terça-feira, 31 de janeiro de 2012

O DIÁRIO DE ANNE FRANK

      Está nas livrarias de Curitiba o por muitos esperado "Diário de Anne Frank", na sua edição integral sem os cortes feitos pelo pai em algumas de suas páginas. Anne Frank, a pequena judia de 13 anos que morreu, juntamente com sua irmã mais velha, Margot, nos horrores de Bergen-Belsen, o campo de concentração e de extermínio de judeus, instalado pelos nazistas, na segunda guerra mundial. Aí também encontraram a morte nos fornos crematórios milhares de judeus deportados de várias regiões da Europa ocupada pelas tropas alemãs.
      Alguns dias antes de morrer Anne Frank escreveu em seu Diário esta frase, cujo espírito perpassa por todo o livro: - "Verdadeiramente minha vida mudou, e para melhor, porque Deus não me abandonou, e não me abandonará jamais."
      Estas palavras me fazem lembrar daquelas outras proclamadas não pelo Deus de Israel, mas por Seu Filho, tornado homem na Terra, para assumir a condição e os sofrimentos de homens e de mulheres, bem como dar a eles e a elas um novo sentido à sua esperança: - "Deixai vir a mim os pequeninos."
      Apesar de saúde frágil marcada por sofrimentos horríveis nos meses de cativeiro, a alma de Anne Frank era daquelas que, desde sempre, responderam às palavras de Jesus de Nazaré: Deus nunca a abandonou.
      Naquele campo de torturas e mortes de Bergen-Belsen, com seus fatídicos fornos crematórios e com o desencadeamento das mais atrozes manifestações da barbárie nazista, é preciso confessar que este Deus que Anne mal conseguia definir, mas cuja imagem estava presente sempre em seu coração, nunca haveria mesmo de abandoná-la até seus últimos dias, como nos comprova o Diário.
      E eu o creio, porque o Abbá, o Deus/Pai/Mãe de Jesus de Nazaré, é também Pai de todos que sofrem, e no mais profundo de nossas fraquezas humanas, no recesso mais sombrio de nossas angústias e revoltas, na Sua Providência que está além de nossos conhecimentos, permitiu que Anne Frank se tornasse para nós uma das mais eloquentes imagens de nossa esperança.
      Ela, que se considerava um nada, conseguiu romper a muralha de silêncio culposo das religiões acomodadas e insensíveis, e mostrar ao mundo inteiro, nas páginas de seu Diário, a chaga sangrenta das deportações em massa e do extermínio de judeus nos campos de concentração. E pensar que nós, no Brasil, estivemos bastante próximos dessa nefasta ideologia nazista, na sua versão tupiniquim do integralismo, cópia mal feita do fascismo de Mussolini, aliado inconteste de Adolf Hitler!...
      O Prêmio Nobel da Paz de 1958, o Padre Pire, deu à sua sexta aldeia européia que acolhia os refugiados de todos os cantos da Europa no pós-guerra o nome de Anne Frank, a pequenina mártir que emocionou a todos e se tornou a menina querida do mundo inteiro.
          

