe contar então que as crianças tinham visto ao longe o brilho de uma luz... Aí tudo teria uma solução, a gaiola, a fogueira, a velha malvada. Mas, estar sozinho e perdido no escuro da floresta, era terrível de mais.
                 E me veio à cabeça, de novo, o que todos fazem, andando nas ruas, conversando nos bares entre um caneco ou outro de chope... era só isso: engolir horas. Matar o tempo. Viver como se a pequenina cidade de Caldas tivesse sido a antecâmara duma burocracia colossalmente inútil numa espera sem sentido, numa espera paciente, desmemorizada, suavemente temperada duma espera que se diverte com gritinhos de alegria enfermiça, como pequenos protestos de horror ao vazio da alma...
                 A vida é longa de mais, disse para mim mesmo. É longa de mais, assenta muito mal em mim. Parece um camisolão talhado para enorme manequim e que me foi atirado nas costas por um destino impiedoso, muito cruel...
                 E hoje, exilado das terras de minha infância, o que fazer? Como matar o tempo que se escoa sem parar? Chegados os oitenta anos de idade, após uma existência trabalhosa e sem muita perspectiva de tempos melhores, a conclusão só pode ser esta: a vida é mesmo longa de mais. Ou o tempo será meramente uma frase e a repetição dos dias, dos meses e dos anos, um sinal da Divina Paciência que espera de mim uma resposta, e não cansa de me chamar?
                 Mas eu mal ouço esse chamado. E cá estou eu em Curitiba, tropeçando nos meus anos idos e vividos,   passando muito mais que meio século, entretido em colher mais fracassos que vitórias, andando sozinho pelas ruas do meu bairro, espiando os outros que passam.  Ali, aquele quase ignorado vizinho: espio-lhe os gestos, e o vejo entrar numa lanchonete, talvez para tomar um refresco de coco. Tenho a impressão de que se eu o abordasse subitamente, travando-lhe o braço, poderia surgir entre nós dois um entendimento inesperado.
                 Entretanto, sei que eu não conseguiria fazer esse gesto profundamente humano;  desanimava, pensando que esse gesto seria esquisito e mal recebido, e o jeito seria prosseguir minha jornada tarde a dentro, sob o sol causticante que me parecia uma fornalha dissolvente...
                   "C´est la vie", diria Rilke, o poeta francês de minha predileção. Nada mais que a vida... Essa vida à qual procuro inutilmente dar-lhe um sentido, mas que está sempre fugindo-me às mãos!...

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Aroldo Teixeira de Almeida é bacharel em Filosofia Sistemática e Professor Aposentado de Português e Francês, do Quadro Próprio do Magistério Paranaense.

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terça-feira, 3 de maio de 2016

"MENINO, VAMOS REZAR!"



                    Estive lendo numa revista, já meio gasta pelo tempo, reportagem sobre a vida familiar num país socialista, ou comunista, não sei lá muito bem qual a diferença.
                    O fato é que não tenho (nem desejo ter) experiência pessoal do que seja uma infância socialista. Nunca andei no colo do Estado, não  fui cuidado por técnicos nem apascentado por mocinhas de frivolidade pedante, alunas de Faculdade de Sociologia, querendo me impingir doutrinação marxista. Não conheço, apesar dos meus já vividos e cansados oitenta anos  neste mundo de Deus (ou do Diabo, como querem alguns), esse tom de voz convencional da falsa maternidade, essa meiguice eficiente que se vê na televisão durante um horrível programa infantil, ou, nos idos tempos de professor em escolas públicas, com suas enfadonhas conferências sobre técnicas pedagógicas.
                    A voz que eu ouvia da Coordenadora Pedagógica era franca e forte, voz de mãe cheia de filhos, que sabia distribuir os tapas quando necessários, cortar o pão à mesa, e providenciar roupa limpa e bem passada a ferro elétrico. Nada disso me interessava.
                   Minha infância, no sul da velha e saudosa Minas Gerais, foi livre e feliz, em casa grande de comércio, quatro portas para a entrada dos fregueses, pequena escada para subir, casa antiga pintada de azul-claro, cor preferida de meu pai, com pequeno jardim bem cuidado por minha mãe, à frente, entre a grade  e a casa propriamente dita.
                   Mamãe (era assim que meu irmão, irmã e eu a tratávamos) nos ensinou a tabuada e as primeiras leituras à luz de um lampião de querosene, pois não tínhamos luz elétrica, e, confesso, nem muito interesse na tabuada,  não tinha a menor vontade de aprender, e creio que é por isso que, até hoje, ao somar 15 + 75, preciso usar a calculadora...
                   Em todo caso, era bom soletrar a cartilha com o pensamento alheio, bem longe dali, com vontade  de acabar e ir ver a galinha carijó no choco ou continuar carregando terra no meu carrinho de madeira, presente de minha avó num de meus aniversários.
                  Ainda não havia entre a cartilha e a galinha carijó a relação de cumplicidade que mais tarde me seria inculcada nas primeiras lições de coisas, quando o mundo começasse a girar em torno de minha precoce adolescência. Mas entre todas as coisas havia uma imensa solidariedade, porque tudo estava na casa de meu pai, Noé Teixeira, barbeiro de profissão.
                  Felizmente - descobri mais tarde, nos tempos de ginásio - que minha mãe não tinha nem o elementar completo, mas nunca me mandou aprender com as galinhas. Com ela, à luz do lampião, depois de terminadas as tarefas domésticas na cozinha, sentávamos ao redor da mesa, e eu, meu irmão e minha irmã, começávamos a entrar nos meandros secretos da cartilha e da tabuada.
                 Meu soletrar o b-a-bá da cartilha foi livre e gratuito, como a galinha carijó no ninho, como as belas margaridas do jardinzinho à frente da casa. Cada coisa, entre nós e sob a estrita observação de minha mãe, tinha nesse tempo o seu próprio direito de existir. Por isso, o mundo era muito amplo e muito seguro para mim e meus irmãos.
                 O tempo também não existia; ou era uma espécie de dança de todas as coisas.  E quando as pessoas dançavam, não deixavam de ser elas mesmas. Quando o teto vinha ao meu encontro, oscilando, crescendo, também não deixava de ser teto. O tempo era a regra de um brinquedo enorme; fazia meu pai sair e depois fazia-o voltar. Aliás, o mais certo é dizer que a regra vinha de meu próprio pai. Tudo era arbitrário, e por isso mesmo havia uma enorme segurança em volta de mim e de meus dois irmãos: porque os árbitros eram pai e mãe.
                Eu poderia ter aprendido com melhor método, ter economizado alguns dias na leitura daquela frase: "O viúvo viu a ave" , ou ter aprendido uma frase mais clara; mas o certo é que não ficaria sabendo que cada coisa tem seu nome. Tempo para brincar; tempo de estudar; tempo para comer. E tempo para rezar. Tempo, esse, do qual nunca esqueço:
               - "Vamos, moleque, vamos rezar. Bicho é que dorme sem rezar. Pai nosso..."
               Olhei o céu e vi umas nuvens que pareciam algodão. Eram branquinhas, branquinhas. Com certeza era atrás daquelas nuvens que morava o Pai do Céu, de que tanto me falavam.
               Saudades de minha infância feliz, na pequenina cidade de Caldas, no sul de Minas Gerais! Tempos felizes, sem pecado, sem Dilma Roussef, sem Lula, sem inflação, sem toda essa corrupção escancarada, que torna o Brasil uma terra sem lei e comandada por travestis de fancaria!...

