segunda-feira, 27 de julho de 2015

A PRECE NOSSA DE CADA DIA



            Minha prece de cada dia, na "Liturgia das Horas", não deve ser palavra que divide, pois sei que há quem  nela creia e nela se apoie, como eu nela creio e nela me apoie nas várias horas do dia.
            Todos fazemos nossas preces, no sentido de manifestarmos ao Pai de todos os pais nossos desejos mais íntimos e mais profundos.
             Que prece poderá fazer em comum minha família e eu, católicos que somos, para além das divisões que infelizmente separam e se distanciam os cristãos entre si?
              É preciso então que meus olhos se abram e que eu mesmo comece a superar o próprio egoísmo, sair de mim mesmo e me dedicar de vez, à custa de quaisquer sacrifícios, a esforçar-me para que o espectro do divisionismo não aja sobre mim.
              Que meu ideal seja, apesar de minhas diminutas forças, permanecer fiel à Fé que meus saudosos pais me legaram, e possa eu também transmiti-la a meus filhos e netos.
              Que eu me acostume a olhar em volta para descobrir irmãos e irmãs, marcados pela mesma vocação de dizer adeus ao comodismo e de marcar encontro com todos os que têm fome de verdade e comigo juraram dedicar a vida tentando abrir, através da justiça e do amor, caminhos para o entendimento e a paz.
              Que eu, na minha comunidade religiosa, não perca tempo em discutir eventuais divergências, e tenha presente sempre que o importante para todos nós, crentes, seja unir-nos e caminhar, firmes, para o nosso objetivo comum, que é crescer na Fé e no serviço a nossos irmãos.
              Que todos nós sejamos capazes do máximo de firmeza, sem cair no ódio, e do máximo de compreensão mútua, sem cair na conivência com o mal do divisionismo.
              E que, dando uns e outros as mãos, nos acostumemos a fazer nossa a prece de Francisco de Assis, e seja ideal de nossa vida concretizá-la em todos os nossos atos do dia-a-dia:

                                     Senhor, fazei de mim um instrumento de vossa paz!
                                     para onde há ódio, que eu traga o amor
                                     para onde há ofensa, que eu traga o perdão
                                     para onde há discórdia, que eu traga a união
                                     para onde há erro, que traga a verdade
                                     para onde há dúvida, que eu traga a Fé
                                    para onde há desespero, que eu traga a esperança
                                    para onde há trevas, que eu traga a luz
                                    para onde há tristeza, que eu traga a alegria 

                                                        Ó Mestre, possa eu preferir
                                                        consolar, que ser consolado
                                                        compreender, que ser compreendido
                                                        amar, que ser amado

                                   porque sei
                                  que é dando que se recebe
                                  que é no auto-esquecimento que se pode encontrar
                                  é perdoando que se é perdoado
                                  é morrendo que se ressuscita para a Vida Eterna!
                                  Que assim seja! Amém!


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Aroldo Teixeira de Almeida, professor aposentado do Quadro Próprio do Magistério Paranaense.

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quinta-feira, 23 de julho de 2015

"...e por falar em protestantes..."


