segunda-feira, 10 de setembro de 2012

SETEMBRO, O MÊS DA BÍBLIA


      PARA UMA FRUTUOSA LEITURA DA BÍBLIA:-

      Ao ler-se a Bíblia, na sua totalidade e com boas intenções, podemos compreender que ela não foi escrita por um só autor, mas por muitos; não a um só tempo, mas por muitos e muitos anos, mesmo séculos, refletindo a dolorosa busca de um povo pela face verdadeira e autêntica de seu Deus.
      E nessa caminhada existem altos e baixos, avanços e retrocessos, na formação da tradição; existem inclusive correções e contradições entre uns escritores e outros, chegando às vezes a ocorrer no interior de um mesmo livro e inclusive de um mesmo autor.
      O mundo da Bíblia, no assim chamado Antigo Testamento, está impregnado do mundo simbólico de seu ambiente cultural, como também dos povos vizinhos, como o cananeu. A grande maravilha deste mundo não consistiu em encontrar-se desde o começo com uma imagem de Deus já feita, completa, caída diretamente do céu pura e sem mancha, mas justamente na dura conquista que desde os tempos de Moisés, passando pelos profetas, encontra sua culminância em Jesus de Nazaré.
      Nessa longa caminhada do povo hebreu na busca de seu Deus, o caminho está cheio de fantasmas e até de monstruosidades, como o "herém", o mandamento expresso por Javé (= Deus) para o extermínio de povos inimigos inteiros, sem reparar nos velhos, enfermos, mulheres e crianças.
      O assombroso é que, através desta selva de ameaças, repressões, cóleras, violências, mortandades e castigos, mesmo assim pôde abrir-se passagem para a revelação do rosto verdadeiro de Deus: Seu perdão incondicional, Seu amor salvador, Sua ajuda sem descanso, Sua entrega sem limites. Leia-se o Livro dos Juízes, sem preconceitos, e ver-se-á claramente este rosto benfazejo de Deus, para com o seu povo escolhido.
      Um olhar lúcido e realista para a Bíblia em seu todo, Antigo e Novo Testamento, longe de estranhar, maravilha-se com a autenticidade do povo bíblico, desde as suas origens, na busca incansável de seu Deus.
      A experiência inaugural do Livro do Êxodo, sob o comando de Moisés, já nos mostra um Deus que salva e liberta, estabelecendo uma "aliança", ou seja, um Deus que se preocupa com o bem de homens e mulheres, os quais, por sua vez, se veem solicitados a observar um comportamento reto e honesto. As recaídas "mágicas"que tentam manipular o favor divino com sacrifícios e holocaustos, ou as imagens de um deus arbitrário, terrível e vingativo, são continuamente corrigidas pela consciência que se vai aprofundando sobre a face real desse Deus ético e salvador da Aliança com Moisés e seu povo.
      Neste sentido, comvém ler os profetas, principalmente Isaías, Jeremias, Oséias e Amós, pois eles ajudam a manter viva e operante essa vivência da Aliança, tirando as consequências e nelas se aprofundando através de um processo de fidelidade tão admirável, que de certo modo constitui caso único na história das religiões.
      Simplificando: Amós sublinha a justiça de Deus, que protege os fracos e oprimidos; Oséias destaca o Seu amor; Isaías proclama Sua santidade; Jeremias completa tudo isso assinalando Sua preocupação para com todo o ser humano.
      A piedade dos salmos mostra, por sua vez, como essas idéias penetram pouco a pouco na espiritualidade coletiva, inclusive através de crises tão terríveis como as da destruição do templo e do país, e do longo exílio na Babilônia.
      Chegada a plenitude dos tempos, com Jesus de Nazaré, a face autêntica de Deus se revela em toda a sua culminância. A bondade de Deus, tão universal que não exclui ninguém, "faz nascer o seu sol igualmente sobre maus e bons, e cair a chuva sobre justos e injustos". Por isso, perdoa sempre e sem condições, até a ponto de, como o pai da parábola do filho pródigo, não castigar nem repreender, mas alegrar-se e fazer festa. Ou perdoando a pecadora, gratuitamente, não lhe impondo nenhuma condição.
      Resumindo: Jesus de Nazaré, com sua vida, suas atitudes, sua mensagem de libertação, que culminaram na sua paixão e morte, deixou-nos a lição  de sua peculiaríssima relação filial que mantinha com Deus, e que o fazia chamá-Lo de "Abbá" = papai, paizinho. Assim, numa leitura verdadeira da Bíblia, em seu conjunto, reconhecemos dentro de nossa tradição milenar a captação humana do que Deus, desde sempre, quer ser para nós: Pai, entregue em Seu amor tão infinito como Seu próprio ser e que unicamente espera de nós que, compreendendo-O, ousemos responder-Lhe com a máxima confiança de que nosso coração for capaz.
      Diante deste Deus, cuja face verdadeira, Jesus de Nazaré nos desvelou, é ainda possível ser ateu?
      É nesta perspectiva que todos nós somos convidados a ler a Bíblia com outros olhos e outra mentalidade, principalmente o Evangelho de João, quando então compreenderemos que o Deus da ira, segundo Lutero, é na verdade o Deus que é amor, nas palavras e na vivência de Jesus de Nazaré.