segunda-feira, 28 de julho de 2014

AMOR IMORTAL


               (Em memória de minha filha Raquel, falecida em 21 de agosto de 2010)


                                         Sete anos de pastor Jacó servia
                                         Labão, pai de Raquel, serrana bela;
                                         Mas não servia ao pai, servia a ela,
                                         E a ela só por prêmio pretendia.

                                                              Os dias, na esperança de um só dia
                                                              Passava, contentando-se com vê-la.
                                                              Porém o pai, usando de cautela,
                                                              Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

                                         Vendo o triste pastor que, com enganos
                                         Assim, lhe era negada sua pastora,
                                         Como se a não tivera merecida,

                                                              Começa a servir outros sete anos,
                                                              Dizendo: "Mais servira, se não fora
                                                              Para tão grande amor tão curta a vida!"

               (Soneto de Luiz de Camões, um dos mais belos da Língua Portuguesa).

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                Raquel, do hebraico "rahel" = ovelha, na genealogia bíblica.

                Raquel foi mãe de José e de Benjamim, em cujo nascimento ela morreu. Foi  sepultada no caminho entre Betel e Éfrata, como nos informa a Bíblia.
                Era filha do arameu Labão, irmão da matriarca Rebeca, e pertencia à linhagem de Abraão. Pastora, bonita de corpo e de rosto., Raquel conheceu Jacó à beira do poço da aldeia, e os dois se apaixonaram logo à primeira vista. Labão contratou Jacó para trabalhar durante sete anos para ele, em troca da mão da filha. Começou deste modo a história da origem das doze tribos de Israel, o Povo de Deus.
                O trecho do Gênesis  30, 22-24 mostra-nos Raquel como mãe de José, o patriarca de uma grande tribo israelita:
                - "Então Deus Se lembrou de Raquel. Deus a atendeu, tornando-a fecunda. Ela concebeu e deu à luz um filho, e disse: - Deus retirou a minha desonra. -  Ela lhe deu o nome de José, pois disse:  - Que o Senhor me dê mais um filho".
                A história de Raquel revela que os filhos de Jacó e de Raquel nasceram sempre com a ajuda direta de Deus, que interveio na vida dela curando-lhe a esterilidade. Foi mãe de José, o patriarca da grande tribo que recebeu as bênçãos de Javé e que se destacou entre as demais tribos do povo hebreu.
               As duas mulheres de Jacó, Lia e Raquel, celebradas por Luís de Camões, tornaram-se mães dos doze filhos que deram origem às doze tribos de Israel. A bela história de Raquel e as sagas de seus filhos vêm narradas nos capítulos 29 a 31 do Gênesis.
               Jacó trabalhava havia sete anos para seu tio Labão. Seu "salário" seria o casamento com a prima mais jovem, Raquel. O astuto Labão, porém, seguindo os costumes da região, na noite de núpcias introduziu furtivamente na tenda nupcial a filha mais velha, Lia.
              O autor do Gênesis nos diz que Lia era "odiada", entretanto não revela quem a odiava. O pai a entregou a um homem que não a amava. A mulher que Jacó amava era realmente sua prima Raquel.
              Nas sociedades patriarcais judaicas a posição das mulheres era determinada pelo número de seus filhos. Assim aconteceu a Raquel. Com o nascimento de cada filho, ela esperava ganhar o amor de Jacó, mas em vão. Foi certamente mãe realizada, apesar de esposa mal-amada.
             Através de Lia e de Raquel, Jacó é pai dos doze filhos que estão na origem das doze tribos de  Israel. É por essa razão que a Bíblia narra com detalhes os nascimentos dos descendentes de Lia e de Raquel. Elas são as grandes matriarcas do  Povo de Deus. Infelizmente não havia meios para que Lia, a irmã mais velha e menos atraente, segurasse o amor de seu marido.
            Até o fim da vida Raquel é que foi a predileta de Jacó. E o filho dela, José, tornou-se também o predileto do pai, Jacó.
           Os doze filhos de Jacó receberam a bênção patriarcal, e todos serão relembrados enquanto o Povo de Israel caminhar nesta Terra, e a Bíblia continuar a ser lida e meditada pelo Povo Cristão.
           E concluindo:
           Assim como para o tão grande amor de sua filha Isabela, de seus pais, de seus irmãos Carlos e Aroldo Júnior, assim também foi tão curta a vida da Raquel, minha filha querida, que partiu para a Casa do Pai de todos os pais, com apenas 43 anos de idade.
          Mas, como a Raquel bíblica, que deixou filhos que foram a esperança e os fundamentos do Povo de Israel, assim também minha saudosa filha Raquel nos deixou a Isabela que, na sua radiosa adolescência, é a esperança e a alegria de seus velhos e sofridos avós.
          Descanse na paz do Senhor, minha filha Raquel!

