quarta-feira, 28 de outubro de 2015

"O SILÊNCIO DE DEUS" E A BLASFÊMIA FINAL



            A imprensa publicou recentemente pesquisa realizada nas capitais brasileiras sobre o número de suicídios ocorridos nessas metrópoles, e o resultado, de certa maneira, foi animador, pois se verificou uma relativa queda no índice desse tipo de óbitos. Infelizmente, não se informaram as eventuais causas que provocaram tal declínio. (Lembro que um de meus filhos se suicidou, e até hoje os motivos que o levaram a esse desenlace nos são desconhecidos).
            Como quer que seja, creio que, dentro do mistério do mal presente no mundo, a verdade é que homem e mulher não conseguem fazer todo o mal que desejam, sem que se levante dentro de si mesmos um protesto, no recesso de suas almas, quando dolorosas circunstâncias da vida os esmagam por todos os lados, e surge de repente no seu espírito conturbado a reação extrema de livrar-se de todos os padecimentos pondo fim à própria vida.
            Que misteriosa realidade é  essa, oculta no fundo do ódio, que frequentes vezes os imobiliza e impede que levem a cabo esse intento desesperado?
            Por que não conseguem erguer a mão contra si mesmos, no suicídio, sem sentir que atentam contra uma realidade sagrada que é o dom da vida, dada gratuitamente a nós pela Providência de Deus?
            Por que motivo o eventual suicida pode sentir, apesar das razões subjetivas que justificam o desejo de destruir, de aniquilar o mundo e a si próprio, que o crime dos crimes seria justamente esse ato tresloucado que pretende realizar?
            De onde provém este ilogismo súbito escondido no âmago de um raciocínio que parecia  fechado em si mesmo? Não será "o silêncio de Deus" a última e definitiva palavra do Universo? Este Universo será alguém?
            Sim, é preciso sacudir a lógica humana, passar para o outro lado da cortina e descobrir que "o silêncio de Deus" é a voz de Deus; que a aparente ausência de Deus, para nós, é a Sua presença mais profunda, porque no auge do crime é que a Sua misericórdia lança os apelos mais prementes... Sim, Deus entregou-se aos pecados de homem e de mulher, porque não se pode pagar ódio com ódio, sem saber que, no ódio, se odeia a Deus...
             A presença misteriosa de Deus num mundo devastado pelo pecado é a Graça de Deus, que estará em agonia até o fim do mundo, fim esse que ocorre em nós mesmos,  dentro do mistério da morte e da nossa ressurreição, ressurreição esta que ocorre no próprio instante da morte, tese que defendo já há muito tempo, perfilhando doutrina que aprendi com meu mestre de Teologia, o teólogo Leonardo Boff.
             Num sentido profundamente misterioso, o mundo que sofre por causa de nossos pecados é o próprio Deus que sofre por nós. Esta presença divina em nós compõe o tecido mais secreto do nosso ser; é a infância escondida dentro de nós, para além do tempo, e nenhum dos nossos inumeráveis pecados a pode destruir inteiramente, enquanto houver em nós um lampejo de vida.
             Esse cândido santuário que é a imagem de Deus em nós, dizem os teólogos que ela é indestrutível. É a pedra sagrada que nenhuma desgraça, nenhum cataclisma, nenhum pecado pode totalmente deslocar, fazer ir pelos ares. No recôndito mais secreto de nossa alma, onde só Deus pode penetrar, não há lugar definitivo para o pecado, seja ele como for.
             A criança que vive em nós é a mesma que a Graça tenta incessantemente acordar para a grande claridade eterna. Basta-nos entrar no íntimo de nós mesmos para encontrar-se a alma que os escultores e os pintores da Idade Média representavam sob a forma de um menino. Essa única realidade intata no vasto desmoronamento é interior. Aí fala Deus, pela voz da piedade e da misericórdia. Pede-nos que tenhamos piedade desse menino que chora em nós, porque esse menino é uma partícula dEle mesmo, a centelha que Ele colocou em nosso coração.
            É preciso, portanto, não fugir ao "silêncio de Deus", ocultar-se no absurdo aparente do mundo; devemos ir ao âmago das coisas, quando então ouviremos uma voz dizer-nos que é preciso amar apesar de todos os horrores.
            Quem não ouve essa voz, e entrega-se ao mal que o arrasta, acaba por precipitar-se brutalmente no vácuo, no nada do suicídio, que é a blasfêmia final. Entretanto, mesmo assim nem tudo está perdido: no centro mesmo do último pecado de desespero, no desafio lúcido e consciente da condenação, "entre o estribo e o chão"  -  maravilhosa intuição do romancista inglês Graham Greene -, ainda se pode ouvir o derradeiro apelo e talvez a salvação de Deus/Pai/Mãe misericordioso. Meu filho Júlio suicidou-se tomando uma beberagem letal, e enquanto esperava o fim, ligou o celular e despediu-se de minha neta, de quem foi padrinho de Batismo. Creio firmemente que este foi o "estribo e o chão" que lhe trouxe a salvação, por ter sido um "ato humano" saído do fundo de seu coração, e que por esse gesto a misericórdia imensa de Deus se fez presente e o salvou da perdição eterna.
            É preciso esperar e confiar em Deus, porque Ele é fiel, apesar de todas as nossas infidelidades.

