terça-feira, 25 de junho de 2013

O EVANGELHO SE PREGA É COM A VIDA...


               Nos meus tempos de teologia, na Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo, nos sábados e domingos três colegas e eu fazíamos estágio numa das maiores favelas da região, a Favela da Vila Prudente.
             Certo domingo foi conosco o Padre Araújo, nosso professor de Teologia Sistemática, orientador nos trabalhos de catequese, e que, em tempos anteriores, tinha sido pároco na paróquia que sediava a favela. 
               Ficamos bastante felizes vendo que os pobres favelados conheciam pelo nome e saudavam com carinho o Padre que nos acompanhava. Quando lhe participamos o nosso contentamento pela acolhida que lhe foi dispensada, ele comentou, com humildade e inteligência:
             - "Contentamento Vocês deveriam ter, não porque eles sabem meu nome e me conhecem. Contentamento vocês deveriam ter se eu soubesse o nome de todos os meus Pobres e conhecesse a história de vida de cada um deles..."
               Mas logo sentimos que o Padre Araújo conhecia casa a casa, e conhecia muito mais os problemas de cada Família, e sem demora já estava estimulando cada Família e a Comunidade toda a enfrentarem com coragem e a ajuda de Deus os inúmeros problemas de cada um, e da Favela como um todo...
              - "Ali, naquele barraco, mora o Zequinha. Tem cinquenta e dois anos. Dizem que é por causa da idade que ele não arranja mais emprego, apesar de ter saúde e ser forte. Mas ele se vira,  com sua carrocinha de catar papéis, papelão e garrafas vazias aí pelas  ruas e praças da cidade. Ele costuma dizer que, com esse trabalho humilde, nunca faltou comida prá sua família, já numerosa..."
                O Padre nos disse ainda que por ali costuma haver feira nos finais de semana, o Zequinha aparece, faz os seus biscates, carrega peso, dá uma ajuda aos feirantes, e volta sempre para casa com algumas coisas de comer para a esposa doente, para a mãe, velhinha que mora com eles, e para uma filha abandonada pelo marido, com três filhos menores...
              - "Naquele outro barraco, ali na beira do corgo, mora a Mãe Zulmira. Dizem que foi parteira durante quarenta e cinco anos, e que   "aparou" muitas crianças, que hoje é gente grande. A coitada está entrevada e cega. Mas dá gosto ver como não falta nada à Mãe Zulmira. E não são só as mães melhores de vida cujos filhos ela aparou na hora de nascer. São as mães pobres que foram acudidas por ela na hora do parto..."
               Ele nos explicou que seis mães que moram há muito tempo na favela se revezam, e do pouco que têm não há perigo de se esquecerem de Mãe Zulmira...
               -"Quando ela sai do barraco, com sua bengalinha de cega - e ela conhece todos os cantos da favela - é um consolo ver como é bom ser bom, como é bom ser bom..."
               O Padre Araújo conhecia mesmo muito bem os seus paroquianos favelados. E completava:
            - "Ali naquele mocambo meio caindo mora Dona Francisca, uma esposa sofredora. O marido chega bêbado pelo menos duas vezes por semana. Aí a vizinhança não pode dormir com o barulho que ele faz batendo na mulher, quase matando os filhos de tanta pancada..."
            E assim o meu saudoso professor de Teologia Sistemática - que nasceu longe, lá pelo norte do Brasil - conhece sua pobre Paróquia palmo a palmo, pessoa por pessoa...
             Digo hoje, meio brincando, e muito de verdade, que naquele lugar até os cachorros o conhecem, e quando ele passa e eles latem, parece que, com seus latidos, o estão chamando pelo nome...
             Como te entregas a todos, meu querido ex-professor Padre Araújo! Tu te davas a todos, depois de teus alunos: pobre ou rico, ninguém batia em vão à tua porta. Mas, como Cristo vindo para todos, foi morar com pescadores e não tinha sequer uma pedra, como dizem os Evangelhos, onde repousar a cabeça, também tu vieste morar com os pobres mais pobres de tua Paróquia. Quando a água do rio transborda,  e chega pela madrugada, tu a esperas. como tua gente a espera. E vais com tua lata apanhar tua água , como todo mundo faz no teu bairro. E ainda andas a carregar as latas de pessoas idosas e das senhoras grávidas...
           Já ouvi as más línguas da região dizer que fazes tudo isso por demagogia... Demagogia que atravessa meses e dura anos?
           Compreendeste o sinal dos tempos, te abriste para os novos tempos, que exigem novas atitudes. E tu bem sabes que a Boa Nova, o Evangelho do Senhor Jesus, tem que ser pregado com o exemplo de cada dia, com a própria vida ser for necessário, antes de ser proclamado com palavras que o vento leva!...
                               
        

               
                
                
               