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

PELO AMOR DE UMA MENINA

      Os leitores me escrevem mensagens tão delicadas e, quando me encontram pessoalmente, são tão gentis, que vou me permitir uma confidência. Às vezes quem me lê faz pedidos fortes, que chegam a ser perturbadores. O que me perturba nem sempre é assim. Posso ficar perturbada de tanta felicidade ou de empolgação. Mas algumas mensagens de leitores me desconcertam por trazerem uma carga de expectativa ou uma profundidade que mostram que estou diante de um momento importante na vida de alguém.
      Jornais trazem notícias importantes que, com o passar do tempo, se tornarão nada. Esquecemos tudo ou quase tudo que faz parte da pauta de hoje. Esquecemos Lula, esquecemos o Complexo do Alemão, esquecemos a Copa do Mundo da África do Sul, esquecemos o pré-sal. E assim tem que ser. Mas alguns momentos da vida das pessoas são relevantes de verdade e não serão esquecidos.
      Me escreve um leitor que perdeu a filha, sua amada e única filha mulher. Em meio à dor, que imagino gigantesca, o pai está se ocupando de cuidar da neta, que ainda é criança. Cuida com desvelo, tentando ajudá-la a ser feliz - na verdade, ele assumiu a responsabilidade por fazê-la feliz. Tentando curar as feridas. Ele crê que uma ferida é a ausência do pai na vida da menina. Por isso quer que os dois se aproximem, que ela deixe mágoas e desconfianças de lado para aceitar esse homem como parte importante de sua vida.
      O pai já é parte importante da vida da menina, queira ela ou não. Queira ele ou não. Presente ou ausente, o pai é importante. Importante no nível mais profundo, naquele que determina o que pensamos ou sentimos.
      Mas alguns pais aceitam ou até buscam a distância entre eles e os filhos. Demoram a entender as responsabilidades que têm com a vida desses herdeiros biológicos. Às vezes, quando entendem e tentam a aproximação, é tarde demais.
      Estou falando de uma situação relativamente comum. Por alguma razão que nem deve ser tão difícil de explicar, muitos homens são capazes de ignorar um filho. Os filhos é que não são capazes de ignorar o pai, por mais que tentem e que se convençam de que aquele homem merece ser ignorado. Estranha correlação, em que de um lado se sente violentamente conectado, e o outro pode até ignorá-lo.
      O que vou dizer a essa menina, que está diante de situação tão forte, que certamente marcará sua vida? O que vou dizer a ela sobre esse que talvez seja um bom homem, mas relapso com sua prole como tantos outros mundo afora?
      O que posso dizer a essa menina é que ela está cercada por algo maravilhosamente bom e protetor, que é o amor de um homem. Que ela já desfruta desse amor masculino e imprescindível que marcará para sempre sua vida. Que ela tem o avô, um homem que amou a mãe dela e que a ama de tal forma que se animou a pedir a mim, alguém que ele não conhece, que escreva algo para a menina que ele adora, protege e mima.
      Talvez eu possa dizer à menina que a história dela e do pai da mãe dela é das poucas coisas que recomendo aos leitores que não esqueçam. Porque se trata de uma história de amor.

Marleth Silva (Gazeta do Povo)

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      PS:- A menina da crônica acima é minha neta, Isabela. Aos doze anos de idade, afastada do pai e perdendo a mãe, minha filha Raquel, vitimada pelo câncer, a Isabela ficou  terrivelmente deprimida e sofrendo muito. Como assumi com sua mãe o compromisso de fazer a menina feliz, escrevi à Marleth, cronista da Gazeta do Povo, que tem o carisma incrível de penetrar no mais íntimo das pessoas,  para que ela dissesse algumas palavras de conforto para a menina. E ela, mais que algumas palavras de conforto, mandou-lhe esta crônica maravilhosa.
      Tomei a liberdade de transcrevê-la nesta página como singela homenagem à Isabela, que nesta semana faz quatorze anos de idade.
      Que sua mãe Raquel descanse na paz do Senhor, e que ela, minha neta, consiga realizar todos os seus sonhos de adolescente, que eram também os sonhos de sua falecida e inesquecível mãe.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O MISTÉRIO DA ALEGRIA DE VIVER