            
              
              
             
             
            

domingo, 25 de outubro de 2015

VENHA A NÓS O VOSSO REINO



         
            -"Venha a nós o Vosso Reino."
            Reino de Deus: eis a mensagem de esperança e de alegria, proclamada por Jesus de Nazaré, nas Suas caminhadas pelas terras da Galiléia. É verdade que a palavra não fora muito usada no Antigo Testamento, e no entanto ela constitui a palavra-geradora da mensagem de Jesus.
            Ela não designa um território, mas o poderio e a autoridade divina que agora se fazem valer neste mundo, transformando o velho em novo, o injusto em justo e o enfermo em são.
            Jesus nunca explicou, em forma de definição, o conteúdo do Reino. Mas usa parábolas que não deixam dúvidas quanto ao seu sentido.  - "É algo conhecido desde sempre e ao mesmo tempo escondido e apetecível" - ensina-me o meu mestre Frei Leonardo Boff, no seu belo livro que ele chamou de  "a oração de libertação integral" - o "Pai Nosso".
            É como um tesouro escondido no campo. Quem o encontra, vende tudo para comprar o campo, pois ele é como uma pérola preciosa para cuja aquisição vale a pena sacrificar tudo; é como uma semente pequenina e que cresce e se torna grande a ponto de nela os pássaros se aninharem. É uma força que tudo transforma.
           A figura mais frequente é aquela da casa ou cidade de Deus, onde a gente senta para comer e beber. A gente é convidada à mesa pelo Senhor; a gente entra e pode ser lançada para fora, em certas circunstâncias. Há chaves para entrar. Os que aí vivem são os filhos do Reino, e para eles há muitas moradas.
           A esta casa e a esta mesa todos são convidados, também os servos, os estropiados e os que estão à margem da vida. Virão do Ocidente e do Oriente, e também aí se assentarão, e os que forem justos brilharão como o sol no Reino de Seu Pai. Destas e de outras imagens se depreende que se trata de um sentido absoluto e pleno a que chegaram a Criação e os Homens.
           Cumpre-nos reter estas três características principais do Reino anunciado por Jesus: ele é universal: abarca tudo; é libertação das dimensões infra-estruturais como a enfermidade, a pobreza, a morte; é reestruturação das relações entre os homens, agora sem ódios e em plena fraternidade; é nova relação para com Deus que é Pai de todos, filhos bem amados.
          Não se pode reduzir o Reino de Deus a alguma dimensão deste mundo, mesmo àquela religiosa. Jesus entendeu como tentação diabólica toda tentativa de redução do Reino a algum segmento da realidade (político, religioso, miraculoso).
           O Reino é estrutural: não só abarca tudo, bem como significa uma revolução total e estrutural: não modifica a realidade pela rama, vai até às raízes  e liberta totalmente. É terminal: porque possui um caráter universal e estrutural, definindo a vontade última e terminal de Deus.
           Este mundo, assim como o vivemos e sofremos, encontrará um fim: haverá um novo céu e uma nova terra onde habitará, finalmente, a justiça, a paz, a concórdia de todos os filhos na grande Casa do Pai de todos os pais. 
           O Reino de Deus  já está em nosso meio, e fermenta toda a realidade em direção de sua plenitude: "a hora escatológica de Deus".
           Neste contexto se entende a pedição do "Pai-Nosso": - "Venha a nós o Vosso Reino". Quando Deus tiver submetido a Si todas as dimensões da Criação, quando tiver levado tudo ao seu termo feliz, então o Reino se completará e seu nome será bendito pelos séculos dos séculos.
           O Reino de Deus é uma alegria que se celebra no presente, mas, ao mesmo tempo, uma promessa que se realiza no futuro. É dom e é tarefa. É objeto de esperança.   Ao rezarmos: -"Venha a nós o Vosso Reino", - rezamos para que em nós o  Reino de Deus cresça, aumente e chegue ao termo feliz que aguardamos pela promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo.
     
            
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quinta-feira, 22 de outubro de 2015