domingo, 23 de junho de 2013

A VOZ DOS SINOS


          Nesta noite fria de sábado quando,  por assim dizer, estou quase congelado debaixo de três cobertores antes de cair nos braços de Morfeu, o deus mitológico do sono, decidi que só deixaria o gostoso conforto de minha cama ali pelas dez horas da manhã de domingo, véspera de São João!
         Ledo engano! Por morar perto da igreja da paróquia, fui acordado pelo badalar dos sinos, convidando os fiéis para a Missa. Olhei para o relógio; seis horas da manhã. Para mim, bastante sonolento, seis horas me pareciam ainda alta madrugada, por isso resolvi dormir mais um pouco. O fato é que a barulheira dos sinos me impediu de fechar os olhos, e o remédio foi deixar a cama e partir para a água quente do chuveiro.  
             Sinos! Vai ficando cada vez mais raro, nas grandes cidades, ouvir sino bater. Menos em Curitiba, ou melhor, aqui no bairro onde moro, cuja igreja paroquial me parece ter uma dúzia de sinos dos mais variados sons e tamanhos!...  
            Muita gente gosta da voz dos sinos. Em cidades pequenas, o sino costuma tocar o "Ângelus" às seis horas da manhã, ao meio-dia, às seis horas da tarde. E a gente, católica, parava para saudar Nossa Senhora e agradecer o mistério da Encarnação do Verbo, Jesus Cristo.
           O sino também tocava, durante as Missas solenes, na elevação da Hóstia consagrada e na elevação do Cálice. Lembro-me de quando morava no interior do Estado: o sino tocava até para avisar incêndio ou perigo de inundação, no dia de chuvas bravas!
         O engraçado é que sempre me pareceu que cada sino, naquilo que se chama carrilhão, tem mesmo um som inconfundível, e o melhor é que de fato o conjunto possui harmonia e agrada os ouvidos mais exigentes.
        Sineiro das almas! Feliz de quem sabe obter de cada criatura o melhor som de que ela é capaz.
        Cada qual de nós tem suas harmonias secretas. Às vezes, existem pessoas que dão a impressão de não possuírem nenhum som harmonioso a desprender. Há pessoas que, ao se saberem comparadas a sinos barulhentos, seriam as primeiras a responder:
       - "Só se for sino rachado, porque nenhuma sombra de harmonia existe em mim!..."
     Pessoas assim nos deveriam fazer meditar conosco mesmos:  - "Por que meus sinos interiores estão emudecidos?"
      Esta foi a pergunta que me fez o saudoso Arcebispo Dom Hélder Câmara, em seu livro que estou lendo, "Um olhar sobre a Cidade". E ele mesmo responde:
     - "Todos nós temos nossos sinos interiores... Em horas de alegria, eles repicam festivos. E dobram, tristes, em horas de sofrimento e de dor!"
     E eu também aproveito o ensejo para perguntar ao meu próprio coração:
    - "Por que há tanto tempo que não escuto meus sinos interiores? Eles desaprenderam de tocar seus repiques festivos? Por que deixaram eles de tocar?...  Seria por causa dos desenganos da vida?"
  Assim como são inconfundíveis as impressões digitais,  em rigor são inconfundíveis também nossas harmonias íntimas, nossos sinos interiores...
    E eu, refletindo nesta verdade, decido comigo mesmo:
   - "Espero nunca deixar que emudeçam meus sinos da alma! Que eu descubra sempre pessoas amigas cujos sinos interiores se somem, se completem e se harmonizem com os meus, para cantarmos louvores ao Senhor e Pai de todos nós!"

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         SAUDADES DE MINHA FILHA RAQUEL, FALECIDA EM 21 DE AGOSTO DE 2O10.

                                              Se eu pudesse
                                              na hora mais dolorosa
                                              do sepultamento de minha filha Raquel
                                              quando a sua urna funerária
                                              era colocada túmulo a dentro
                                              eu faria com que voasse
                                              sobre as cabeças dos presentes
                                              uma revoada de andorinhas
                                              lembrando
                                              a sua ressurreição NA morte
                                              como é a Fé que me anima
                                              e me mantém ainda vivo
                                              até os dias de hoje...
                                              Oh! como seria bom
                                              Se eu pudesse!...

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sexta-feira, 21 de junho de 2013

ÓCULOS MULTIFOCAIS



          77  anos bem vividos, mas problemas de visão sempre me atanazando, principalmente nas minhas leituras, já que sou leitor fanático, tendo escolhido os livros como meus companheiros constantes no dia-a-dia de minha vida de velhote aposentado.
            É verdade que conto com a assistência de um ótimo oftalmologista, o doutor Ezequiel Portela, cujo consultório já se acostumou com  as minhas visitas constantes. Diante de meus problemas, o doutor Portela me prescreveu na última consulta o uso permanente de óculos bifocais.
            Sabe Você, eventual e generoso leitor deste meu blog, o que são óculos bifocais?
           São óculos que, na metade das lentes, a de baixo, permitem ver perto e, na outra metade, a de cima, permitem ver longe. Nem todos se acostumam com os bifocais. Mesmo quem acaba se acostumando, como é o meu caso, é obrigado a passar por uma fase de aprendizagem.
           Se a necessidade de usar óculos bifocais para muitos é uma espécie de mal, para mim considero um ganho possuir olhos bifocais. Olhos que me permitem ver perto e ver longe.
           Olhos que vejam o que me rodeia - os irmãos que encontro no caminho; o meu dia-a-dia, como já disse linhas acima, de velhote aposentado, cujo único passatempo é ler e cuidar da neta adolescente, a Isabela; contemplar a Natureza criada pelo Pai de todos os pais; todo o complemento de trabalho, que vem do Homem e da Mulher, escolhidos por Deus para ajudá-Lo a dominar a Natureza e completar a obra da Criação...
           Olhos que me permitem a Graça enorme de ver para além do tempo, a Eternidade, que começa aqui e agora. Olhos que vejam, para além do visível, o invisível. Por exemplo, Deus, dentro de Quem eu vivo, nEle continuamente mergulhado...
           Quando digo ver o invisível, isto não quer dizer que vejo a Deus como eu vejo minha mão digitando este texto, ou aquela jovem que passa ali na calçada, ou aquela árvore defronte de minha janela. 
            Ver o invisível, no meu conceito, consiste em lembrar-me dEle, em contar com Ele, como se O visse com os meus olhos. A verdade é que a gente pode ver pelo pensamento e sobretudo pelo coração.
         O coração me permite ter olhos não apenas bifocais. O coração me consente que eu tenha olhos multifocais. A rigor, posso contemplar o passado, o presente e o futuro.
            Posso ou não contemplar a Criação desde o início do Mundo? O surgimento das águas, a formação dos oceanos, o aparecimento dos peixes em nossos rios. O surgimento da Terra, a eclosão das plantas, com suas flores e seus frutos benfazejos. O surgimento das aves e dos animais. O surgimento especial, e por assim dizer, milagroso, do  Homem e da Mulher, que chegam  meio tontos com tanto poder e tanta responsabilidade que Deus colocou em suas mãos.
           O coração me permite possuir olhos que divisem o que se passa na Terra inteira... O que se passa de acontecimentos felizes ou de calamidades em toda a extensão da Terra, ajudado pela TV, pelo rádio, pela imprensa... Meus olhos, iluminados pelo coração, completam, aprofundam, abrangem, assimilam...
          Meu coração permite que meus olhos divisem o que se passa pelo espaço afora, para além, muito além da Terra, para os mundos interplanetários... Vejo e testemunho isto, sobretudo por ocasião dos já frequentes vôos espaciais, que sigo a distância...
            E muitíssimo mais: meu coração, iluminado pela Fé, me permite entrever a Eternidade feliz na Casa do Pai de todos os pais, que um dia será também minha Morada!
            Se Você, amável leitor, quando ou se for obrigado a usar óculos bifocais, lembre-se de que Deus, na Sua bondade e previdência, nunca Se esquece de nos dar olhos multifocais!...


quarta-feira, 19 de junho de 2013

SÃO JOÃO, O SANTO DO POVO!


