sábado, 26 de novembro de 2016

A MENINA QUERIDA DE TODOS NÓS



            Depois de muita procura, consegui encontrar numa de nossas livrarias o texto integral do "Diário" de Anne Frank, a pequenina judia  de treze anos, que morreu, juntamente com sua irmã Margot, nos horrores de Bergen-Belsen, o campo de concentração nazista. Aí também encontraram a morte nos fornos crematórios e nas câmaras de gás milhares de prisioneiros judeus deportados de várias regiões da Europa, na segunda guerra mundial.
             Uma ressalva: Anne Frank morreu de morte natural, vitimada pelo tifo, devido às péssimas condições higiênicas do campo. Sua mãe e a irmã Margot morreram nas câmaras de gás. Seu pai sobreviveu, e passou o resto de sua vida divulgando o "Diário"  da filha por toda a Europa.
            Alguns dias antes de morrer Anne Frank escreveu  em seu Diário esta frase, cujo espírito perpassa por todo o livro:
            - "Verdadeiramente minha vida mudou, e para melhor, porque Deus não me abandonou e não me abandonará jamais."
            Estas palavras me fazem lembrar  daquelas outras proclamadas não pelo Deus de Israel, mas por Seu Filho, tornado homem na Terra, para assumir a condição e os sofrimentos de homens e de mulheres, bem como dar a eles e a elas um novo sentido à sua Esperança:
            - "Deixai vir a mim os pequeninos."
            Apesar de saúde frágil, marcada por sofrimentos horríveis nos meses de cativeiro, a alma juvenil de Anne Frank era daquelas que, desde sempre, responderam às palavras de Jesus de Nazaré
- Deus nunca a abandonou.
            Naquele campo de torturas e mortes de Bergen-Belsen, com seus fatídicos fornos crematórios nos quais muitíssimas vezes ela contemplou horrorizada centenas de crianças judias chegando em pesados caminhões e sendo atiradas às chamas pelos soldados nazistas, é preciso confessar que este Deus Anne mal conseguia defini-Lo. Entretanto, Sua imagem estava presente sempre no coração da pequena Anne, e nunca haveria mesmo de abandoná-la, até seus derradeiros dias de vida, como nos comprova o Diário.
            E eu o creio, tendo-o lido uma dezena de vezes, intuindo que o Deus de Israel, o "Abbá/Pai-Mãe" de Jesus de Nazaré, que  também é Pai-Mãe de todos os torturados pela barbárie nazista, e continuam sendo torturados ainda hoje em vários recantos deste nosso planeta. No mais profundo de nossas fraquezas humanas, no recesso mais sombrio  de nossas angústias e revoltas, a pequenina Anne representa para nós  uma das mais eloquentes imagens da nossa Esperança Teologal.
            Ela, que se considerava um nada, conseguiu romper a muralha de silêncio culposo  das várias religiões para mostrar ao mundo inteiro, nas páginas de seu Diário, a chaga sangrenta das deportações e do extermínio metódico dos judeus - homens, mulheres e crianças - nos campos de concentração. E pensar que nós, no Brasil, estivemos bastante próximos dessa nefasta ideologia nazista, na sua versão tupiniquim do integralismo de Plínio Salgado, cópia mal feita do fascismo de Mussolini, aliado inconteste de Adolf Hitler...
            O Prêmio Nobel da Paz de 1958, o Padre Pire, deu à sua sexta aldeia  europeia, que acolhia os refugiados de todos os cantos da Europa, o nome  de Anne Frank, a menina querida de todo o Mundo.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

A IGREJA, AS IGREJAS E A POLÍTICA



            Num texto que publiquei recentemente, em tempo de eleições, afirmei que as igrejas, tanto a Católica, quanto as assim ditas Evangélicas, não deveriam identificar-se com qualquer sistema político ou econômico, pois isto não é competência das igrejas. Cuidar da justa ordem da sociedade civil e do Estado é tarefa da Política.
            No âmbito da Igreja Católica - (sou católico pela Graça de Deus) - o Concílio Vaticano II, em um de seus documentos oficiais, proclamou solenemente a autonomia das realidades temporais terrestres, cuja incumbência pertence, de direito, ao Estado. Nestes termos, também o Estado não deve imiscuir-se no plano espiritual e das consciências,  que é campo exclusivo das igrejas.
            O Estado não pode impor a religião a seus súditos, mas, isto sim, garantir a liberdade de crença e a paz entre os praticantes das diversas religiões.
            O objetivo e a medida intrínseca da Política é a promoção de uma ordem justa na  sociedade, em todos os diversos setores. A Política é mais do que uma simples técnica para a definição dos ordenamentos políticos , como quer que se queira defini-la. O pensamento social católico não pretende nem pode conferir à Igreja poder sobre o Estado. Ela deseja e deve simplesmente contribuir para a purificação dos objetivos políticos e prestar a própria ajuda para fazer que tudo quanto for justo possa, aqui e agora, ser reconhecido e realizado para o Bem Comum da sociedade.
            As igrejas não podem nem devem tomar nas próprias mãos a batalha política para realizar uma sociedade mais justa e consentânea com o Bem Comum. Mas também não podem ficar em cima do muro quando  se trata de luta pela justiça e pela paz social.
            Na esfera política, o dever imediato de trabalhar por uma ordem justa na sociedade é próprio dos leigos, e não das igrejas como instituição. Os fiéis de qualquer igreja, como cidadãos do Estado, são chamados a participar pessoalmente da vida pública, de uma ou de outra maneira. Eles não podem abdicar da múltipla e variada opção econômica, social e legislativa, executiva e cultural, destinadas a promover orgânica e institucionalmente o Bem Comum.
            A missão do fiel de qualquer igreja, dentro das realidades terrestres e temporais é configurar retamente a vida social, respeitando a sua legítima autonomia e cooperando, segundo sua competência e responsabilidade, com os demais cidadãos. E sempre, como pessoa religiosa, deve sentir-se animado pela Caridade Cristã, e sua vida pública deve ser vivida como Caridade Social porque, homem e mulher, além da Justiça, têm e terão sempre a missão de  viver e realizar plenamente o Amor.

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Aroldo Teixeira de Almeida é professor aposentado de Português e Francês, do Quadro Próprio do Magistério Paranaense, e bacharel em Teologia Dogmática, pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Capital paulista.