PAI NOSSO QUE ESTAIS NO CÉU



            Graças a Deus, nasci numa cidadezinha capenga, numa família ainda mais capenga, por ser uma família muito pobre, que vivia com os "trocados" recebidos por meu pai no seu acanhado salão de barbeiro em Caldas, sul de Minas Gerais. Disse "graças a Deus" porque, apesar de nossa pobreza, éramos uma família feliz, bem constituída e muito apegada a Deus.
             Hoje, setenta e nove anos de idade, professor aposentado após trinta anos de magistério também numa cidadezinha capenga mas acolhedora, com minha esposa e a neta órfã que vive conosco,  seria uma pessoa feliz se não tivesse que chorar pela morte da filha querida, vitimada por  insidioso câncer, e pelo filho que, num momento de depressão, deu cabo da própria vida, por motivo  nunca bem explicado. 
              Pessoas amigas e religiosas dizem-me que preciso conformar-me, porque o que me aconteceu foi vontade de Deus. Eu contesto, pois creio sinceramente que Deus é pai, e nenhum pai desejaria o sofrimento e a morte para seus filhos. É a nossa finitude, a nossa contingência, o nosso pecado - aliados a muita deficiência na esfera social - que não nos permitem ser, modesta e tranquilamente, felizes.
              No entanto, somos filhos de Deus e candidatos à bem-aventurança na Casa do Pai de todos os pais, se formos fiéis àquilo que Ele espera de nós. É neste sentido que entrego à benevolência de meus eventuais leitores este poema-oração, que é um ligeiro aceno ao "Pai Nosso" que rezo em todas as manhãs de minha vida:

                                        "Pai, eu Te suplico,
                                        desce do Céu,
                                        apesar de eu ter-me esquecido
                                        das orações que minha saudosa mãe me ensinou.
                                        Pobrezinha! 
                                       Ela agora repousa em paz 
                                        no Teu Reino...
                                        Não tem mais que lavar, passar, não tem mais
                                        que preocupar-se, andando o dia todo,
                                        atrás das roupas dos vizinhos
                                        que lavava e passava para sustentar quatro filhos


                                        Desce do Céu, desce logo de onde estás, Pai,,

                                        pois não vês que morro de fome e frio
                                        neste canto de rua
                                        sem saber para que serve haver nascido?
                                        Olha minhas mãos vazias, inchadas,
                                        não têm trabalho, não têm perspectivas,
                                        não têm...
                                        
                                        Desce um pouco, Senhor,
                                        contempla
                                        este verme que sou, estes pés descalços,
                                        esta angústia sem sentido, este estômago vazio,
                                        esta cidade sem pão para meus dentes cariados,
                                        esta pobreza torturando minha carne
                                        este dormir
                                        quase sempre debaixo das marquises
                                        castigado pelo frio das madrugadas curitibanas


                                        Te digo, Senhor, que não entendo 

                                        que isso seja por Tua vontade
                                        então eu grito
                                        para que Tu desças
                                        toques minha alma, alivies meu coração
                                        eu nunca roubei, nem assassinei
                                        fui sempre uma criança
                                        e em troca me golpeiam e golpeiam!...


                                        Te digo que não entendo, Pai,

                                        desce de onde estás
                                        pois sabes que eu Te busco
                                        sem ter resignação em mim
                                        e tenho medo de encher-me de raiva
                                        de blasfemar
                                        de gritar até estourar o pescoço de sangue
                                        porque não aguento mais
                                        tenho rins e coração que sofrem
                                        sou um homem
                                        desce, meu Senhor!


                                        Desce, e vê

                                        o que fizeram de Tua criatura, Pai...
                                        Um animal furioso
                                         que mastiga as pedras da rua!


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terça-feira, 13 de outubro de 2015

SAUDADES DE MINHA FILHA RAQUEL



                                               Minha filha Raquel, que te partiste
                                               tão cedo, desta vida, descontente:
                                               repousa lá no Céu eternamente,
                                               e fique eu cá na Terra, sempre triste.

                                                                        Se lá no assento etéreo aonde subiste
                                                                        lembrança desta vida se consente,
                                                                        não te esqueças daquele amor ardente
                                                                        que em meus olhos de pai tu sempre vista.

                                                E se vires que pode merecer-te
                                                alguma a coisa a dor, que me ficou
                                                da mágoa, sem remédio, de perder-te,

                                                                        Roga a Deus, que teus anos encurtou,
                                                                        que tão logo daqui me leve a ver-te,
                                                                        quão cedo de meus olhos te levou!

