Volto ao tema, porque ele me parece importantíssimo em nossa peregrinação pelos caminhos muitas vezes tortuosos e espinhentos da vida.
Em Português, a palavra "mundo" comporta uma grande variedade de sentidos. Na cristandade da Idade Média e em épocas posteriores o conceito de "mundo" era religioso, além de que parecia algo que devia ser rejeitado e esquecido pelo crente.
Para isto era sempre lembrada a primeira carta de João (2, 15-17) na qual eram os cristãos exortados:
- "Não ameis o mundo nem as coisas do mundo. Quem ama o mundo, não está nele o amor do Pai, porque todas as coisas do mundo, tais como a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e o fausto da vida não vêm do Pai, mas do mundo. E quem faz a vontade do Pai permanece eternamente."
É muito clara esta advertência, não deixando margem a nenhuma dúvida porque, neste caso concreto, "mundo" é o reino do egoísmo e do pecado. O mundo, assim considerado, "não pode receber o Espírito Santo" (Jo 14,7), porque a paz de Cristo não é um dom semelhante aos dons deste mundo. Com certeza, "mundo", neste sentido, deve ser tomado como uma "criação má", algo puramente material oposto por sua natureza ao mundo espiritual.
Infelizmente, esta interpretação derivada do maniqueísmo e do agnosticismo nos foi imposta durante muito tempo no decorrer da História, como uma visão "tenebrosa" do mundo, carente da luz de Cristo e oposta à vontade de Deus.
Entretanto, o mundo material, porque criado por Deus, no rigor do termo não pode ser "tenebroso", e nem por sua natureza se opõe a Deus. As trevas do mundo não estão no seu aspecto
material, mas unicamente no pecado de homem e mulher, que rejeitaram o amor de Deus, muitas vezes sob o pretexto de uma religiosidade mal compreendida. Neste sentido, o mundo "tenebroso" não passa de um mundo sem amor, distante de Cristo, um mundo formado por pessoas enrodilhadas sobre si mesmas, egoístas e sem calor humano.
Tradicionalmente, a oposição cristã ao "mundo" é uma oposição de fundo teológico, enquanto rejeita o mundo na medida em que confina a liberdade de homem e mulher numa escravidão a preconceitos e paixões, sumariamente descritos pelo apóstolo Paulo na sua Carta aos Romanos (1, 18-32).
Creio que há, sem dúvida nenhuma, o lado positivo deste quadro. Se o cristão deve permanecer "no mundo", mas não ser "do mundo" (Jo 15, 18-19; 17,11), deve entretanto permanecer no mundo como testemunho e manifestação de Cristo, que é a "luz do mundo" (Jo 8,12) e que por Sua morte e ressurreição expulsa dele o mal e atrai homens e mulheres para Si, para um mundo novo, mundo este vivido pelo cristão, no qual não há mais lugar para o mal, o ódio, a ganância, o egoísmo, a mentira, a frustração e o desespero; mas que, muito mais que isso, tem como seu trabalho
central e mais íntimo a realização das promessas salvíficas de Deus, no Reinado de Cristo e na Sua obra de redenção.
A Fé cristã, ao confessar esta verdade, esta presença redentora de Cristo num mundo de pecado, e por isso mesmo pecador, assume a chave do sentido pleno de homem e de mulher, do mundo e da história, inclusive de todas as injustiça e desumanidades, que corroem a profundamente a vida humana.
Precisamente porque a Fé não se baseia na evidência clara, externa e científica, mas na fidelidade ao Deus das promessas bíblicas, ela exige de nós um compromisso pessoal com a pessoa de Cristo, que ama o mundo e sua História, que redimiu homem e mulher, e que sustém a vida, o mundo e seu destino em Suas próprias mãos benéficas e benfazejas.
E esta é a esperança que nos anima a caminharmos sem descanso, apesar de todos os pesares e percalços trazidos pelos nossos pecados, em busca deste Reino que nunca terá fim: o reinado de nosso Deus e redentor, Jesus Cristo, o Filho de Maria. Amém.
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