            Posso estar enganado em minhas conclusões, mas o gênio religioso da Reforma Protestante, levada a cabo por Martinho Lutero e outros, está em sua luta com o problema da justificação, em toda a sua profundidade teológica. O grande problema cristão é a conversão de homem e mulher e sua restauração à Graça de Deus mediante o Senhor Jesus.
             E essa questão, em sua forma mais simples, no meu entender, é a conversão dos maus e dos pecadores a Cristo. Mas o protestantismo levantou essa mesma pergunta novamente, em sua forma mais radical   -   e quanto à conversão muito mais difícil e problemática dos piedosos e dos bons.
             É evidentemente fácil converter o pecador, mas os bons frequentemente são de todo inconvertíveis, simplesmente por que não veem nenhuma necessidade de conversão.
             Assim,  o gênio do protestantismo focalizou, desde o início, as ambiguidades contidas no "ser bom" e "ser salvo" ou "pertencer a Cristo". Pois converter-se a Cristo não é apenas converter-se de hábitos maus a hábitos bons. É ser "nova criatura", tornando-se um homem inteiramente novo em Cristo e em Seu Espírito.
             Evidentemente, as obras e os hábitos do homem novo hão de corresponder à sua maneira de ser. Como católico, eu não acho nada de não-católico nisso, pelo contrário. Contudo, as perspectivas católicas, ao enfatizar boas obras, levam, por vezes, a negligenciar o novo ser, isto é, a vida nova em Cristo, vida no Espírito.
             E quando o protestantismo é infiel a seu dom, começa por diminuir mesmo o "novo ser"  e a profundeza radical da conversão, para dar ênfase à pura Graça e ao dom do perdão de Cristo. (Por isso, no meu julgamento, permanecemos essencialmente maus.) Ou então, mais tarde, esquecendo a seriedade da necessidade de converter os bons, cai na autocomplacência satisfeita de uma bondade um tanto superficial e suburbana  - jovialidade "social", companheirismo do aperto de mão, testemunho tagarela de banalidades morais. (Nisso, tenho necessidade de dizer, os protestantes muitas vezes são ultrapassados pelas inanidades mais complexas e, por vezes, mais vulgares dos assim ditos "bons católicos").
              É aqui que a doutrina da "fides sola" (somente a Fé) pode ter dado provas de ser perigosa, pois a Fé que justifica não é uma Fé qualquer ou mesmo uma Fé que, em tempo de revivificação, se "sente" justificada. Por fim, uma Fé insuficiente não é Fé em Cristo e obediência à Sua palavras, mas apenas questão de crer que cremos porque somos aceitos aos olhos de outros crentes.
               Em consequência, o que importa, então, é cultivar essa qualidade de aceitação no seu meio sociológico e, então mesmo obras objetivamente injustas podem ser tomadas por virtuosas e cristãs, uma vez que são aprovadas  pelos que, no lugar, são atestados como "bons"
             Em verdade, o grande problema é a salvação dos que, sendo bons, pensam não ter mais necessidade de salvação, e imaginam que sua tarefa é tornar os outros "bons" como eles!!
             Os que são fiéis à Graça originária (não direi ao gênio) do protestantismo são precisamente os que veem em toda profundeza, como Lutero viu, que a "bondade" dos bons pode, em realidade, ser o maior desastre religioso para uma sociedade, e que o problema crucial é a conversão dos bons a Cristo.
             Como católico que sou, pela Graça de Deus, dou minha firme adesão, é claro, ao que a Igreja ensina sobre a Justificação e a Graça. Ninguém pode ser justificado por uma Fé que não realiza as obras do Amor, pois o Amor é o testemunho e a evidência do "novo ser" em Cristo.
             Mas precisamente esse Amor é, em primeiro lugar, obra de Cristo em mim, não simplesmente algo que tem origem em minha vontade e é em seguida aprovado e recompensado por Deus. É a Fé que abre meu coração a Cristo e a Seu Espírito, para Ele possa trabalhar em mim. Nenhuma obra minha pode receber o nome de "Amor", no sentido cristão, se não vem de Cristo.
            Ora, os assim ditos "bons"  são tentados a crer na sua própria bondade e capacidade de  amar.
Enquanto isso, aquele ou aquela, que compreende a sua própria pobreza e seu nada, está muito mais apto ou apta a se entregar inteiramente ao dom do Amor,   que ele ou ela sabe, não pode vir de algo dentro dele ou dela.
             É com isso na mente que  considero as ambiguidades que há em "fazer o bem", sabendo que, quando alguém está firmemente convencido da sua própria bondade e correção pode, sem pestanejar, perpetrar o mais espantoso mal. Afinal, foram os corretos, os santos, os "crentes em Deus", que crucificaram Cristo. E eles o fizeram em nome do direito, da santidade e, mesmo, de Deus.
             Por isso, tenho muito medo de que, dentro dessa mentalidade, "ser bom" pode facilmente significar ter a mentalidade de um "assassino de Cristo"!

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Aroldo Teixeira de Almeida é bacharel em Teologia Sistemática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Capital paulista.


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segunda-feira, 20 de julho de 2015