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                    Faz cinco anos que minha filha Raquel partiu, desta vida, para a Casa do Pai de todos os pais. Morte cheia de angústia e sofrimento, causados pelo câncer que lhe invadiu os seios, com metástase para a coluna vertebral e para o cérebro.
                    Tenho meditado constantemente nesse doloroso mistério que é a morte, principalmente a daqueles que amamos e que viveram, conosco, uma vida de Fé.
                    É verdade que a morte cristã, como a de minha filha, se acompanha frequentemente de angústia, mas esta angústia nada tem a ver com o medo vil que sente quase sempre o arreligioso, o agnóstico, ou o ateu, diante do imponderável que os aguarda.
                    A angústia do cristão moribundo é apenas a angústia mística, o pressentimento, o temor ante a magnitude do mistério de Deus. É o frêmito de todo o seu ser à beira dessa mudança radical que dissolve e recompõe o corpo de pecado para  transfigurá-lo em corpo de glória na ressurreição, e esta ressurreição eu a creio sinceramente realizada NA morte, como me ensinou, tantas vezes, meu mestre Frei Leonardo Boff, nas aulas de Teologia.
                    A morte do cristão é abandono humano, solidão, deserto de Deus; porém, no seio deste deserto, Deus fala, além da noite dos sentidos e do espírito. Por muito profunda que possa ser a angústia da morte para o cristão, ela é acompanhada por uma alegria que excede o sentimento.
                     As mortes cristãs, além da angústia, são também doces, mas de uma doçura diferente da serenidade estóica dos arreligiosos, dos agnósticos e dos ateus. Essas angústias são aceitas, às vezes desejadas, como no caso dos santos, que pediam a Deus para sofrerem cada vez mais, a fim de salvar os outros, porque aqui se encontra o mistério da Páscoa: embora a morte cristã, como a morte de Jesus de Nazaré pareçam, humanamente falando, trevas e angústia, é também alegria. E se essa alegria é aparentemente  idêntica à agonia de suor e sangue, não é porque seja ilusão, mas porque é sobre-humana, ultrapassando todo o entendimento.
                    É uma alegria sobrenatural, divina, um dom de Deus. O cristão e a cristã, por sua Fé, têm certeza da vitória de Cristo sobre a morte; as angústias que eles experimentam são as angústias de Jesus na cruz; elas resplandecem de alegria em meio aos sofrimentos e às trevas, ou ao pretenso abandono de Deus: -"Meu Deus,  meu Deus, por que me abandonaste? " - gritou Jesus de Nazaré na cruz.
                   No livro de Georges Bernanos, "Diário de um pároco de aldeia", seu personagem principal, o vigário da aldeia, está consciente desta verdade. Ele pronuncia, ao morrer, uma das mais belas frases que encontrei na literatura do século passado: -"Tudo é Graça!"
                    A razão teológica deste fato é que, na angústia da morte cristã, há a experiência do deserto, o deserto bíblico que todo homem e toda mulher devem atravessar para se unirem a Jesus no Calvário. No Calvário, porém, está a ressurreição, cujos primeiros vislumbres a alma cristã recebe já nos umbrais da morte.
                    Aliás, certo ou errado, eu sempre mantive a crença de que a ressurreição não é um futurível problemático, em um também problemático fim dos tempos. O fim dos tempos, no meu entender, ocorre justamente na morte, e é aí, na morte, que Deus nos concede a Graça da ressurreição: ressurreição NA morte, nem antes nem depois.
                    Minha filha Raquel, na sua agonia, sofreu muito, dores terríveis provocadas pelo câncer em seu cérebro. Entretanto, ela não se queixava, absolutamente. Apenas murmurava na sua longa e dolorosa agonia: "Meu Deus, seja feita a Vossa vontade!"
                    Tendo plena consciência do fim de sua vida nesta terra, ela pegou minhas mãos, apertou-as tanto, que até doeu. E me pediu, entre lágrimas, que lhe prometesse fazer feliz sua filha Isabela, então com doze anos. E eu, entre lágrimas também, lhe prometi, e é o que tenho tentado fazer até hoje, apesar dos protestos de parentes, que dizem que estou sendo exagerado, e até prejudicando a menina. Isto não me impressiona. Tenho consciência de que estou cumprindo uma promessa sagrada, e tentarei cumpri-la enquanto viver.
                     É pela sua morte sofrida e cheia de angústias, pelos indizíveis sofrimentos por que passou, que tenho a íntima certeza de que a Raquel ressuscitou na morte, e agora está em paz na Casa do Pai de todos os pais, velando por sua filha, velando por seus pais e irmãos.
                     Descanse na paz do Senhor, minha inesquecível filha Raquel!

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                  17 de março de 2015.
                Se minha filha Raquel fosse ainda viva, estaria nessa data completando 48 anos de idade. Não pudemos festejar seu aniversário natalício, apenas chorar, desconsolados, a sua ausência física entre nós. A morte inexorável a levou para a Casa do Pai de todos os pais e mães que ainda peregrinam pelos caminhos deste mundo.
               Ela separou-se fisicamente de nós, mas passou a viver mais intensamente do que nunca, com sua filha Isabela, com seus irmãos Carlos e Júnior, e com seus chorosos pais, após o seu falecimento em 21 de agosto de 2010, em hospital de São José dos Pinhais, vitimada por insidioso câncer.
                Numa união misteriosa e singular no Espírito Santo, comunicada às coisas que deixou e aos acontecimentos do dia-a-dia em que viveu conosco por esse tão curto tempo, a verdade é que ela partiu para a Eternidade, mas continua a viver conosco pela dor sem remédio da saudade.
           Sua morte fez que a revivamos nos objetos em que tocou, nas vestes que deixou e que conservamos com carinho, na lembrança das palavras que com ela trocávamos, nos fatos alegres ou tristes que se seguiram à sua partida, e que nós lhe comunicamos diariamente na prece, e com ela conversamos como se estivesse ainda viva em nosso hoje solitário lar.
                A morte, destino de todos os agora ainda viventes, a levou, mas a devolveu de novo a nós, banhada pela luz da Eternidade com Deus e pela gloriosa certeza de sua  ressurreição NA morte, que é a Fé que anima e conforta seus pais e irmãos, e que os mantém ainda vivos para cultuarem sua memória.
               Continuando viva entre nós, por essa humilde, invisível e misteriosa presença de cada dia, de cada hora, de cada momento, com que impregnamos de esperança a nossa saudade, como também a radiosa alegria da certeza de que ela, na Casa do Pai de todos os pais, passou a velar por nós, agora na plenitude de sua vida com Deus e os santos, no Céu.
                Nesta certeza, nós a temos sempre a nosso lado, em nossa vida de cada dia, velando por sua filha adolescente Isabela, por seus irmãos Carlos e Júnior, por seus chorosos pais.
          Presença permanente nos trabalhos do dia-a-dia, no silêncio e na solidão das noites, enxugando-nos as lágrimas da saudade imorredoura.