                                         

quinta-feira, 24 de julho de 2014

CAMINHANDO PELOS CAMINHOS DE ABRAÃO...



            Ensina-nos a Teologia que Deus teria inúmeras maneiras de distribuir Seus dons.
            Se fosse um tímido, se Se prendesse a julgamentos precipitados e sem base, repartiria Seus dons em doses rigorosamente iguais para todos. Ninguém se poderia queixar: ninguém teria nada a mais, nada a menos. Tudo numerado, etiquetado, registrado...
            Seria indigno da imaginação criadora do Pai de todos os pais. Seria de incrível monotonia, como se todas as criaturas humanas tivessem o mesmo rosto ou todas as flores tivessem a mesma forma, a mesma cor, o mesmo perfume.
            Deus aceita o risco de parecer injusto. Ninguém deixa de receber, pelo menos, o indispensável. Mas há quem receba com largueza estonteante. No caso, eu me refiro às verdadeiras riquezas: às riquezas interiores, espirituais. E neste caso há os ricos de dons divinos, os privilegiados da Graça de Deus: os santos... e os que se põem  a caminho pelas sendas da Salvação.
            Deus muitas vezes nos parece injusto, mas não é. Pede mais de quem recebe mais. Quem recebe mais, recebe em função dos outros. Não é maior, nem melhor: é mais responsável pelo que recebe. Deve servir mais. Deve viver para servir ao seu próximo. É a mensagem do Evangelho.
            Há talvez quem se apresse a dizer, sem muita convicção e sinceridade, que o seu caso é o de quem recebeu - se recebeu, - apenas o essencial.
            O que importa não é pesar, medir, contar os dons recebidos. Não é ter recebido muito ou pouco. Importante é a firme decisão interior de responder ao máximo, e de servir.
            Sabemos que Deus, na Sua Providência, chama alguns. Convida-os a pular no escuro, deixar tudo, partir, caminhar. Prova-os, através de sacrifícios muitas vezes terríveis. Mas os sustenta, os encoraja, os fortalece com a Sua Graça. Dá-lhes a missão arriscada e bela de ser instrumentos  de apelos divinos.
            Encarrega-os de ser presença discreta, mas criativa, na hora decisiva das opções. Deus os faz animadores de caminhadas de outros, a muitos outros. Torna-os sinais de Deus, quando surgem as provações.
            Conta-nos a Bíblia Sagrada que Abraão foi chamado por Deus. E Abraão, ouvindo o chamado de Deus, não vacilou um instante. Tomou seu cajado e partiu. Caminhou. Enfrentou as provações do deserto.
Aprendeu, à própria custa, a despertar irmãos, em nome de Deus. A chamar, a encorajar. A colocar em marcha...
            Judeus, Cristãos e Muçulmanos, conhecem-lhe a história. Como se chamará, dentro das outras grandes religiões, o pai dos crentes, o animador das caminhadas?...
            Abraão recebeu muito? Sim, mas respondeu muito. Respondeu ao máximo. Serviu.
            Você, benévolo leitor, que talvez professe outra crença diferente da minha: por favor, vá traduzindo em sua linguagem o que venho dizendo na minha. Onde eu falo de Deus, quem sabe, talvez Você o traduza por Natureza, ou Evolução, ou Acaso.
             Não importa. Se Você intui, no seu íntimo, o desejo de responder às qualidades que possui; se o egoísmo lhe parece estreito e irrespirável; se experimenta fome e sede de Verdade, de Justiça e de Amor, saiba que pode e deve caminhar na mesma crença que me fortalece e me anima na caminhada. Sem saber e, talvez, sem querer, Você é peregrino em busca da Verdade, como eu também o sou.
             Considere-se meu irmão ou minha irmã. Aceite esta nossa fraternidade. Talvez nós nos entenderemos e poderemos caminhar juntos, e chegar à Fonte de toda a Verdade!

