sexta-feira, 3 de julho de 2015

O DOIDINHO DE DEUS



          Cá no meu bairro, o Tingui, na avenida que dá entrada a ele, existe um centro comercial com uma infinidade de lojas: barbeiro, cabeleireiro, farmácia, manicure, mercearia e frutaria, tudo coberto por uma grande marquise. Pois num desvão desta marquise costuma dormir um doidinho de Deus, em outras palavras, um louquinho maravilhoso.
           Fui um dia tentar conversar com ele. Perguntei-lhe se não tinha um lugar melhor para dormir.
Parece-me que ele ficou espantado com a pergunta, mas respondeu:
           - "Tenho! Tenho! Não me falta chão, e muito menos me falta céu..."
           Teimei, com a minha visão acostumada com a lógica:
            - "E quando chove?"
            Ele me respondeu, rápido:
            - "E Você pensa que eu não tomo banho?!...
            Perguntei se não estava com fome, se não queria comer alguma coisa...
            - "Quero é cantar... E Você me escuta? Nasci para cantar..."
            Como resistir?... Quis que ele cantasse.
            Em melodia bem popular, bem nordestina, cantou mais ou menos isto:

                                             Orgulhoso, Orgulhoso, Orgulhoso
                                             me responda, me diga, me responda:
                                             Você morre? Você morre?
                                              Então seu mal não é orgulho...                          
                                              Não começa por O,começa por B...

          E antes que eu risse e batesse palmas, ele riu a valer, e bateu palmas como se o cantor fosse outro...
          Insisti em oferecer comida num barzinho ali por perto, lembrando-lhe que passarinho canta, mas também come...
          Desta vez o convenci. Fui atrás de um pouco de comida numa marmita... Na volta, ele riu da minha bobice...
          - "Quero goiaba... Passarinho come é goiaba..."
          Não consegui ainda descobrir o nome dele. De cada vez que pergunto, me dá uma resposta diferente:
          - "Me chame Andorinha! Se me chamar de Graúna, eu aceito. Só não me chame de Canarinho... Canarinho eu sei que não sou".
          Perguntei, um dia, se ele rezava. Foi difícil para ele entender minha pergunta. Só fez dizer:

          - "Os moleques me jogam pedra. Aí eu pulo, e grito, e rio, e canto!...
          
          Pensei em levá-lo a uma Clínica, onde médicos amigos meus descobrissem o que se passou com ele e talvez o curassem.  Mas logo percebi que ele e nós todos iríamos sair perdendo na parada...
          E me conformei. Pus-me a pensar. Gente de cabeça arrumada, lógica e superlógica, anda sobrando por aí... Talvez por isso é que a gente se entende tão pouco e há tanta confusão no mundo...
          E eu disse lá com os meus botões:
       
          Continua teu voo, doidinho de Deus, talvez Andorinha, talvez Graúna, Canarinho não...

                                                              ****************

Aroldo Teixeira de Almeida é professor aposentado do Quadro Próprio do Magistério Paranaense, em Línguas Portuguesa e Francesa.

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