VIVEMOS E CAMINHAMOS DENTRO DE DEUS



                   Sempre que silencio totalmente minha alma de toda preocupação do dia a dia, e me ponho a meditar sobre Deus e minha relação com Ele, vem-me à imaginação a imagem de que, queiramos ou não, caminhamos e vivemos dentro de Deus.
                   E uma das imagens mais impressionantes dessa caminhada e vivência dentro de Deus para mim é o ar. Na verdade, Deus está em toda parte; caminho dentro dEle. Dentro dEle eu me movo, penso, falo, e gesticulo... Mas Deus é tão discreto, se esconde tanto, se apaga tanto, que nem dou por Sua presença.
                   Não é também o que acontece com o ar?
                   Eu me movo dentro dEle, mas dificilmente me dou ao trabalho de avaliar o quanto Lhe devo. Só consigo medir o que o ar representa para minha vida quando, de repente, ele me falta, num ataque de bronquite. Feliz, nesta hora, aqueles que podem apelar para balões ou tendas de oxigênio.
                   Deus me aparece ainda mais discreto do que o ar que respiro. Quando o ar me falta - e já me faltou um número incalculável de vezes, pela bronquite que tenho desde a infância,  - se não for atendido com urgência, minha vida se esvai.
                   E eu me ponho a meditar: há pessoas que perdem a Fé em Deus e conseguem viver tranquilas. O Senhor Nosso Deus não cria nenhuma sufocação, nenhuma angústia de morte para quem dEle se afasta, ou O ignora...
                  Seria tão bom que, em tempos normais, de saúde plena, eu me acostumasse a pensar, agradecido, no ar que me acompanha, me envolve, me protege, deixa-me viver.
                  Melhor ainda seria se, pensando no ar, eu pensasse também em Deus.
                  Quando tenho a oportunidade de contemplar um aquário, dentro do qual peixinhos vermelhos mergulham, felizes, indo e vindo, subindo e descendo, lembro-me de que assim, exatamente assim, eu deveria viver, mergulhado em Deus.
                   Aos domingos, ao término da Santa Missa, vendo as pessoas deixando a Igreja, para voltar para casa, muitas vezes me vem à cabeça: saímos de dentro da Igreja, mas não saímos de dentro de Deus. E se esse pensamento entrasse de vez, em minha vida de cada dia e de cada instante, com toda certeza eu viraria santo...       (?!)
                  Como ter a coragem de pecar, de ofender a Deus, se me lembro que vivo mergulhado nEle?!  Se estivesse bem vivo em minha alma que Deus está em minha frente, atrás de mim, ao meu lado, dentro de mim?
                  - como então encher-me de raiva por qualquer deslize de minha neta adolescente Isabela, órfã, que vive conosco? Como irritar-me com ela, perder a calma?
                  - como ser invejoso, ou avarento, ou vaidoso, ou orgulhoso e impudico?
                  E que eu não me encha de medo com o pensamento da presença divina que me acompanha dia e noite, me cobre com a Sua proteção, me envolve por todos os lados?
                  Deus não faz medo a ninguém. Ele é tão simples, tão bondoso, ao aparecer-me quando leio e medito em Suas palavras na Bíblia Sagrada, ou quando recito os vários ofícios da "Liturgia das Horas"... Complicado sou eu, criatura humana contingente e pecadora. Deus é muito mais humano do que eu...
                  E que enorme segurança me pode dar a certeza de que, em toda parte e sempre, estou cercado, rodeado por Deus... merecedor a todo instante da Sua misericórdia!...
                  É por isso que posso e devo cortar de minha vida, definitivamente, expressões como "solidão", "sozinho", "só". Não estou sozinho nunca!
                  Que poderia eu temer, ter medo, se dia e noite, a toda hora e sempre, está comigo o Criador, o Pai de todos os pais, o Senhor do Universo, o meu Deus!?...

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sexta-feira, 17 de julho de 2015

"O TEMPO? A BRUXA O LEVOU..."



                                       - "Não tenho tempo..."
                                       - "Estão me esperando..."
                                       - "Preciso ir..."
                                       - "Não disponho nem de um minuto..."
                                       - "É verdade, sim. Não tenho mesmo tempo..." 

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            Pois é: a Bíblia Sagrada. no livro intitulado "Eclesiastes", estas afirmações são desmentidas peremptoriamente. E o faz com estas palavras, que merecem ser meditadas mesmo nas horas mais atarefadas no decorrer do dia:

                                         - "Tudo tem seu tempo
                                             há um momento oportuno para cada coisa debaixo do céu
                                             tempo de nascer e tempo de morrer
                                             tempo de plantar e tempo de colher o que plantou
                                             tempo de matar e tempo de curar
                                             tempo de destruir e tempo de construir
                                             tempo de chorar e tempo de rir
                                             tempo de lamentar e tempo de festejar
                                             tempo de espalhar pedras e tempo de as ajuntar
                                             tempo de abraçar e tempo de se afastar dos abraços
                                             tempo de procurar e tempo de perder
                                             tempo de guardar e tempo de jogar fora
                                             tempo de rasgar e tempo de costurar
                                             tempo de calar e tempo de falar
                                             tempo do amor e tempo do ódio
                                             tempo da guerra e tempo da paz..."