 

segunda-feira, 21 de julho de 2014

O SILÊNCIO DE DEUS



                O fato não permite contestação:
                O cristão consciente e atual  não tem um minuto de trégua, porque a verdade é que o silêncio de Deus pesa terrivelmente sobre nós. Os problemas surgem-nos ao mesmo tempo e de todos os pontos.
                E aqui me vem à mente a estória de Dom Malaquias, que eu gostaria de contar aqui, mas falta-me espaço. É bonita, e poder-se-iam contar muitas outras. Esta, por exemplo:
                Certa família gasta uma pequena fortuna para enviar um menino doente numa peregrinação a Aparecida, no interior paulista, com a esperança de obter a cura. Irmãos e irmãs, pais e amigos, todos rezam, fazem novenas, as comunidades religiosas  prodigalizam as suas preces e penitências.
                O menino não se cura e morre.
                Sei muito bem que o principal milagre de Aparecida reside justamente no fato  de que os que não se curam voltam para casa resignados e mais apegados a Deus.
                Se o milagre da estória de Dom Malaquias não converte os pecadores, uma cura miraculosa trombeteada pela imprensa e TV transforma a vida dos beneficiados. Mas, por que se cura este, e não se cura aquele outro?
                Mistério terrível da Providência Divina. Pode-se, e mesmo se deve dizer que a Fé daqueles que tudo sacrificaram para obter a cura de um filho, sem ser atendidos, é especialmente posta à prova por Deus.
                - "Pois se amas e agradas a Deus, terás de ser submetido à tentação", - lemos no Livro de Tobias.
                Aqueles cuja Fé foi submetida a mais duras provas com certeza estão mais perto de Deus, mais ativamente ocupados na redenção do mundo, do que aqueles que apenas sofrem as dificuldades clássicas do dia-a-dia; clamam - "Senhor! Senhor!" -  mas não entrarão talvez no Reino.
                Aquele que sofre e vê o seu sofrimento prolongar-se entrevê um Deus que julga melhor ainda que a melhor coisa dele conhecida no mundo: um filho seu. Esse, diz-nos a Fé, está muito próximo de Cristo.
                Mal ouso escrever estas linhas; elas são verdadeiras, mas a quem não experimentou em si mesmo semelhante desilusão, estas frases assemelham-se à "tagarelice banal de certas consolações sacerdotais"...
                 Deus sabe o que faz.Mas nós acreditamos não pedir demais, suplicando muitas vezes ao Senhor nosso Deus, que nos conceda uma dessas consolações visíveis, com que a nossa alma, que afinal de contas está encarnada em matéria débil, possa saciar-se um pouco para recuperar forças.
                 - "Deus recusa esta consolação aos seus melhores amigos!" -
                 A Bíblia inteira o clama, e sobretudo o Filho de Deus, Jesus Cristo, o qual pede que lhe seja afastado o cálice da dor, mas apesar de tudo o bebe, livremente, por amor!

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Aroldo Teixeira de Almeida é bacharel em Teologia pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Capital paulita.

                 
   

quinta-feira, 17 de julho de 2014

DIALOGANDO COM O EVENTUAL LEITOR...



               Você, meu eventual e benévolo leitor, me permite uma sugestão fraterna?
              Por mais cheia que lhe ande a vida, por mais ocupada, mais apressada, mais atravancada que ela lhe pareça,  -  tente descobrir  meios para rápidas escapadas que lhe permitam encontros, mesmo de segundos, com a Natureza.
              Isto lhe fará um bem enorme e derramará, no íntimo de Você, um pouco de paz para o resto do dia. Tenha olhos para o nascer do sol. Já reparou como nesta nossa Curitiba um tanto quanto fria para o meu gosto - vim da região de Ribeirão Preto, bastante quente - repito: já reparou como não há duas madrugadas iguais?
              Por que eu, Você, e muitas outras pessoas, não encontramos tempo para olhar as árvores, mesmo de passagem, mesmo de caminho pelas estradas e ruas da vida?
              Olhar as árvores: elas são mestras de paciência: oferecem sombras, oferecem frutas, acolhem os pássaros e, quase sempre, recebem pedradas da meninada; não raro, acabam sendo cortadas, quando o terreno se valoriza. E como elas nos ensinam a renascer a cada ano, com ânimo novo... Já reparou?
              Você já parou para pensar o quanto a água é nossa amiga, irmã, e está sempre disposta a ajudar-nos de mil maneiras? É tão bom um copo de água bem fria quando se está com sede... E tanto isso é verdade, que o próprio Senhor Jesus chegou a prometer uma recompensa eterna a quem mata a sede do próximo. E como é bom e salutar poder banhar-se diariamente, ou lavar as mãos, lavar os pés!...
              Mas água faz bem até para ser vista: se Você passar perto da praia, não se esqueça de olhar para a imensidão do mar. Se passar perto de rios, olhe as águas que correm mansas, ou contemple, por um instante, lavadeiras que ali lavam roupas ou crianças que se banham e brincam na água...
              Você já teve a pachorra de contemplar a luz que vem do alto, lá do céu?  Pois essa luz torna belas, transfigura, até as coisas mais simples: um caco de vidro parece até um brilhante valioso...
               Nunca se lembrou do ar que nos envolve, nos cerca, nos protege sem nada cobrar por isso, anônimo, prestativo?... Nem pensamos nele, e no entanto, sem ele, nem poderíamos viver. Só damos importância ao ar quando ele nos falta, na doença, no fim da vida, e caímos em agonia à procura dele...
               Já reparou na paciência com que a terra suporta o nosso peso? E nós pisamos sobre ela como se ela fosse nossa escrava e tivesse a obrigação de carregar-nos. Rasgamos a terra para plantar sementes ou abrir poços e estradas... E um dia, em lugar de guardar-nos rancor, ela nos receberá em seu seio e, nela, nosso corpo repousará, aguardando a Ressurreição!
               Permita-me um conselho, como irmão mais velho que sou: abra os olhos. Contemple o que eles vêem. Faça como as crianças, que chamam atenção para tudo, como se fossem as primeiras a descobrir as belezas do mundo: - "Olha lá! Olha lá!"
               Tenha olhos descobridores. Não deixe que a rotina do dia-a-dia lhe embote a vista. Um segundo de contemplação da Natureza derramará paz sobre o seu dia inteiro! E mais importante: fará Você lembrar-se que tudo isso é dom gratuito de Nosso Pai, o Pai de todos os pais!

