quarta-feira, 28 de outubro de 2015

"O SILÊNCIO DE DEUS" E A BLASFÊMIA FINAL



            A imprensa publicou recentemente pesquisa realizada nas capitais brasileiras sobre o número de suicídios ocorridos nessas metrópoles, e o resultado, de certa maneira, foi animador, pois se verificou uma relativa queda no índice desse tipo de óbitos. Infelizmente, não se informaram as eventuais causas que provocaram tal declínio. (Lembro que um de meus filhos se suicidou, e até hoje os motivos que o levaram a esse desenlace nos são desconhecidos).
            Como quer que seja, creio que, dentro do mistério do mal presente no mundo, a verdade é que homem e mulher não conseguem fazer todo o mal que desejam, sem que se levante dentro de si mesmos um protesto, no recesso de suas almas, quando dolorosas circunstâncias da vida os esmagam por todos os lados, e surge de repente no seu espírito conturbado a reação extrema de livrar-se de todos os padecimentos pondo fim à própria vida.
            Que misteriosa realidade é  essa, oculta no fundo do ódio, que frequentes vezes os imobiliza e impede que levem a cabo esse intento desesperado?
            Por que não conseguem erguer a mão contra si mesmos, no suicídio, sem sentir que atentam contra uma realidade sagrada que é o dom da vida, dada gratuitamente a nós pela Providência de Deus?
            Por que motivo o eventual suicida pode sentir, apesar das razões subjetivas que justificam o desejo de destruir, de aniquilar o mundo e a si próprio, que o crime dos crimes seria justamente esse ato tresloucado que pretende realizar?
            De onde provém este ilogismo súbito escondido no âmago de um raciocínio que parecia  fechado em si mesmo? Não será "o silêncio de Deus" a última e definitiva palavra do Universo? Este Universo será alguém?
            Sim, é preciso sacudir a lógica humana, passar para o outro lado da cortina e descobrir que "o silêncio de Deus" é a voz de Deus; que a aparente ausência de Deus, para nós, é a Sua presença mais profunda, porque no auge do crime é que a Sua misericórdia lança os apelos mais prementes... Sim, Deus entregou-se aos pecados de homem e de mulher, porque não se pode pagar ódio com ódio, sem saber que, no ódio, se odeia a Deus...
             A presença misteriosa de Deus num mundo devastado pelo pecado é a Graça de Deus, que estará em agonia até o fim do mundo, fim esse que ocorre em nós mesmos,  dentro do mistério da morte e da nossa ressurreição, ressurreição esta que ocorre no próprio instante da morte, tese que defendo já há muito tempo, perfilhando doutrina que aprendi com meu mestre de Teologia, o teólogo Leonardo Boff.
             Num sentido profundamente misterioso, o mundo que sofre por causa de nossos pecados é o próprio Deus que sofre por nós. Esta presença divina em nós compõe o tecido mais secreto do nosso ser; é a infância escondida dentro de nós, para além do tempo, e nenhum dos nossos inumeráveis pecados a pode destruir inteiramente, enquanto houver em nós um lampejo de vida.
             Esse cândido santuário que é a imagem de Deus em nós, dizem os teólogos que ela é indestrutível. É a pedra sagrada que nenhuma desgraça, nenhum cataclisma, nenhum pecado pode totalmente deslocar, fazer ir pelos ares. No recôndito mais secreto de nossa alma, onde só Deus pode penetrar, não há lugar definitivo para o pecado, seja ele como for.
             A criança que vive em nós é a mesma que a Graça tenta incessantemente acordar para a grande claridade eterna. Basta-nos entrar no íntimo de nós mesmos para encontrar-se a alma que os escultores e os pintores da Idade Média representavam sob a forma de um menino. Essa única realidade intata no vasto desmoronamento é interior. Aí fala Deus, pela voz da piedade e da misericórdia. Pede-nos que tenhamos piedade desse menino que chora em nós, porque esse menino é uma partícula dEle mesmo, a centelha que Ele colocou em nosso coração.
            É preciso, portanto, não fugir ao "silêncio de Deus", ocultar-se no absurdo aparente do mundo; devemos ir ao âmago das coisas, quando então ouviremos uma voz dizer-nos que é preciso amar apesar de todos os horrores.
            Quem não ouve essa voz, e entrega-se ao mal que o arrasta, acaba por precipitar-se brutalmente no vácuo, no nada do suicídio, que é a blasfêmia final. Entretanto, mesmo assim nem tudo está perdido: no centro mesmo do último pecado de desespero, no desafio lúcido e consciente da condenação, "entre o estribo e o chão"  -  maravilhosa intuição do romancista inglês Graham Greene -, ainda se pode ouvir o derradeiro apelo e talvez a salvação de Deus/Pai/Mãe misericordioso. Meu filho Júlio suicidou-se tomando uma beberagem letal, e enquanto esperava o fim, ligou o celular e despediu-se de minha neta, de quem foi padrinho de Batismo. Creio firmemente que este foi o "estribo e o chão" que lhe trouxe a salvação, por ter sido um "ato humano" saído do fundo de seu coração, e que por esse gesto a misericórdia imensa de Deus se fez presente e o salvou da perdição eterna.
            É preciso esperar e confiar em Deus, porque Ele é fiel, apesar de todas as nossas infidelidades.

            
              
              
             
             
            

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