            É verdade que permanecem os frutos de nosso trabalho,  quando feito com precisão e eficiência. Não importa o tempo gasto. Só podemos avaliar como o tempo passa, se evapora,  se tivermos a pachorra de ficar contemplando um relógio, no ponteiro de segundos...
             - "O importante não é tentar o impossível de fazer o tempo parar. O importante é saber aproveitar o tempo, transformando-o em boa eternidade", -  como tive a ventura de ouvir, muitíssimas vezes, do saudoso Dom Hélder Câmara, Arcebispo de Olinda e de Recife, nos meus tempos de estudante de Teologia, em São Paulo.
             Quem diz que não tem tempo suficiente para pensar em Deus, nem abre um espaço de seu tempo para pensar no próximo; quem guarda avaramente o tempo só para si próprio, para sua própria satisfação, esse tal  ainda não atingiu a plenitude de sua personalidade, e nunca terá a felicidade de ver como o tempo se multiplica no serviço desinteressado para com quem dele precisa.
             A pessoa que anda com o tempo sobrando, que acha que não tem nada para fazer, já dá uma prova de que anda sem olhos para ver e sem ouvidos para ouvir.
             Se visse e ouvisse, apareceria o que fazer. Não é, de modo algum, perda de tempo um papo amigo, ou uma diversão, ou um passeio que ajude e que nos ajude,  que descanse e nos descanse...
O horrível é atender alguém, já dizendo que só dispõe de dois minutos, ou de cinco, ou de dez. Marcar o prazo, ficar olhando o relógio, sobretudo para os segundos, é um desastre sem remédio, para a prática da caridade, ou da manutenção de uma amizade sadia e benfazeja.
              Sei perfeitamente que há pessoas que abusam, que tendem a tomar todo o meu tempo, quando eu já tenho outros compromissos. E mesmo que não os tivesse...
              Graças a Deus e às lições de ética pessoal que aprendi nos tempos de estudante, creio que consegui organizar as grandes linhas de minha modesta vida, de meu tempo de aposentado e com pouca coisa para fazer, a não ser cuidar de minha neta adolescente, a Isabela, órfã de mãe.
              Encontrar tempo para um encontro, mesmo rápido, mas profundo, com Deus. Com uma leitura frutuosa da Bíblia Sagrada. Ou recitar as belíssimas orações da "Liturgia das Horas". Salvar um pouco de tempo para reabastecer o espírito, através de um bom livro.
              Do contrário, se me deixar pura e simplesmente ser devorado pelo esforço de nada fazer,  (lembro-me de um trecho de uma carta do Apóstolo Paulo)... muito em breve não terei nada mais de oferecer de válido, com simplicidade e amor, para a minha própria vida de cada dia.
             E me lembro mais de uma vez da advertência ouvida, há muito tempo passado, dos lábios de Dom Hélder Câmara, de saudosa memória:
             - "O importante não é tentar o impossível de fazer o tempo parar. O importante é aproveitar o tempo, transformando-o em boa eternidade."

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Aroldo Teixeira de Almeida é bacharel em Teologia Sistemática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Capital paulista.





            
                                             

segunda-feira, 13 de julho de 2015

PARIS, A "CIDADE LUZ"