segunda-feira, 14 de julho de 2014

MEDITAÇÕES Á MODA DE PÍLULAS...



            1 - Aqueles a quem Deus nosso Pai pede a mais perfeita esperança devem olhar de perto seus pecados. Quer isso dizer que devem deixar o Senhor Jesus focalizar Sua luz repentinamente sobre os mais escuros recantos da própria alma - não que eles devam fazer a caça ao que não compreendem.
            Procurar demasiadamente entender aquilo que, precisamente, deveríamos de fato encontrar. Nem é muito certo que tenhamos qualquer obrigação urgente de encontrar o pecado em nós.
            Deveríamos, antes, perguntar:
            Quanto pecado nos é ocultado por Deus, em Sua misericórdia? 
            Mesmo porque Ele o esconde a Seus próprios olhos!

            2 - Eis a nossa glória e nossa esperança: somos o Corpo de Cristo.
            Cristo nos ama e se une a nós, pela Eucaristia, em Sua própria carne. 
            Não nos basta isto?
            Mas, em realidade, não cremos suficientemente nisso.
            Em nossa mediocridade, contentemo-nos! Contentemo-nos!
            Somos o Corpo de Cristo! Nós O encontramos porque ELE nos procurou.
            Deus veio ao mundo para fazer Sua morada em nós, em seres pecadores.
            Nada mais há a procurar; só podemos voltar-nos para Ele inteiramente, ali onde Ele já está presente.
            Aquietar-nos e ver e reconhecer que Ele é Deus.

            3 - Ontem, limpando meu quintal, tive que matar uma grande, luzente aranha preta em seu ninho numa velha casca de árvore apodrecida. Era uma bela aranha, mais bela do que a maioria de outras espécies.
            Achei que faria bem em matá-la, pois me havia sentado, para ler minha Bíblia, logo ao lado da casca onde ela se achava. Minha netinha órfã que mora conosco poderia fazer o mesmo e ser mordida.
            É estranho estar tão perto de algo que nos pode matar e não ser defendido por qualquer tipo de invenção. Como se, em qualquer lugar onde na vida houvesse um problema, alguma máquina tivesse que acudir e, precedendo-nos, providenciar.
            Como se não pudéssemos lidar com as coisas sérias da vida, a não ser por intermédio desses anjos, nossas invenções.
            Como se a vida e a morte nada fossem. Como se toda a realidade estivesse nas invenções colocadas entre nós e o mundo. As invenções que se tornaram nosso mundo...
            Daí, ser necessária certa prudência no uso das máquinas, e não podemos desculpar tanto os meios como os fins maus, invocando o conceito do "sobrenatural".
            O dito frequente de que "a Graça Divina supõe a natureza" tem sido frequentemente mal empregado. No entanto, permanece o fato de que, se nada restar da natureza, não haverá apoio para a Graça; nada haverá para ser santificado e consagrado a Deus.
             E isso não é consagração, mas profanação do templo de nosso ser.