          Neste mês de junho, celebramos a festa de São João, tanto nas cerimônias litúrgicas das igrejas, quanto em quase todos os bairros de nossas cidades. Toda noite, brilharão fogueiras por todo canto. Quadrilhas alegrarão adultos, jovens e crianças. Batata-doce, amendoim, pipoca, quentão, aquecerão os ânimos, e serão vigoroso estimulante para esquentar o fervor dos festeiros...
         Apesar de perigosos, e quase sempre proibidos, multicoloridos balões vão aparecer e brilhar nos céus. Gente humilde, que puder, vai comer seu milhinho assado ou até, quem sabe, a sua canjica bem cozida e doce, temperada com cravo e canela...
          Não faltará arrasta-pé e, em lugares mais agarrados às tradições populares, não faltará adivinhação que diga se há ou não pista de casamento no destino das mocinhas doidas prá casar...
          Agora, falando sério - como aprendiz de teólogo que sou -  quando conseguiremos partir da devoção popular por São João, para dar à nossa Gente uma  visão mais exata e mais rica de São João, o Batista?
          Ele teve a glória - atestam-nos os Evangelhos - de ser mandado para preparar os caminhos de Cristo. Cumpriu à risca a sua missão.
        Conseguiu um prestígio imenso entre a população de Israel. Vinham multidões de longe receber seu batismo nas águas do bíblico Rio Jordão. Ele falava duro. Não brincava em serviço. Condenava os erros do povo. Clamava para que se preparassem os caminhos do Senhor.
       Quanto mais forte era sua pregação, mais gente chegava para ouvi-lo. Era respeitado e seguido porque, antes de pregar com palavras, pregava com o exemplo, com a vida.
       Quando Cristo apareceu às margens do Jordão, pedindo o batismo, o Espírito de Deus iluminou o Batista, revelando-lhe que ele estava diante do Messias, a quem viera anunciar...
          E ele não vacilou um instante em dizer: - "Eis o Cordeiro de Deus! Eis o Messias! Eu não sou digno nem de desamarrar as correias de suas sandálias"...
          A partir daí, sentiu que a missão de preparador dos caminhos estava terminada. Chegou Aquele cujos caminhos ele viera preparar. E mandou que os seus melhores discípulos o largassem para seguir o Messias.
        Foi muito despreendimento seu! Ele tinha discípulos, como Simão, a quem Jesus preferiu chamar de Pedro. Tinha discípulos como João, que se tornou o discípulo amado de Cristo: São João Evangelista.
        Mais uma vez, falando como aprendiz de teólogo: quando conseguiremos partir da devoção popular por São João Batista, para ensinar a nossa Gente que a nossa missão é como a do Batista: de preparar os caminhos para Cristo?...
        Mais do que nunca, todo Cristão deve ser missionário, apóstolo, e anunciar o Salvador, principalmente com o exemplo, e com a vida de todo dia!
        Quando na noite de São João virmos fogueiras sem conta ardendo em louvor do grande santo popular, quando ouvirmos o espoucar de fogos e contemplarmos balões fugindo céu afora, peçamos a Deus a Graça de imitar João Batista preparando os caminhos do Senhor, ajudando irmãos nossos a encontrar Jesus Cristo, o nosso Redentor!


   

             
      
      
        
           

domingo, 16 de junho de 2013

GESTOS QUE DESPERTAM...


          Há gestos que despertam, que levam a refletir, que marcam a nossa vida.
          Há gestos que valem como um programa de vida: erguer um candeeiro para que um visitante não perca o equilíbrio na escada, para afastar as trevas, difundir a luz, mostrar o caminho...
          É, também, muito belo o gesto de acender um lampião, ou uma vela, ou simplesmente acender  o fogo, (não o fogo de incêndios, mas o fogo humilde e bom que vai cozinhar nossos alimentos).
         O gesto de regar nossas plantas no jardim é também muito salutar e expressivo. Isto me leva, também, a considerar como é necessário difundir o gesto de lembrar aos Amigos, de modo especial, aos Namorados, aos Noivos e aos Esposos, que o amor é plantinha tenra e frágil, que precisa ser regada sempre...
       Subir e descer! Que é que têm estes gestos, de importante? Na minha modesta opinião, trata-se de dois gestos que me levam a pensar, e de modo muito simples, que são profundamente humanos: Subir, sem entontecer; sem julgar-se acima dos outros, nem melhor do que ninguém... Se descer, recordar sempre da grande e definitiva Descida, a do Senhor Jesus Cristo, que desceu até a planície do ser humano, para fazê-lo subir até às alturas de Deus!
        Mas descer, que seja de coração alegre e leve, para ficar mais perto dos Pequenos e Humildes, descer a serviço dos pobres, dos desamparados, dos que sofrem no seu corpo e principalmente na sua alma!
       Você, meu cordial leitor deste blog, quer gesto mais expressivos do que estes? - despertar de manhã cedo, abrir os olhos para o mundo, vê-los encherem-se de luz - é o início de um novo dia, lembrança viva daquele dia primordial, do início da Criação...
      O gesto de adormecer, de dormir, de perder contato com a vida consciente, mergulhar no torpor do sono: lembrança perfeita da morte, meditação oportuna, como me diz Dom Hélder Câmara, sobre "o grande sono do qual me despertarei apenas no dia glorioso da Ressurreição..."
       Para que gesto mais expressivo do que caminhar, aliás, o gesto mais apreciado por mim nas minhas manhãs de velhote aposentado? E, principalmente, lembrando-me de caminhar progredindo na compreensão, na Fé, na Esperança, no Amor a Deus e ao Próximo!
       Outro gesto maravilhoso, o de abraçar. Sempre achei que abraçar é um gesto muito lindo. Abraçar é o contrário de separar. Abraçar é unir, neste nosso mundo em que há tantos desencontros, tanta desunião: entre Esposos, entre Pais e Filhos, entre Irmãos, entre Vizinhos, entre Patrões e Empregados, entre Países, entre os Mundos...
       Outro gesto, que minha família, muitas vezes, acha que há exagero de minha parte: o gesto de Ler. Eu me defendo, mostrando que não leio só as letras, as sílabas, as palavras e as frases: gosto de ler a Natureza. Gosto de aprender a entendê-la. Saber interpretá-la. Descobrir o Criador de todas as coisas, através de Suas criaturas!
        E voar? Este gesto foi sempre um sonho para a Humanidade. Sonho hoje em plena realização. Homem e mulher já não se contentam em voar de cidade a cidade, de país a país, de continente a continente: partiu para os mais distantes planetas, através dos vôos espaciais...
     Para Você, leitor deste meu blog, e para mim, que somos cristãos, quando começamos a refletir no simbolismo de cada atitude e de cada gesto, notamos que o Universo inteiro vira um grande Sacramento, no sentido de algo visível, de tangível, de audível, que nos leva até ao Criador e Pai de todos os pais.
       E não é verdade que cada gesto é capaz de possuir uma quinta dimensão? Capaz de  levar-nos  além do espaço e do tempo, de chegar até Deus, e mergulhar-nos na Eternidade?...
        