            Nunca fui a Paris e, pobretão, com setenta e nove anos de idade, definitivamente, nunca conhecerei Paris, a não ser através da pena dos grandes escritores franceses.
            O que sei é que, falar da "Cristandade", no sentido de cultura cristã ocidental, é falar de um mundo do qual Paris foi a capital intelectual e espiritual. É falar da cultura herdada da Grécia de Platão e Aristóteles, e da Roma pagã, sequiosa do sangue generoso dos cristãos martirizados por sua Fé em Cristo Jesus.
             Quando leio ou ouço falar de Paris, lembro-me dos místicos dominicanos da região do Reno, que conheci lendo o monge cisterciense americano Thomas Merton. Lembro-me muito bem de Santo Tomás de Aquino e dos onze volumes, "volumosos".  de sua "Suma Teológica", que estão ali na minha estante de livros, sempre a convidar-me pelo menos a uma ligeira leitura...
              Paris significa também o místico franciscano São Boaventura, que tenho necessidade urgente de ler e meditar, quando me bate a saudade dolorida de meus mortos queridos, a Raquel e o Júlio.
              Paris significa o rei cavaleiro São Luís; significa Joana dArc, a guerreira que sempre amei, e de quem nunca perdi nenhum filme, no cinema ou na TV, desde os meus tempos de menino, já lá vão um mutirão de anos idos e vividos...
              Significa Napoleão Bonaparte, no qual nunca me interessei, quando o via apresentado à minha classe do ginasial, nas aulas eloquentes do professor Caselato, mestre em Latim. Significa Pascal, de quem mais gosto, e que releio quase semanalmente. 
              Paris significa Léon Bloy com sua rudeza contra os católicos medíocres, e significa principalmente, Jacques Maritain e sua esposa Raíssa, cujas obras nunca ficaram escondidas na minha estante..
              Dois nomes ainda, com relação a Paris, que devem ser mencionados  -  Paris no século XX significa Camus e Jean Paul Sartre. Sempre tive muita simpatia por Camus. Era alguém com quem meu coração de estudante de Teologia concordava. Sartre, leio, por vezes, mas com certa dificuldade. A frieza de seu pensamento nunca me estimulou a lê-lo com maior frequência.
             Numa ligeira comparação entre os dois monstros sagrados da literatura francesa - Sartre e Camus  - este último foi e permanece um profeta mais humano, mais humilde, mais quente. Apesar de que, tanto Sartre como Camus, sejam no meu entender inconcebíveis fora da tradição cristã, ainda que ambos a tenham rejeitado!

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Aroldo Teixeira de Almeida é bacharel em Teologia e Professor aposentado de Português e Francês do Quadro Próprio do Magistério Paranaense.

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sexta-feira, 3 de julho de 2015

O DOIDINHO DE DEUS



          Cá no meu bairro, o Tingui, na avenida que dá entrada a ele, existe um centro comercial com uma infinidade de lojas: barbeiro, cabeleireiro, farmácia, manicure, mercearia e frutaria, tudo coberto por uma grande marquise. Pois num desvão desta marquise costuma dormir um doidinho de Deus, em outras palavras, um louquinho maravilhoso.
           Fui um dia tentar conversar com ele. Perguntei-lhe se não tinha um lugar melhor para dormir.
Parece-me que ele ficou espantado com a pergunta, mas respondeu:
           - "Tenho! Tenho! Não me falta chão, e muito menos me falta céu..."
           Teimei, com a minha visão acostumada com a lógica:
            - "E quando chove?"
            Ele me respondeu, rápido:
            - "E Você pensa que eu não tomo banho?!...
            Perguntei se não estava com fome, se não queria comer alguma coisa...
            - "Quero é cantar... E Você me escuta? Nasci para cantar..."
            Como resistir?... Quis que ele cantasse.
            Em melodia bem popular, bem nordestina, cantou mais ou menos isto:

                                             Orgulhoso, Orgulhoso, Orgulhoso
                                             me responda, me diga, me responda:
                                             Você morre? Você morre?
                                              Então seu mal não é orgulho...                          
                                              Não começa por O,começa por B...

          E antes que eu risse e batesse palmas, ele riu a valer, e bateu palmas como se o cantor fosse outro...
          Insisti em oferecer comida num barzinho ali por perto, lembrando-lhe que passarinho canta, mas também come...
          Desta vez o convenci. Fui atrás de um pouco de comida numa marmita... Na volta, ele riu da minha bobice...
          - "Quero goiaba... Passarinho come é goiaba..."
          Não consegui ainda descobrir o nome dele. De cada vez que pergunto, me dá uma resposta diferente:
          - "Me chame Andorinha! Se me chamar de Graúna, eu aceito. Só não me chame de Canarinho... Canarinho eu sei que não sou".
          Perguntei, um dia, se ele rezava. Foi difícil para ele entender minha pergunta. Só fez dizer:

          - "Os moleques me jogam pedra. Aí eu pulo, e grito, e rio, e canto!...
          
          Pensei em levá-lo a uma Clínica, onde médicos amigos meus descobrissem o que se passou com ele e talvez o curassem.  Mas logo percebi que ele e nós todos iríamos sair perdendo na parada...
          E me conformei. Pus-me a pensar. Gente de cabeça arrumada, lógica e superlógica, anda sobrando por aí... Talvez por isso é que a gente se entende tão pouco e há tanta confusão no mundo...
          E eu disse lá com os meus botões:
       
          Continua teu voo, doidinho de Deus, talvez Andorinha, talvez Graúna, Canarinho não...

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Aroldo Teixeira de Almeida é professor aposentado do Quadro Próprio do Magistério Paranaense, em Línguas Portuguesa e Francesa.

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