             4 - Me parece que seria fácil e consolador poder dizer a qualquer momento:
             "Isto que estou fazendo é considerado, por qualquer crente, um ato perfeito, como algo que tem valor autêntico e indiscutível aos olhos de Deus".
             Entretanto, teriam a paz e a consolação, sentidas por mim, forçosamente algo a ver com Deus? Não poderia isso, afinal, revelar-se uma ilusão tanto mais enganadora por causa da aparência de segurança? 
             Abandonar-se à autoridade da opinião geral: "Dizem eles que..."
             Mas o que sabem "eles"?
             Como são frágeis nossas consciências..  Fechamos os olhos. Conformamo-nos a "eles". Estamos em paz porque somos o que "eles dizem"  que devemos ser.
             Quando Cristo Nosso Senhor foi pregado na Cruz, "eles" estavam certos de que Ele era blasfemador e rebelde à Lei, e os próprios Apóstolos não tiveram a coragem de opor-se a "eles"...

             5 - Outro dia, lendo um comentário sobre certo trecho bíblico, encontrei a lembrança de um santo bispo que, na hora da morte, retirou os paramentos pontificais e "desceu da cama..."
             Morreu deitado no chão, o que não deixa de ser um ato edificante.
             Mas assalta-me um pormenor, refletindo no fato de estar ele revestido com as vestes pontificais "na cama..."
              Pontífices! Pontífices!
              Somos todos pontífices, fazendo  arengas uns para os outros, agitando nossos báculos e mitras uns para os outros, dogmatizando, ameaçando supostas heresias com anátemas e condenações!

              6 - Recebi dias atrás uma carta oficial carimbada com o slogan: - "O exército brasileiro, chave da paz".
              Exército algum é chave para a paz. Nem o exército brasileiro, nem o exército americano, nem o exército chinês.  Nenhuma "grande potência" possui a chave seja para o que for, a não ser a guerra.
              O poder militar nada tem a ver com a paz.
              Quanto mais as nações constroem a potência militar, tanto mais violam a paz e a destroem.

               7 - Gandhi, certa vez, deixou no ar a seguinte pergunta:
               "Como pode ser humanamente fraternal o homem que pensa possuir a verdade absoluta?"
                Sejamos francos sobre isso: na história secular do Cristianismo surge esta pergunta repetidas vezes. Daí, o problema:
                Deus revelou-Se aos homens em Cristo, mas revelou-Se primeiramente como Amor. A verdade "absoluta", portanto, deve ser abraçada como Amor. Logo, não de maneira a excluir o Amor em certas circunstâncias limitadas.
                Só quem ama de verdade pode estar seguro de se manter em contato com a verdade que é, de fato, demasiadamente absoluta para ser abraçada por nossa mente.
                 Em consequência, se nos apegamos firmemente à verdade do Evangelho, podemos temer perder a verdade não por falta de Amor, não por falta de conhecimento. Neste caso, é humilde e, portanto, sábio.
                 O fato é que "scientia inflat".
                 A ciência incha homem e mulher como um balão, e lhes dá uma plenitude precária, fazendo-os pensar ter em si próprios todas as dimensões de uma verdade cuja totalidade é negada a outros.
                 Homem e mulher então passam a crer que é seu dever, em virtude do conhecimento superior que possuem, punir os que não participam dessa mesma verdade.
                 E eu me pergunto:
                 Como pode "amar" os outros - pensam homem e mulher - senão impondo-lhes a verdade que, sem isso, haveriam de insultar ou negligenciar?
                  Essa é a tentação que nos assalta com muita frequência...

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sexta-feira, 11 de julho de 2014

DESINSTALA-ME, SENHOR!



          Todos nós conhecemos alguém - principalmente se forem escritores e artistas  - que têm a sua mesa de trabalho desarrumadíssima... Mas o curioso é que eles se entendem e se acham bem naquela desarrumação toda... Aquilo é desarrumação para os outros, não para eles mesmos...
          Quando minha esposa ou minha neta adolescente se põem, com a melhor das boas vontades, a arrumar minha mesa de trabalho ou a minha estante de livros, elas se perdem, completamente!
           É aqui que eu me lembr do Senhor nosso Deus, que costuma nos desarrumar de todo, mas depois, para felicidade nossa, nos torna a arrumar, como ninguém é capaz de fazer igual...
           Justamente por isso é que me atrevi a escrever estes mal feitos versos:

                                      Senhor, por que Tu desarrumas o meu comodismo?
                                      Com isso, Tu abalas minha confiança em mim mesmo
                                      Caçoas do meu orgulho desmedido
                                      Deitas por terra
                                      meus planos, meus sonhos mirabolantes, minhas ambições...
                                      Quando tudo me parece perdido
                                      lá vens Tu
                                      e rearrumas tudo
                                      com tal inteligência
                                      e tanto amor
                                      como se não tivesses outra tarefa
                                      no mundo
                                      a não ser cuidar de mim,
                                      Senhor Deus do Universo!