   

sexta-feira, 14 de junho de 2013

UM APÓLOGO: AS FORMIGUINHAS E EU...


         Estive no centro, mais precisamente na Rua Voluntários da Pátria, em visita a livrarias, minha ocupação favorita quando ando por lá.
          Na volta, fui à Praça Osório, para pegar o ônibus em direção ao meu bairro. Por mal dos meus mil e um pecados, o ônibus estava lotadíssimo. Empurra daqui, empurra dali, consegui encontrar um lugarzinho onde pude ficar, em pé, agarrado a qualquer coisa para me equilibrar diante dos movimentos bruscos do coletivo.
          Após rodarmos um pouco, chamou-me a atenção uma menina, de seus oito ou nove anos, segurando, com o maior cuidado, um pedacinho de pau. Uma senhora, curiosa como todas as mulheres, não se conteve e perguntou à garota por que tanto cuidado com aquele pauzinho de nada.
           A menina explicou:
         - "Estou trazendo aqui, neste pau, uma formiguinha muito amiga. É o primeiro passeio de ônibus que ela dá."
          Será que Você, leitor deste indigesto blog, consegue entender quanto havia de poético e de humano, no gesto da garotinha?
         Fiquei de olho nela. Quando ela desceu do ônibus, eu saltei também. Pressenti que com ela eu poderia conversar. Expliquei-lhe que eu também gosto das formiguinhas. Aproveitei para contar-lhe um desencontro e um desentendimento que houve entre mim e as formiguinhas que moravam num formigueiro no canteiro de flores no pequeno jardim de minha casa.
         Uma noite, as formiguinhas devoraram  a roseira cultivada com tanto cuidado por minha mulher. No dia seguinte, apanhei Soninha - (este é o nome que dei a ela...) - uma formiguinha ruiva, e das mais inteligentes que encontrei na vida. Não a segurei com raiva, porque São Francisco, amigo de todos os animais e insetos, me protege muito contra a raiva. 
          Mas peguei o bichinho com certa firmeza. As perninhas dela tremiam, e o coraçãozinho só faltava sair boca a fora, de tanto bater.
       Então eu lhe perguntei por que elas tinham atacado nessa noite passada a roseira do jardim... E ela prontamente me respondeu, na sua vozinha quase inaudível:
          - "O senhor pensa que é só o senhor que gosta de rosas"?...
          Confesso que fiquei meio sem jeito, mas ainda comentei: 
          - "Bonita maneira de gostar: comendo!..."
          Soninha me matou de vergonha, perguntando:
          - "Não é o que o senhor faz na Comunhão?"
          Pedi mil desculpas e a soltei, com todo cuidado, bem pertinho do chão.
         Durante três dias as formigas todas do formigueiro ficaram de cara amarrada quando me viam. Não me aguentei: chamei Soninha, pedi-lhe que me ajudasse. E ensinei a todo o formigueiro, com Soninha como intérprete, a só cheirar o perfume das rosas, em lugar de comê-las. Expliquei a elas que beijo é muito bom, e elas poderiam muito bem dali em diante trocar beijos com as rosas do pequeno jardim...
          Convidei a garotinha, que levou a formiguinha a passear de ônibus, a ir, em noite de lua cheia, à minha casa - e lá, no jardim, ela encontraria as formiguinhas todas, roseira acima, cheirando as rosas...
          A garotinha não fez como gente grande: nem se espantou, nem duvidou. Achou lindo! me disse.
       Então eu lhe contei que encontrei, um dia, Claudinha, uma formiguinha ainda nova, arrastando uma perninha. Estávamos no jardim de casa. Pedi licença a ela, virei-a de cabeça para baixo para ver melhor o que havia na perninha dela.
         Claudinha, pela primeira vez, viu o céu, porque formiga faz como a gente: anda, anda, anda sem parar, corre, corre, corre, que nem  tem tempo de olhar para o alto e contemplar o céu!...
      Assim, vendo pela primeira vez o azul do céu, Claudinha ficou de boquinha aberta, de surpresa, de admiração! Pressenti que não adiantava eu fazer perguntas sobre sua perna ferida... Nem me escutava, olhando o céu...
      Dias depois, encontrando a garotinha que entrou no ônibus carregando em um pedaço de pau a sua formiguinha, eu lhe disse:
       - "Se algum dia, em noite de luar, Você passar perto do jardim de minha casa, se arrisca a encontrar as formiguinhas, de cabeça encostada na grama, estateladas de alegria, contemplando a lua!..."
         Gente grande! Gente ilustre, que me lê! Perdoem-me se causei decepção e espanto, esquecendo as pessoas grandes, para conversar, um instante, com as formigas, com os pequenos deste nosso mundo! Por acaso não foi o Senhor Jesus quem disse que não entra no Céu quem não se fizer pequeno como as crianças?