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Aroldo Teixeira de Almeida é professor aposentado de Português e Francês, do Quadro Próprio do Magistério Paranaense.

              
   
       
           
            
      

domingo, 1 de maio de 2016

Saudades de minha filha Raquel


             Hoje, domingo, primeiro de maio, dia do Senhor, como faço todos os dias, rezei, na "Liturgia das Horas", o ofício dos mortos, por minha querida Raquel, minha inesquecível filha, sem esquecer outro morto querido, meu filho Júlio, num até hoje  mal explicado suicídio.
            Morreu moça a minha idolatrada Raquel. Com apenas 43 anos. De câncer, essa doença insidiosa, que os médicos ainda não conseguiram debelar totalmente.
            Minha filha Raquel. 43 anos, apenas metade de uma vida. O câncer a levou.  Maldita seja essa doença, assassina de gente nova e inocente.
             Nessas horas, relembrando a angústia de minha filha, nas vascas da morte, eu cometo o horrível pecado da blasfêmia, pedindo perdão a Deus, mas não consigo aceitar o sofrimento e a morte dos inocentes. Dizem-me os padres da paróquia que o mais inocente de todos, o Cristo Jesus, morreu pregado numa cruz. Confesso que, nos meus momentos de dor, essa realidade fala muito pouco à minha alma. É verdade que Jesus teve uma morte terrível. Na Sua humanidade, Ele morreu. Mas Ele era Deus, tinha a divindade ao Seu dispor, portanto Sua morte de maneira nenhuma pode ser comparável à nossa, à morte de minha querida filha Raquel que, na sua terrível agonia, com o cérebro invadido pelo câncer, ainda tinha a coragem de rezar: - Seja feita a vontade de Deus!"
             E eu blasfemava comigo mesmo: Se Deus é Pai, como nos dizem os pregadores, como pode permitir que uma filha Sua, a Raquel, jovem e inocente, alheia aos pecados deste mundo, sofresse tanto, gritasse de dor num leito de hospital, mas se mantivesse firme na sua crença e esperança em Deus?
              Minha filha morreu nova. 43 anos. Metade de uma vida normal. Metade da vida que tenho hoje. Mas, na sua dolorosa agonia, se mantinha firme na Fé, que nós lhe ensinamos desde a sua mais tenra infância. Pediu a assistência de um sacerdote. Chamei o padre. Um antigo colega de seminário, do tempo em que eu ainda mantinha a veleidade de também ser padre, mas as contingência da vida me fizeram sair do seminário, namorar, casar, gerar minha filha Raquel, e hoje chorar a sua partida prematura para a Casa do Pai de todos os pais.
              Veio o padre, meu antigo colega de seminário.. Subiu até ao quarto do hospital, o Erasto Gaertner, tirando de seus hábitos de frade franciscano um pedacinho de pão.
               E foi assim que o Corpo de Deus entrou de novo em minha vida, e que me deu a graça de assistir pela primeira vez ao milagre de uma boa morte. Porque minha filha, ao ver o padre entrando no quarto, ela sorriu no seu último dia!
               Minha querida filha Raquel, aí no Céu, onde você está, cuida bem de tua filha Isabela, faça com que ela seja uma menina ajuizada como Você foi, e cuida de teus velhos pais, que aqui nesta terra de provações, esperam confiantes na misericórdia de Deus; e que, talvez muito em breve, aí também estejamos nós, tua mãe e eu, na presença de Deus que enxuga todas as nossas lágrimas.
               Descansa na paz do Senhor, Raquel. Eu, egoísta que sou, quisera que você estivesse ainda entre nós, vivificando-nos com a tua radiante juventude!
               Mas Deus, o Senhor de nossas vidas, não quis assim. Louvado seja Deus!