                                                                                                      Seu pai.


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               15-10-2015:
            Neste ano de 2015 estamos chorando o quinto ano de falecimento de minha filha Raquel. A tristeza infindável que nos martiriza pela ausência física da pessoa amada é, paradoxalmente, aliviada pela estranha alegria e pela certeza absoluta de que ela, pela sua vida profundamente vivida, pela Caridade ardente que animava todo o seu relacionamento com as pessoas que a rodeavam, descansa hoje na Bem-aventurança Eterna junto ao Pai de todos os pais.
            Com seu organismo debilitado pelo câncer que lhe corroía coluna vertebral, pulmão e cérebro, ela esperava a morte, mas transfigurada pela resignação, pela acendrada confiança em Deus, e pelo amor de toda a sua pequena família, que também sofria com ela.
             Permanece a dor da saudade no coração de sua filha Isabela, de seus pais, de seus irmãos, que dedicam à Raquel este singelo poema fruto da dor, abrandada porém pela certeza de que ela descansa em paz junto ao "Abbá" de Jesus de Nazaré, no Reino dos Céus:

                                             Eu esperei a morte como se espera o Bem amado
                                             ignorava como ela viria
                                             nem quando viria
                                             mas eu a esperava
                                             e não havia medo nessa expectativa
                                             havia somente ânsia e curiosidade
                                             porque sei que a morte do cristão é bela
                                             porque a morte do cristão é uma porta
                                             que se abre para lugares desconhecidos
                                             mas imaginados
                                             como o Amor
                                             que nos leva para um outro mundo
                                             como o Amor
                                             que nos promete uma outra vida
                                             diferente da nossa
                                             Eu esperei a morte como se espera o Bem Amado
                                             porque eu sei que em breve ela viria
                                             e me receberia
                                             em seus braços amigos
                                             Seus lábios frios tocarão a minha face
                                             e sob a sua carícia
                                             eu adormeceria o sono da Eternidade
                                             como nos braços do Bem Amado
                                             Sei que este sono
                                             será um ressurgimento
                                             porque a morte é a Ressurreição
                                             a Libertação
                                             a Comunhão Total
                                             com o Amor Total e Infinito
                                             do Pai de todas as vidas


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              Uma senhora amiga, querendo confortar minha esposa pelo falecimento da Raquel, disse-lhe que o tempo cura todas as feridas, e com o tempo ela se acostumaria com a ausência da filha falecida.
              A sós comigo mesmo, comecei a refletir sobre a opinião daquela senhora, e cheguei também à conclusão de que nos acostumamos com relativa facilidade.
              Sei que a gente se acostuma a andar pela rua e ver rostos conhecidos ou mostruários de lojas. A ver bancas de revistas e folhear jornais, buscando notícias ou anúncios de coisas que nos interessem.
           A gente também se acostuma com o friozinho e a poluição de Curitiba, as janelas de casa sempre fechadas, os portões sempre trancados a cadeado, por receio de eventuais larápios. Com as janelas sempre fechadas, logo nos acostumamos a não abrir as cortinas. E porque não abrimos as cortinas, logo nos acostumamos a acender mais cedo a luz. À medida que se acostuma a isso, esquecemos o sol, esquecemos o ar puro, esquecemos a amplidão do olhar.
              Acostumamo-nos a acordar de manhã cedo, a tomar café às pressas, porque temos de levar a neta Isabela ao colégio. A gente se acostuma a sorrir para as pessoas, sem receber um sorriso de volta. Até já me acostumei a cumprimentar o gari que varre minha rua, quase sempre sem receber uma resposta, imerso que está ele em seu trabalho diuturno.
              Muita gente se acostuma a não ouvir o canto do sabiá nas árvores ao redor de sua casa, a não ouvir os pombos arrulhando no telhado, a ter medo da hidrofobia no cão doméstico, ou até a não possuir uma planta ou uma flor dentro de casa.
              A gente se acostuma quase sempre para preservar a pele, para evitar  feridas e sangramentos emocionais, para poupar os dissabores do dia-a-dia. Aos poucos, de tanto acostumar, nos acostumamos conosco mesmos, a ponto de não mais sabermos desfrutar das alegrias da vida.
            A gente se acostuma com muitas coisas para não sofrer. Em doses pequenas, fingindo não perceber, vamos afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.
               Mas será também verdade que o tempo nos fará acostumarmo-nos com a ausência definitiva de uma pessoa querida, como sempre foi e como sempre será minha querida e falecida Raquel?!