           Que grande Graça Deus nos dá quando Ele desarruma o nosso comodismo!
           Como eu me instalo, desarrumadamente, na vida! Como me agarro facilmente aos meus vícios!
           Fico parecendo essas árvores que espalham galhos e raízes por toda parte...
           E aí é que considero uma grande Graça quando Deus abala minha confiança em mim mesmo!
           Lembro-de uma palavra de São Paulo que descobri outro dia em minha Bíblia:
           - "Quando estou fraco, então é que estou forte! Quando confio na minha força -  (que na verdade, não existe, é ilusão, pura fraqueza), então me invade a força de Deus."
           É grande Graça de Deus ter o orgulho partido ao meio, quebrado, destroçado... Consegui descobrir que Deus tem paciência com todas as nossas faltas, menos com o orgulho. Quem é orgulhoso parece não precisar de ninguém, nem de Deus. Confia nas próprias pernas, na própria cabeça. E isso é ruim.
           Creio que é grande mal pensar que me basto a mim mesmo. Porque sei que Deus - não para me castigar, mas para me abrir os olhos - permite que eu caminhe sozinho, aos tropeções, até que eu tome consciência de que sozinho não posso nada...
           O mais doloroso é quando Deus põe por terra minhas ambições, meus sonhos, meus planos... Aliás, lembro-me que Deus gosta de fazer comigo o que fez com o patriarca Abraão, conforme está lá na Bíblia Sagrada.
           Quando consigo enxergar por trás dos acontecimentos do dia-a-dia a Providência Divina, que sabe tirar o bem do próprio mal; então, quando tudo parece perdido para mim, sem remédio, Deus - como se não tivesse outra tarefa a fazer - Ele mesmo me desarruma, me faz entender como sou fraco e necessitado de ajuda...
           Ao me desarrumar dessa maneira, Deus faz que meus planos falhos se corrijam, se consolidem. Meus sonhos deixam de ser pura ilusão e se tornam mais audaciosos, sintonizando-se com os planos de Deus. Assim, meus planos de vida, longe de fraudarem os planos divinos, me levam a dar glória ao meu Senhor e meu Pai!
       

terça-feira, 8 de julho de 2014

DA NECESSIDADE DE FAZER TUDO BEM FEITO



              É preciso
              dar o máximo
              trabalhar sempre com alma
              quer se trate
              de conduzir às estrelas
              uma nave espacial
              ou de fazer
              uma humilde ponta de lápis...
                                                   
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              - "Ele passou a vida fazendo o bem..."

              Fazer tudo bem: este é um dos maiores louvores que os Evangelhos fazem do Senhor Jesus Cristo.
              Seguidores que somos dEle, é preciso que não façamos nada mal feito, mal acabado. Saibamos que nenhum trabalho desonra e todo e qualquer trabalho pode ser um hino de louvor a Deus.
              Certo dia, na frente de minha casa, um servidor da limpeza pública carregava um latão de lixo que tinha um cheiro insuportável. Esperei que ele jogasse o lixo no caminhão, e me aproximei para apertar-lhe a mão. Ele não queria, de modo algum, que eu lhe segurasse a mão, dizendo que ela estava suja.
               Expliquei-lhe, com absoluta sinceridade, que trabalho nenhum suja a mão de quem trabalha. O que suja as mãos é roubar, derramar sangue do próximo, não trabalhar por falta de coragem e malandragem... Claro que não trabalhar sem culpa, depois de andar por Curitiba toda em busca de trabalho, não é desonra nenhuma: é sofrimento! E bota sofrimento nisso!...
               Estava eu semana passada na Praça Tiradentes, e um garoto insistiu que eu o deixasse engraxar meus sapatos, um tanto empoeirados com o pó das ruas. Querendo ajudá-lo, deixei. Confesso que fiquei comovido. Tão criança ainda, na idade em que as crianças brincam e vão à escola, e ali estava ele, conquistando honestamente, o dinheirinho para ajudar a avó enferma - me disse - de quem era o único arrimo. E como deixou brilhantes os meus sapatos!
             Aqui, voltei a meditar:
             Se depender só de mim, que eu não faça nada mal feito. Tenho que fazer uma ponta no lápis com que escrevo? Que ela não saia rombuda e feia...
             E Você, minha amiga, que trabalha na cozinha? Por mais pobre que seja sua Família, tome conta das panelas como certamente Nossa Senhora faria, em casa de sua prima Isabel e na sua própria casa em Nazaré, na companhia de Jesus menino e do esposo José..
             Não é só trabalho importante que deve ser feito com alma.
             Em um hospital, não basta que o médico seja fabuloso: a telefonista tem que estar alerta; o pessoal da portaria tem que ser acolhedor e amigo; as enfermeiras e ajudantes de enfermagem, os serventes, a turma da limpeza e da cozinha. Todos e todas têm que dar o seu máximo!
             Como o mundo ao nosso redor seria outro, se cada um de nós desse conta de seu dever, sem jogar o trabalho em cima dos outros; sem desleixar, sem "fazer cera", sem enrolação...
             O mundo tomaria jeito diferente, se cada um de nós, em trabalho importante ou simples, compreendido ou incompreendido, cumprisse o dever com toda a alma.
             Erros, injustiças, a gente procura reclamar na hora exata. Mas só tem força moral para reclamar, quem cumpre seu dever para ninguém botar defeito.
            Só é invencível, quem sabe sentir-se dentro dos planos de Deus, participando do trabalho sagrado de dominar a Natureza, de completar a Criação, sendo co-criador com Deus!
           