  

        

terça-feira, 11 de junho de 2013

O GRANDE SILÊNCIO



          Um poema de Dom Hélder Câmara, Arcebispo de Olinda e Recife, falecido em 28/08/1989:

                            No silêncio das árvores
                            ainda há o agitar dos ramos movidos pelo vento...
                            No silêncio das águas
                            ainda há o marulho das vagas
                            ou o cantar da correnteza
                            atravessando as pedras...
                                              No silêncio dos céus
                                              ainda há
                                              o palpitar das estrelas
                                              carregado de mensagens.
                                                            Aprende que não basta falar 
                                                            para atingires o silêncio...
                                                                             Enquanto os cuidados te agitam
                                                                             ainda não penetraste
                                                                             na área do grande silêncio.
                                                                                              E aí, somente aí,
                                                                                              é que se escuta
                                                                                              a voz poderosa de Deus!...
                                                           
                                                             *******************

          "Ainda não penetraste na área do grande silêncio - aí, somente aí, se escuta a voz de Deus!"

          Será tão difícil assim, penetrar na área do grande silêncio?...
          Não basta ficar de boca fechada. Não basta não falar. Quantas vezes os maiores tumultos dentro de nós acontecem em horas em que estamos de lábios cerrados, de coração sem palavras!
          Se é mesmo verdade que o preço para atingir a área do grande silêncio é conseguir que os cuidados do dia-a-dia, as preocupações, os problemas não mais nos agitem, não haverá porventura o perigo de o grande silêncio só ser atingido por aqueles que se desligam dos problemas dos irmãos, que vêem como se não vissem, e ouvem como se nada escutassem?...
          Tentemos refletir, com a Graça de Deus:
          Uma coisa é ocupar-nos, e outra bem diferente é preocupar-nos.
       Preocupar-se, no meu dicionário particular, é ocupar-se antes do tempo, afobar-se, perder a serenidade e a calma...
          Lendo outro dia os "Exercícios" de Santo Inácio de Loiola, fundador dos jesuítas, encontrei ali uma regra muito sábia  -  "tentar tudo, como se tudo dependesse só de nós... Depois, cair de joelhos, entregar-nos de olhos fechados nas mãos de Deus, como se dEle e apenas dEle dependesse a solução de tudo..."
         Seria errado não tentar, não fazer esforço, não nos virar pelo avesso, pela busca da solução... Mas, na minha nem sempre correta opinião, acho erradíssima a atitude de, após tentar de tudo, esquecer de entregar-se, cheio de confiança e de esperança, nas mãos salutares de Deus.
          Um salmo bíblico vive a nos convidar: - "Entrega ao Senhor os teus cuidados". É muito claro para mim que só tem o direito de tudo entregar aos abismos da misericórdia do Coração de Cristo, quem fez o possível, chegando mesmo até a uma pontinha do impossível...
         Mas também, é bom reconhecer, depois de termos tentado tudo que estava ao nosso alcance, não é uma delícia fechar os olhos, e pular no escuro?...
        Quando as palavras somem, quando nossas preocupações adormecem, quando nos entregamos, de verdade, nas mãos de Deus, o grande silêncio nos mergulha na paz, na confiança, na alegria de sabermos que temos um Pai melhor infinitamente que todos os pais deste mundo!
           É aí então que a voz de Deus se faz ouvir, vibrante, dentro do grande silêncio!