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segunda-feira, 12 de outubro de 2015

EDUCAÇÃO PARA A LIBERDADE OU PARA A ESCRAVIDÃO?



            Trabalhei no magistério público paranaense durante trinta anos. Antes de ser professor  por concurso de provas e títulos, fui secretário de escola e diretor, a título precário. Aprovado em concurso, passei a trabalhar na Escola Estadual Machado de Assis - Ensino de Primeiro e Segundo Graus, no município de Barbosa Ferraz, interior paranaense, até que me aposentei, mas não me desliguei dos assuntos educacionais até hoje, agora em Curitiba.
             Creio que tenho condições de opinar um tanto quanto neste campo, já que tenho como parâmetro de minhas idéias o seguinte questionamento: a educação que gerou o nosso mundo, liberta ou escraviza?
             Se a árvore deve ser julgada pelos frutos, conforme a sentença dos Evangelhos, a educação - do lar, da escola, da Igreja, das grandes e pequenas religiões - está precisando de mudanças profundas.
             Apesar de todos os pais  -  eu, entre eles, principalmente pela minha condição de leigo católico  -  desejarem o bem máximo para os filhos; apesar de a escola pretender ser de vida, pela vida e para a vida; apesar de a Igreja pretender apresentar Deus como Pai e levar homens e mulheres a viverem como irmãos, pergunto: como explicar, que, no balanço geral do trabalho educativo, encontramos 20 por cento da humanidade com mais de 80 por cento dos recursos da Terra e, consequentemente, mais de 80 por cento com menos de 20 por cento desses mesmos recursos?
             Poder-se-ia alegar que o homem está dominando a matéria de maneira altamente promissora. Entre inúmeros pontos altos a citar, me pareceria válido ter presente:
             - o que a petroquímica já consegue e deixa entrever como resultados retumbantes para o nosso futuro;
             - o que os computadores estão obtendo e as perspectivas que nos abrem. Símbolo destas possibilidades é a NASA levando homem e mulher para novos mundos, através das viagens espaciais;
             - o que a medicina está creditando a serviço da vida, vencendo epidemias, endemias e pandemias, superando moléstias tidas como incuráveis, como o câncer, dando a impressão de viver a vigília de grandes descobertas;
                  - o que a bioquímica obtém na agricultura e o que se anuncia em consequência do domínio e das pesquisas do fundo do mar;
             - o que já são os transportes e os meios de comunicação social, hoje, e o que se antevê, seguramente, para amanhã...
              Esta lista, facílima de ser completada pelos estudantes de nossas escolas, não seria uma demonstração irrefutável de vitória espetacular da educação ministrada aos nossos jovens?
              Faço questão de lembrar, como educador que fui, que na base da educação deve estar o respeito real à pessoa humana.
                 Neste aspecto, ouço muito discurso sobre "educação libertadora". 
                 E tenho ganas de perguntar: "educação libertadora" de quê?
               Perguntando, tomo a liberdade de eu mesmo propor uma resposta, amparado no que vi e vivi em trinta anos de magistério:
             "Educação libertadora":
          - do egoísmo, que leva ao orgulho e faz o homem ter a audácia de imaginar que pode prescindir de Deus ou tomar-lhe, simplesmente, o lugar;
            - do egoísmo, que fecha homem e mulher dentro de si mesmos, criando infelicidades, tensões,  separações e choques nos lares, nos sindicatos, nos clubes, nos partidos políticos, no próprio âmbito religioso;
            - do egoísmo, que está atingindo escala planetária e tornando quase impossível a solidariedade universal dos povos e a paz efetiva entre nações.
           Concluo esta minha parlenda, afirmando que na base da "educação libertadora" está o respeito real à pessoa humana, começando no seio da família: 
             - em cada um dos cônjuges,  que devem crescer simultaneamente e sempre; de cada filho, pois cada um é único, tem medida própria e traz mensagem singular, caso lhe seja dada a possibilidade de realizar-se como pessoa humana;
             - de todos os que detêm autoridade, para que saibam ordenar como quem serve, e de todos os que devem obedecer, para que obedeçam sem sombras de subserviência.
             Em poucas palavras, este é o conceito de "educação libertadora" que procurei viver nos meus trinta anos de magistério, e só poderão confirmar se de fato a vivi, aqueles milhares de alunos que me suportaram em sala de aula, e de quem me recordo com muito amor e saudade.