     

sábado, 5 de julho de 2014

A PARÁBOLA DA FLOR QUE NASCEU NO FUNDO DA MATA


             A estória não é minha, mas tomei-a emprestada do holandês Carlos Mesters, que encontrei lendo seu primoroso livro "Flor Sem Defesa", publicado em 1983, pela Editora Vozes, de Petrópolis, RJ.
            Diz Carlos Mesters que uma flor nasceu no fundo do mato. E que era uma flor diferente das flores que todos conhecem. E explica ele que todos que dessa estranha flor tiveram notícia quiseram saber de que flor se tratava, pois queriam ajudá-la no seu crescimento.
            Para isso, convidaram a flor para vir mostrar a eles suas cores e espalhar seu perfume no meio daquela roda de gente amiga, que tinham espalhado ao vento a semente da flor.
            E a flor, num milagre inaudito da Natureza criada por Deus, não soube recusar o convite, e veio mostrar suas cores e espalhar seu perfume junto àqueles que a procuravam.
            Pediram à flor que lhes dissesse o seu nome, pois era uma flor que eles nunca tinham conhecido. Mas a flor, na sua humilde simplicidade, não soube dizer seu nome. Ela apenas lhes disse: - "Sou Flor"...
mostrando a eles um sorriso que os desarmou.
            Olharam-na mais de perto, fizeram-lhe mil e uma perguntas, mas não conseguiram descobrir de que espécie era essa flor tão misteriosa. Diante disso, eles lhe disseram:
            - "És flor. Portanto volta para o mato de onde vieste e cresce por lá. Espalha o teu perfume pelo sertão a dentro, até que a cidade se limpe de seu ar abafado."
            A flor, que é um ser humilde e simples, não ficou zangada. Voltou para o sertão e continuou a crescer por lá mesmo.
            Mas os homens e as mulheres ficaram preocupados com o destino da flor. E diziam uns para os outros:
            - "Pobre flor! Ela é muito fraca! Não tem nenhuma defesa! Só sabe dizer que é flor! Como pode crescer sozinha, lá no sertão?" 
            Acontece que a flor, ao voltar para o sertão, deixou uma gota de sua seiva na mão de todos que a tocaram. Como a coisa se passou à noite, eles não puderam ver a mancha que lhes ficou na mão. Só dava para sentir que era algo pegajoso.
            Um deles aproximou-se da luz, para ver o que era. Foi aí que se descobriu o segredo da flor. A gota de seiva era de sangue! Sangue de séculos que um dia germinou em flor!
            E a flor, lá no fundo escuro da mata, pensava consigo mesma:
            - "Deixei a mancha de meu sangue na mão de todos. E eles vão descobri-la quando a luz da aurora chegar..."
            Um daqueles homens, noite ainda, saiu de seu rancho. Foi sertão a dentro, e ficou andando por lá até que saísse uma gota de sangue de seus pés nus e cansados. Aí ele parou de caminhar e sentou-se numa pedra, esperando a aurora chegar. E disse à gota de sangue que sentia em seus pés:
            - "Alimenta,  meu sangue, a flor que nasceu no fundo deste mato. Pois ela é uma flor diferente das flores que todos conhecem. Ela é a Flor sem defesa, mas é muito mais forte que a mão que quiser cortá-la!... Flor, que transformas sangue em adubo! És mais forte que a mão que te corta!  Mais duradoura que a idéia que te define! Mais nítida ainda que a pintura que retrata teu rosto! Já cresce no mundo o medo de ti, Flor sem defesa!"