domingo, 9 de junho de 2013

CORAÇÕES DE PEDRA, CORAÇÕES DE CARNE


          Ontem, sábado, deixei meu bairro, o Tingui, e fui ao centro, mais precisamente à Voluntários da Pátria, onde estão as livrarias que gosto de visitar. Desta vez fui à Livraria Paulinas, e ali, vistoriando estante por estante, consegui encontrar o livro que há muito andava desejando adquirir: aquele que traz a entrevista do Papa Bento XVI com o jornalista Peter Seewald. E aproveitei também a oportunidade, e comprei o CD "Pavarotti Forever...", alimentando uma de minhas fraquezas, que é a música italiana...
            Caminhando ali  pela Rua XV de Novembro, os seus grandes edifícios de cimento armado me pareciam frios, sem alma, distantes... Durante o dia, quando o movimento é mais intenso e a luz do sol mais ardente, os monstros de pedra e argamassa me parecem muito mais amedrontadores!
          Mas é curioso: quando o sol, no seu giro, se esconde entre as nuvens, os arranha-céus conseguem perder qualquer sombra de agressividade; seus ângulos se amaciam e os blocos gigantescos dão a impressão de recolher-se e de, quem sabe, rezar!?...
            Isto me fez pensar que é duro também lidar com criaturas que me parecem feitas de cimento armado, angulosas e difíceis. Entretanto não me esqueci de que os próprios monstros de tijolos e concreto não resistem de certo modo à magia do entardecer... Quase chegam a parecer humanos, voltados para a imensidão dos céus!
           Aí me passou pela cabeça, criatura humana que sou, que nenhum homem ou mulher deste nosso mundo é feito de tijolos, de cimento, ou de mármore... Não há ninguém, por mais duro que seja, que não ofereça brechas em suas fortalezas de eventual agressividade...
            Nos meus tempos de moradia no interior do Estado, mais precisamente na pequena e acolhedora cidade de Barbosa Ferraz, tive como vizinho um velhote durão, que adorava dizer NÃO a todos quantos lhe pediam qualquer coisa, mas que se desarmava inteiramente, nunca cheguei a descobrir a razão, quando lhe batia à porta um cego ou uma cega, conduzidos por um molecote.
          Conheci outro homem, também durão, que não podia ver uma mulher grávida, sem se comover profundamente. Isto me convenceu definitivamente de que todos nós somos de carne e osso. Mesmo que alguns nos pareçam ter coração de pedra, a grande maioria dos mortais, pela Graça de Deus, possuem um coração de carne, como disse o texto bíblico, afirmando que nos seria tirado o coração de pedra, e no seu lugar Deus nos colocaria um coração de carne. Este é o fato que nos anima e nos enche de gratidão.
            Por mais que os percalços da vida nos vão tornando por assim dizer insensíveis, por mais que nosso coração vá enrijecendo, há sempre algum acontecimento que faz acordar recordações que pareciam mortas; haverá sempre um gesto, um sorriso, um toque de mãos, enfim, que nos apanha de surpresa, mesmo os que são mais durões...
         Quem imagina não ligar a mínima para o nascer do dia ou para o pôr do sol, lá uma vez ou outra se defronta com entardecer diferente: destes que o gênio dos pintores costuma fixar nas telas, e a gente chega a dizer que eles exageram na pintura do incêndio de fogo a perder de vista...
          No livro de Dom Hélder Câmara, "Um olhar sobre a cidade", que ando lendo nestes dias, encontrei a afirmação de que às vezes a morte repentina de um amigo é um clarão da Graça para quem se considera sem alma, sem coração, sem nervos... E quando acontece, por qualquer circunstância, que uma criança, com sua espontaneidade, sua inocência despertadora, entra na vida de quem se imagina totalmente insensível, o que acontece!? É muito fácil prever; trata-se de uma experiência inolvidável!
      E eu me pergunto, acusando-me a mim mesmo: por que desanimar, mesmo quando lidamos com pessoas que nos parecem casos perdidos?
       Eis aí: caso perdido!... A nossa tragédia do dia-a-dia: Quem nos autoriza a julgar e condenar quem quer que seja?... Quem pode criar e colocar limites humanos à misericórdia de Deus?
         Por mais grossa e insensível que seja a carapaça do egoísmo; por mais paralisada e morta que pareça a nossa consciência, por mais que juremos que o coração de carne virou coração de pedra, não podemos menosprezar a Luz Divina que atravessa toda e qualquer barreira que tentemos lhe impor: tenhamos firme em nosso espírito e em nosso entendimento que Cristo, nosso Redentor, venceu a morte para sempre!...

    

            