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quinta-feira, 8 de outubro de 2015

GESTOS QUE DESPERTAM




            Há gestos que despertam, que me levam a refletir, que me marcam, intensamente.
            Há muito tempo atrás, longe de casa, estudando Teologia em São Paulo, - lembro-me muito bem até hoje  -  quando saí de madrugada, da casa amiga que me hospedava, estava ainda escuro, pois a energia elétrica fora suspensa, não sei o motivo. Guardo até hoje nos olhos a imagem da dona da casa, de braço erguido, segurando um candeeiro para iluminar o mais possível meus passos até a saída...
           Gestos assim, no meu entender, valem como um programa de vida; erguer um candeeiro, afastar as trevas, difundir a luz, mostrar o caminho...
           É, também, muito belo o gesto de acender um lampião, ou uma vela,.. O gesto de regar plantas é também muito expressivo. A propósito, acho importantíssimo difundir este gesto e lembrar aos amigos, de modo especial aos casados e aos noivos, que o amor é plantinha tenra que precisa ser regada diariamente!
           Subir e descer! Dois gestos que ajudam tanto a pensar... Subir, sem entontecer, sem julgar-se maior que os outros, nem melhor do que ninguém... Descer, recordando a grande Descida, a vinda do Filho de Deus para tornar-se homem, nosso irmão...
           Descer, de coração alegre e leve, para ficar mais perto dos pequenos, dos pobres, dos humildes.
           Permita-me o benévolo e eventual leitor citar gestos que me parecem muito expressivos:
           Despertar de manhã, abrir os olhos, vê-los encherem-se de luz  -  é o início de um novo dia, lembrança viva do início da Criação...
           Adormecer, dormir, perder contato com a vida consciente, mergulhar no torpor: lembrança perfeita da morte, meditação oportuna sobre o grande sono do qual me despertarei apenas no grande dia da Ressurreição...
            Para que gesto mais expressivo do que caminhar, coisa que faço diariamente, com sol ou com chuva? É meu ideal de vida: caminhar em busca da compreensão, caminhar na Fé, na Esperança, no Amor!
            Outro gesto muito lindo: abraçar. É o inverso de separar. Abraçar é unir. E neste nosso mundo há tanto desencontro, tanta desunião: entre esposos, entre pais e filhos, entre vizinhos, entre patrões e operários, entre nações, entre mundos...
             Ler: este é o meu vício... e não pretendo largá-lo. Mas ler não apenas as letras, sílabas, palavras e frases. Ler a Natureza criada por Deus. Saber entendê-la. Saber interpretá-la. Descobrir o Criador por detrás das criaturas.
             E voar, coisa que fiz apenas uma vez na vida, suando frio a bordo de um avião? E me lembro que voar foi sempre um sonho para nós, humanos. Sonho hoje em festiva e grandiosa realização. Homem e mulher já não se contentam de voar de cidade a cidade, de país a país, de continente a continente: partiram para os planetas, através das aventuras espaciais...
             Quando me ponho a refletir e descobrir o simbolismo de cada atitude e de cada gesto, descubro que o universo inteiro vira um grande Sacramento, no sentido de algo visível, de tangível, de audível, que me leva ao meu Criador e Pai de todos os pais...
              Qual é o gesto que não tem uma quinta dimensão? Qual é o gesto que não é capaz de me levar além do espaço e do tempo, e de chegar até Deus, e mergulhar-me na Eternidade?...

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segunda-feira, 5 de outubro de 2015

VAMOS SORRIR?