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...e a parábola da flor que nasceu no fundo da mata parou aí, e eu não pude descobrir se ela continuou ou se terminou ali mesmo...
   Só perguntando ao Carlos Mesters, o autor da estória, mas ele é holandês, sei que morou no Brasil, mas onde encontrá-lo agora?
   Fiquemos, portanto, com a bela estória da flor que nasceu no fundo da mata, e deixemos o resto para a imaginação daqueles que gostam de contar ou ouvir estórias desse tipo...

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quinta-feira, 3 de julho de 2014

LAVADEIRA, TU LAVAS O REINO DE DEUS



          Durante trinta anos residi em Barbosa Ferraz, pequena cidade do interior paranaense, nas proximidades de Campo Mourão. Dois rios banhavam o Município, e um deles, o menor, o rio Corumbataí, era raso e corria sobre um largo solo de pedra, e às suas margens vinham as lavadeiras das redondezas lavar suas trouxas de roupas.
         Eu passava sempre por ali, e todas as vezes em que passava, lá estavam elas, ajoelhadas, esfregando peças e mais peças de roupas, que estendiam sobre as pedras, esperando que enxugassem sob o calor do sol e do solo pedregoso, quase que numa só laje, a perder de vista.
          E eu me perguntava: será que nas cidades maiores as lavadeiras irão desaparecer? As lavanderias e as máquinas de lavar acabarão por superar a figura profundamente humana e sofredora das lavadeiras?
          A lavadeira vive entregando a roupa lavada e passada a ferro em brasa, e trazendo nova leva de roupa a ser lavada, dia após dia, exceto nos dias de chuva.
          Roupa lavada, Deus sabe à custa de quanto sacrifício. A lei da lavadeira é esta:  tudo e todos podem se molhar até os ossos, mas a roupa da freguesia tem que ser entregue sequinha e sem manchas. Que trabalho, descobrir no leito pedregoso do rio um lugar suficientemente espaçoso, raso, limpo, com uma boa grama por perto, onde a roupa devia ser estendida para "quarar", para secar...
           Pode não ser muito higiênico, mas dá saudade encontrar, hoje em dia, roupa estendida no chão por onde, não raro, galinhas, quando não cachorros ou porcos, aparecem de vez em quando, pondo em risco a roupa já lavada.
           Usa-se também estender a roupa lavada em cercas, se houver, muitas vezes de arame farpado, que costuma deixar pequenos furos nos tecidos, quando não nas mãos e dedos da lavadeira distraída...
            Quando faltam o "quarador" e a cerca, o jeito é pendurar como puder, o que me lembra uma passagem do inesquecível "Chão de Estrelas":

                                       "...nossas roupas comuns dependuradas
                                       na corda, qual bandeiras agitadas
                                       pareciam um estranho festival..."

           É incrível o que, ainda hoje, ganha uma lavadeira de beira de rio!... E qual será maior: a trabalheira para lavar? ou a luta dentro do pequeno barraco para passar o ferro cheio de carvão aceso, ou o esforço para apanhar e entregar a enorme trouxa, vergando o corpo de quem a carrega?
           Heroína sem nome nos jornais, no rádio ou na TV, tu tens um trabalho cuja dignidade e cuja remuneração adequada precisamos ajudar a defender... Hoje, na cidade grande onde estou, e onde não existem mais lavadeiras de beira de rio, eu me contento em lembrar a beleza de tua missão: lavar, passar, dobrar, entregar!
           No meio das tuas canseiras, lembra-te de que a Mãe de Jesus e nossa Mãe, Maria, Nossa Senhora, também foi lavadeira em casa de sua prima Isabel e na Casa humilde e abençoada de Nazaré, na companhia de José e de Jesus Menino...
           Quem me dera que todos tivessem roupa a ser lavada!... Há um dito popular que é um anseio compreensível, mas injusto: "pobre, mas limpo!..."
            E eu completo o dito com o preconceito íntimo de achar respeitável e digno quem chega bem vestido, e considerar maloqueiro, maconheiro e ladrão de galinhas quem anda sujo e descalço, porque é pobre...
            Para andar limpo é preciso ter água e roupa limpa para se vestir; lembrando que mais de dois terços do Mundo vivem na miséria e na impossibilidade física de limpeza.
            Daí, nós, os limpos de cidade grande, precisamos lavar injustiças, limpar egoísmos, como o melhor dos caminhos para que cada um e cada uma de nós tenha o gosto de andar limpo de roupa, de corpo, e principalmente de alma limpa!