sexta-feira, 7 de junho de 2013

RELENDO GRAHAM GREENE


          Confesso de público que sou leitor fanático do escritor inglês Graham Greene. Possuo em minha estante todas as suas obras já publicadas no Brasil. Suas histórias são aparentemente profanas,  nunca o novelista lhes dá aquele tratamento que orienta o tema num sentido edificante, religioso. Vários de seus romances podem ser lidos  como se leem simples estórias policiais.
         A técnica cinematográfica dá aos sucessivos quadros de suas narrativas incomparável poder de sugestão, aspecto em que ele é mestre imune a qualquer imitação. Rememorando: uma atmosfera opressiva paira sobre cada livro seu que vem a público: o calor úmido e asfixiante do México, no soberbo "O poder e a glória"; a luxúria melancólica de Brighton, Inglaterra, em "O condenado"; o Expresso do Oriente, lançado através da Europa, em "O trem de Istambul", com o seu carregamento de destinos cômicos, mas quase sempre trágicos;  a frialdade matemática de Estocolmo, em "O agente confidencial"; a nudez quente e putrefacta de Serra Leoa, no admirável "O fundo do problema".
            Acabo de reler (ou treler?) "O poder e a glória", em que Greene desenvolve o tema de que Deus atua no seio da decadência espiritual:  quanto mais se aprofunda a ausência de Deus aqui em baixo, na Terra, mais se descobre, na Fé, Sua presença e ação.
            Neste romance, creio que é o melhor de Greene,  o autor coloca o tema em plena luz.  Do ponto de vista da religião e da Fé, repito, eu o considero o mais importante e decisivo livro de Greene.
            O padre, personagem central da história, é um padre pecador, tendo ficado por orgulho no Estado de Tabasco, durante a perseguição do governo do México à prática do catolicismo no país, não consegue suportar a solidão, e cai no alcoolismo. Numa noite, após uma embriaguez, viola seu voto de castidade e comete um pecado sexual com certa camponesa, vindo a ter dela uma filha. E a menina, gerada no pecado, mais tarde, numa cena inesquecível, tenta sexualmente o próprio pai.
          O pobre homem, não sabendo resistir aos apelos do sexo, é obcecado pelos seus pecados que considera mortais. Incapaz de um ato de contrição perfeita, que segundo a doutrina católica, lhe traria o perdão de Deus, ele sonha poder atravessar a fronteira do Estado vizinho, onde poderia encontrar um sacerdote e confessar o seu pecado, o que até aquele momento não conseguiu realizar.
          Vendo-se sozinho, e sentindo-se pecador como o comum de seus paroquianos, o padre passa a compreender melhor as pessoas que ouve em confissão e às quais dá a comunhão sacramental, ao acaso de sua fuga. Embora paralisado de vergonha à idéia de que os habitantes desse Estado perseguidor não conseguirão conhecer outro sacerdote, além do farrapo humano que ele arrasta atrás de si de aldeia em aldeia, quando na verdade é um verdadeiro anjo de piedade para todos aqueles de quem se aproxima.
            Ao mesmo tempo é um desses homens acossados, que Greene não se cansa de descrever. O tema alcança aqui uma soberana grandeza: o primeiro achado do enredo está com efeito em que este homem, padre, não é apenas acossado pela polícia, mas principalmente pela sua própria consciência, ou melhor, pelo próprio Deus que, através da caça ao homem, continua a chamá-lo. Deste modo seu destino torna-se uma vocação.
           O padre responde ao apelo de Deus realizando três atos de perfeita Caridade: o primeiro, quando deixa de tomar o navio que o salvaria, para acompanhar um menino que lhe suplica  ir ajudar a mãe em perigo de morte; o segundo, quando cede ao mestiço a mula, que lhe permitiria fugir; o terceiro gesto, o mais belo de todos, leva-o a passar de novo a fronteira com o mestiço que lhe faz crer que um gangster moribundo deseja receber os sacramentos da Igreja.
           Também aqui é sem o suspeitar que o padre trânsfuga realiza estes atos salvadores: até ao fim, estará certo da condenação por Deus pelos  seus pecados.  Na realidade, sua morte por fuzilamento será aceita como um martírio; embora sua atitude, na manhã da execução, seja humanamente lamentável - ele está bêbado -  é uma morte por Cristo: nessa mesma noite, um rapaz que admirava em segredo o policial ateu que executa o fuzilamento do padre, beija devotamente a mão do novo sacerdote que chega à aldeia.
         Uma vida perdida, moralmente e cristãmente, conforme o julgamento de homens e de mulheres, mas que se revela habitada pela presença de Deus. Não só a desgraça está misteriosamente penetrada pela misericordiosa presença de Deus, mas também, e principalmente, o pecador.
        Aqui se cava o abismo que sempre separará os humanistas revolucionários, da cruz de Cristo. Alguns dias antes da sua execução, o padre explica ao tenente que o prendeu: nas revoluções atéias, é necessário que os revolucionários sejam bons; se às vezes, no começo, são idealistas sinceros, os seus sucessores serão certamente maus, e então tudo recomeça: injustiças, fortunas ilegais, crueldades, prisões arbitrárias, desconfianças, delações. "Pelo contrário - continua o padre - ainda que todos os sacerdotes fossem como eu, covardes, bêbados, pecadores sexuais, isso nada alteraria em profundidade, porque  eles sempre poderão dar Deus, na Eucaristia, a homens e mulheres".
         É possível Deus aceitar assim o risco de ser dado a homens e mulheres pelas mãos de um pecador? É possível que Ele consinta em fazer depender a Sua presença eucarística da garrafa de vinho que um soldado imundo e covarde esvazie em meio a risos avinhados? É possível sim, mostra-nos o romancista: Deus entregou-se de tal modo aos humanos, que consente em ver assim humilhado o Seu poder: quando o padre pecador vê esvaziar-se a única garrafa de vinho que possui, a única que lhe permitiria ainda celebrar a Missa naquela terra prometida à morte de Deus. Seu coração, e também os nossos corações, se amarguram, pois compreendemos que nesse minuto Deus, em Cristo, morre uma vez mais pelos pecadores.
      Um sacerdote culpado é perseguido como se fosse um salteador de estradas. Pensamos na frase bíblica: _ "Ele foi confundido com os ímpios." - Não sejamos iludidos: este sacerdote pecador é uma imagem de Cristo crucificado entre nós. 
     Quanta humildade de Deus1 E quanto poder também, em meio à fraqueza, pois que uma só palavra, ainda que saída da boca de um padre pecador, desata a imensa torrente do perdão divino. "O poder e a glória", de Graham Greene, manifesta a força sobrenatural desse paradoxo. A única resposta às orgulhosas aleivosias atéias é o mistério de Deus crucificado, escondido num pouco de pão e num pouco de vinho.
      Este livro de Graham Greene nada mais é  que um comentário das palavras divinas: - NÃO JULGUEIS. - Não julgueis o mundo que vos parece abandonado por Deus: ele está habitado por Deus. Não julgueis a humanidade que, aparentemente, matou Deus: ela foi salva por Deus. Não julgueis a derrota de Deus, espezinhado em instituições que se entregam ao cultivo do mal: o poder e a glória de Deus estão ali presentes.
      Ouçamos o apóstolo Paulo: - "Deus serve-se das coisas que não são, para salvar as coisas que não são". Uma coisa que não era: a cruz. Sem ela, nós é que seríamos nada. Assim é o mistério da Páscoa.
       Por que perder a coragem diante do mal? Deus morreu? Mas depois RESSUSCITOU!
   

      


              



              ALEIVOSIAS

terça-feira, 4 de junho de 2013

JESUS E O MILAGRE DA FÉ


      Os pesquisadores da fenomenologia religiosa, nas suas análises, chegaram à conclusão de que não há mais cristandade. Eu cá da minha insignificância, neste blog, afirmo que, se "quase"  não há mais cristandade, em compensação há cristãos. E cristãos escolhidos, que preparam o futuro em segredo.
      Fui professor durante trinta anos, convivi muito com os jovens, principalmente universitários em Ribeirão Preto, em Aparecida, Campinas e São Paulo, e posso dizer por experiência própria que, em cada uma das nossas aulas de humanidades, em cada um dos nossos auditórios universitários, há crentes fervorosos, levando uma vida espiritual infinitamente mais rigorosa que muitos de nossos antecessores na Fé.
      Isto para mim foi sempre uma esperança e uma alegria. Quanto mais, no plano das estruturas sociais, a apostasia parece planetária, ainda bem que no plano das assim ditas "elites", a vida de Fé  se mostra viva. Graças lhe sejam dadas. Porque verdadeiramente estamos na presença de um milagre. O milagre da Fé.
    Há também atualmente (e creio que o carisma do Papa Francisco vai ter grande peso neste fato auspicioso), um intenso movimento espiritual na Igreja: liturgia, Bíblia, estudo dos Padres da Igreja, pastoral, arte, e agora os grandes encontros da juventude. Tudo isso palpita, vive, se torna busca em todos os setores.
    Começa-se a ver as linhas de força. Uma vez desencadeado o movimento, a velocidade só tende a crescer. Mau grado as aparências, é porque a Fé progride em profundidade. Os livros, os jornais e revistas, o cinema, a televisão, o rádio e o teatro, cada vez mais se vão interessando pelos problemas  espirituais. E não começa apenas na mídia, mas principalmente nas almas.
    O texto bíblico nos diz que o Pentecostes não atingiu mais de vinte discípulos de Cristo, e contudo incendiou o mundo. É verdade que pouco a pouco. Mas afirmo sem medo de errar que um novo pentecostes, derivado do primeiro, está sem nenhuma dúvida em ação no mundo. É com paciência, com tenacidade, com Fé e Esperança, que as comunidades cristãs verão um dia, não o triunfo visível da Igreja, mas o seu aumento em profundidade no universo imenso dos fiéis.
     Por que? perguntarão os céticos. E o profeta do século XX, Bernanos, responderia com plena convicção: _ "Porque tudo é Graça". E a Graça de Deus revela um mundo de tal esplendor, que necessitamos de ser um tanto sacudidos em nossos hábitos confortáveis para a conhecer como ela é; para saber que  ela é Jesus Cristo!
        Disse linhas atrás que fui professor durante trintas anos, no interior do Paraná. Penso, hoje, em muitos dos meus alunos, cuja intensa vida cristã tive oportunidade de conhecer. E tenho medo deste mundo em que estão vivendo, mundo tão mau que meu escritor predileto, o inglês Graham Greene, dizia, desesperançado, não sei se com ou sem razão: - "Que mundo é este nosso, para que tão belas qualidades nele se percam?"
        Que esses cristãos que eu conheci e conheço, e os que não conheço mas adivinho, saibam que o seu testemunho vivido é necessário para os mais velhos, como eu. Saibam eles que a frase do grrande pensador cristão, e francês dos bons, Pèguy, permanece verdadeira: - "Nada se fará senão por intermédio das crianças e dos jovens." 
        E eu tomo a liberdade de completar: porque a infância, porque a juventude é Deus, mais jovem, e forte, e terno e atual que o mais recente dos jornais que li esta manhã.
        Além disso, o que mais importa é a luz, porque não é o homem e a mulher que salvam homem e mulher, e sim o próprio Deus, na pessoa do Homem de Nazaré, o Senhor Jesus Cristo!