                    Estava eu lendo um livro de aventuras escrito pelo autor alemão Karl May, e daí surge uma ação desastrada de seu ainda mais desastrado personagem, Halef, diminuto servo do herói do romance. Contagiado pelo inaudito da situação, me pus a rir ruidosamente e, tanto, que escandalizei minha mulher que "trabalhava", na cozinha.
                    Algum tempo depois, lembrando do acontecido, desculpei a mim mesmo, com a intuição de que o mundo seria muito melhor se todos tivéssemos o belo costume de sorrir, e sorrir sempre, mesmo nos momentos mais solenes.
                E por que sorrir? Porque sorrir é ato muito importante, dependendo sempre da profundidade e da origem do sorriso.
                    Lembrei-me de tempos passados, quando minha esposa e eu esperávamos, ansiosos, o primeiro sorriso do nosso primeiro filho, hoje, tão sorumbático e sério...
                   Você, que perde seu tempo lendo este texto, já se deu conta de que sorrir é ação própria do homem?... Nem o macaco, que dizem ser muito próximo de nós, homem e mulher, sorri... O cachorrinho de minha neta Isabela manifesta sua alegria a ela, sorrindo e, é claro, à sua maneira canina, balançando a cauda...
                  Escrevi linhas acima que sorrir é próprio do homem. E escrevi também que é importante medir a profundidade e a origem do sorriso. Não merece o nome de sorriso o entreabrir artificial dos lábios, só para ser amável com os fregueses ou com visitas de cerimônia, ou com amigos convencionais...
                 Não merece o nome de sorriso o entreabrir de lábios que costuma acompanhar a ironia, gozando a perversidade que deve ter atingido o alvo, gozando a malícia que deve ter feito alguém sofrer...
                 Sorriso, sorriso mesmo, como eu o entendo, vem de dentro. Do fundo da alma. Traduz alegria, compreensão, amor e paz.
                 Nos meus idos tempos de professor de Português, em Barbosa Ferraz, cidadezinha maneira no interior do Paraná, eu dizia aos meus alunos que o sorriso, o riso e a risada ruidosa são sinônimos. São irmãos. 
                 Há distinções, é evidente. O riso é mais aberto, mais ruidoso, lembrando festa. Quando meu time do coração, o Jabaquara, metia um belo gol no Juventus, não me satisfazia sorrir; tinha que haver o brado de surpresa, de alegria, seguido de boas risadas de felicidade...
                 Sorri minha esposa Cleusa, quando preparou uma sobremesa gostosa no almoço, e nota como eu soube apreciar seus dons de ótima cozinheira, sua boa vontade em alegrar o marido...
                 Sorri o operário que pinta as paredes de meu sobrado, com rapidez e segurança, mostrando sua maestria no manejo do pincel, e na combinação das tintas...
                Você, benévolo leitor, já acompanhou o sorriso de namorados que se acham em pleno enlevo no seu amor mútuo? Ele pode mostrar não importa o quê, ela pode responder seja lá o que for: tudo é pretexto para risos e sorrisos celestiais...
                Dizem as más línguas que é mau sinal andar falando sozinho... E eu, do meu lado, confesso que sorrio muito sozinho.  Quando o céu de minha Curitiba  -  o que infelizmente não acontece todo dia  -  está quase exagerando de tanta beleza; quando em nosso pequeno jardim doméstico desabrocham flores que poderiam participar de exposição em qualquer planeta; quando surgem as primeiras estrelas...                                                                                                                                                      Quando nas manhãs de domingo vou à feira, e nas bancas suas frutas recém-colhidas são uma tentação para quem tem filme colorido; quando encontro uma senhora grávida e penso na criancinha que logo, logo, vai assistir a prodígios incomparavelmente maiores do que a energia nuclear e a viagem interplanetária, para as estrelas;
               Quando encontro sinais visíveis da ação do Pai de todos os pais, ou até as marcas da ação do homem, como sócio do Pai, como co-Criador com Ele, aí eu sorrio, sorrio, sorrio!...
               Portanto, benévolo leitor,  se este texto lhe desagradou, desamarre seu rosto. Não pense que cara séria o tornará mais palatável. Dê-me um crédito de confiança. Cara feia, para o povão, não é tanto falta de beleza: é cara enjoada, enfezada, cara de poucos amigos...
              Não trinque os dentes. Não cerre os lábios. Deixe que eles se abram felizes, sorrindo para tudo e para todos, para os homens, para as mulheres. E, principalmente, sorrindo para Deus!

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sexta-feira, 2 de outubro de 2015

A ANGÚSTIA DO HOMEM MODERNO



            Bloqueado pela soma das invenções técnicas e, posso dizer, por suas próprias criações, o homem de hoje, apesar das brechas que lhe consintam entrever perspectivas promissoras de realização grandiosa em todos os setores da vida moderna, se encontra emaranhado em aguda problemática, cuja solução se coloca em termos de sobrevivência ou não-sobrevivência.
            O homem de hoje, homem tragicamente em crise,  "o homem nu", título de livro famoso de Fernando Sabino, apela por uma "saída honrosa", que não lhe manche a dignidade de ser livre e responsável.
            Entretanto, forças inusitadas lhe pressionam a exigência de soluções efetivas e rápidas, por assim dizer "super-cerebralizadas", para esquemas negativos montados por ele mesmo.
            Parece-me que o homem moderno se criou problemas e perigos que clamam por riscos imprevistos e imprevisíveis. E tal situação se refaz tanto mais angustiante, quanto mais aguda se torna a realidade de ter o homem lançado à fogueira todos os esquemas de segurança que o passado lhe legou.
            Hoje, repito, o homem é "o homem nu" despojado de segurança, porque saboreou os frutos nocivos da árvore da ciência. No Antigo Testamento, Israel se agarrava ao "rochedo de salvação"; 
hoje, os cristãos da Nova Aliança puseram sua esperança na Cruz.
            E ao homem deste século, o que lhe resta?
            Que Fé, que Esperança, que Salvação? Que máquina, supermáquina ou possantes computadores conseguirão dissolver a angústia que lhe torna frustrante e vazia a existência?
            Charles Moeller, perito do Concílio Ecumênico Vaticano II, e um dos redatores da "Constituição Apostólica Gaudium et Spes" do mesmo Concílio, escreveu que a Igreja sabe perfeitamente que sua mensagem concorda com as aspirações mais íntimas do coração humano, quando lhe reivindica  a dignidade de sua vocação, restituindo-lhe a esperança de um destino mais algo, além das agruras desta vida.
            E esta mensagem da Igreja, dedicada a toda a humanidade, crente ou descrente, longe de  diminuir a liberdade e a dignidade do homem, derrama luz, vida e liberdade para o seu progresso terreno e espiritual.
            Nada além disto pode satisfazer o coração humano, a não ser que se tornem o sal de sua vida, estas palavras de Santo Agostinho, Doutor da Igreja:
            - "Fizestes-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração permanece inquieto, enquanto em Vós não descansar."
                       
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