         


        
        
       
       

       

domingo, 2 de junho de 2013

CONVERSA FRATERNA COM O EVENTUAL LEITOR


        Prezado leitor deste meu modesto blog:

      Creio que é tempo oportuno para que Você e eu passemos a um Outro mais íntimo a nós do que nós mesmos. Nosso corpo é o templo do Espírito Santo. O Espírito nos fala, nos ampara, nos dá Jesus Cristo. O Espírito nos reveste dEle, porque fomos batizados. Recebemos na Eucaristia o corpo e o sangue de Jesus Cristo, que salva a nossa eterna juventude. Ele abençoa o que Você e eu somos, como diz o texto bíblico, "a primavera da natureza e a primavera da Graça", porque Jesus é a única aventura, Aquela que contém todas as outras.
      Cristo não nos pede que sejamos tristes, medrosos, encolhidos. Ele nos pede a nossa disponibilidade para com Ele. Na verdade, Deus é como o mendigo que bate a todas as portas. Não há, quase sempre, um lugar para Ele. Tudo está tomado, ocupado. Por quem? Por nós mesmos!
        Não façamos como aqueles que deixam Deus do lado de fora, ao frio e ao vento, Ele que é o único pão dos pobres que nos sacia e nos mata a fome e a sede, com o Seu dom na Eucaristia.
        Abramos a porta para Ele: - "Eis que chego à porta e bato. Entrarei na casa daquele que me abrir a porta, e tomarei a refeição com ele."
        Nós não podemos salvar a nossa Fé confiando apenas em nossas forças. É preciso refletir. É preciso saber que nossa Fé é certeza. É livre. É racional. E, mais que tudo, é uma resposta de amor Àquele que nos amou primeiro. A Fé é essencialmente sobrenatural. Ela faz de nós novas criaturas.
       Necessitamos, sobretudo, saber que todas as nossas verdades, todas as nossas liberdades, todos os nossos amores são o reflexo de uma Verdade, de uma Liberdade, de um Amor eterno, o amor de Deus que nos refaz, que nos faz "jovens, ao mesmo tempo que eternos."
         Como disse o poeta:

         - "Todos os nosso perfeitos amores reduzidos a um só Amor;
             Como todos os nossos mais belos dias, reduzidos a um Belo Dia..."

        Tudo o que experimentamos, audaciosamente, imprudentemente, alegremente, toda a corrida de nosso ser pelos caminhos da vida, todos os nossos perfeitos amores na Fé, repete-nos o poeta, serão reduzidos a um Amor, "como os nossos mais belos dias, reduzidos a um Belo Dia..." 
      Os mais velhos, que escutamos na Igreja, falam-nos numa linguagem franca. Prestemos-lhes atenção. Eles não nos dizem que sejamos tristes ou pessimistas, nem otimistas e despreocupados. Pedem-nos que sejamos "sérios". Nosso privilégio, como cristãos, é conjugarmos a seriedade com a Graça. 
      Lembremo-nos sempre que a Fé é séria. Grave. De um fervor contido. Que manterá em nós uma leveza misteriosa. Sentir-nos- emos, então, como que imponderáveis. Apenas um pouco mais graves, mais atentos, mais surpreendidos em nossa existência, porque a Fé nos devolverá a misteriosa gravidade de sermos seres que se sabem ser os lugares-tenentes de Deus na Terra.
      Nunca um homem ou uma mulher converte outro homem ou outra mulher, mas apenas o Espírito Santo, que nos desvenda a face do Salvador.

      Prezado leitor deste meu blog:

      Recomendo-lhe que deixe estes meus pobres textos. Peço-lhe, acima de tudo, que abras O Livro. Ele é um espelho onde o próprio Deus se reflete. Às vezes nossa descrença é apenas uma crença que se ignora. Talvez estejamos muito próximos da Fonte, imaginando-nos longe: -"Muitos há que, julgando-se fora da Igreja, estão em realidade dentro dela; e muitos outros que, julgando-se na Igreja, estão fora dela", - disse-nos Orígenes há muitos séculos passados. 
      Há uma frase que não é minha, mas da jovem Igreja cristã. Num império pagão que a esmagava por todos os lados, ela testemunhava sua Fé na ressurreição do Filho de Maria. Essa frase é divinamente simples, porque inspirada no espírito de amor: - "VINDE, SENHOR JESUS".