      Jacques Maritain, famoso filósofo francês muito lido e admirado por mim quando cursava filosofia e teologia na capital paulista, fazia sempre uma advertência aos que o liam: -"Nunca vos esqueçais de colocar diante de vós, em todas as circunstâncias da vida, o sentido e a vivência da transcendência",  isto é, o sentido e a vivência de Deus. Raíssa Maritain, sua esposa, declarou em seu livro "As Grandes Amizades" que essa frase foi o testamento espiritual do filósofo.
      Refletindo sobre a frase de Maritain e o comentário da esposa, veio-me à lembrança outra idéia que encontrei em seus livros: a  de que a liberdade, e as liberdades, podem e devem sempre ser concedidas ao pensamento e ao sentimento humano na sua procura da verdade última da vida. Mas, no fundo dessa problemática, só há uma opção, e esta, irredutível, como venho refletindo ultimamente, após a morte de minha filha Raquel: Há ou não alguma coisa depois da morte? A morte é um fim ou um começo? Há uma dicotomia ou uma coincidência entre o bem e o mal? Nosso destino neste mundo tem o seu fim no nada ou na plenitude? Se a morte é inevitável, a melhor coisa que podemos fazer é esquecê-la? Ou pelo contrário, o diálogo com a morte, com o sofrimento, com a miséria, com o desespero, é um compromisso de honra para combater todos esses inimigos da vida, e tirar o bem do mal, como também tirar a alegria do sofrimento?
      Eis porque, no meu entender, a suprema tarefa que Deus propôs à humanidade, ao criar homem e mulher e conceder-lhes o trágico privilégio de serem livres, foi o de chegarem à alegria como fruto do esforço e do sofrimento. Com isso, a vida só merece realmente ser vivida se soubermos levar a fundo esses pensamentos. A alegria de viver não é apenas um ato reflexo da própria vida,  mas uma conquista que está, até certo ponto, em nossas forças e cuja dignidade é ser uma luta constante contra a tentação de se entregar à ilusão de que a felicidade estaria em deixar-se viver, e em não merecer a vida.
      Estaria em receber passivamente o dom da vida, como um prazer que devemos desfrutar gulosamente, pela ambição do poder, da riqueza ou do prazer.  Ou, pelo contrário, a vida seria uma graça, por ser um dom gratuito de Deus, mas que temos o dever de procurar merecê-la, se estivermos dispostos a vivê-la como um ser livre e não apenas por um acaso.
      O debate entre essas duas formas extremas de aceitar a vida, como seres realmente livres ou como escravos de nossos instintos, será eterno em todo o tempo. Pois a grandeza e a beleza da liberdade é precisamente a liberdade e o direito de a negar. De vivermos como aqueles indiferentes ao bem e ao mal, que Dante Alighieri, na sua "Divina Comédia", colocou à porta do inferno, sem terem eles  mesmos a dignidade de nele penetrarem. Isto é, de vivermos como se não vivêssemos. De representarmos a comédia da liberdade sem sermos realmente livres.
      A tarefa de encontrar a alegria, pelo contrário, não como fruto necessário do sofrimento, ou este como uma maldição de Deus, mas como um esforço de superá-lo. Ou antes, é a nossa missão de viver dignamente, embora de maneira precária pela nossa contingência e finitude, como caminheiros em busca da perfeição.
      Não viemos ao mundo para sofrer, mas para superar o sofrimento  Não viemos ao mundo para amar a morte, mas para transformá-la em um constante desafio à vida. Nisto está o perigo e a dignidade de viver.  A vida sem a morte e sem a alegria de viver seria uma caricatura da vida.
      Não temos apenas o direito à alegria, mas o dever da alegria. Não temos apenas o direito de lutar contra o sofrimento, a miséria, o pecado, a opressão e a morte, mas o dever de travar esse diálogo, para alcançar uma vitória.
       Mas a única vitória que podemos ter contra a morte é que ela não nos impeça de amar a vida, e procurar sempre a alegria de viver. Não é fácil. Porque, no fundo, tudo é mistério.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A VIDA PARA ALÉM DA MORTE

      A morte recente de minha filha Raquel fez-me refletir sobre o seu sentido espiritual e, com isso, perguntar a mim mesmo: dentro da fé que professo é possível uma visão positiva do fenômeno doloroso da morte? E a fé que me anima responde-me que sim, porque dentro da vida humana há uma chance única na qual homem e mulher, pela primeira vez, nascem totalmente ou acabam de nascer na ressurreição, que acontece justamente no instante da morte, nem antes nem depois, como defendem os maiores teólogos da atualidade, contestando a doutrina tradicional, segundo a qual a ressurreição só acontecerá num problemático final dos tempos.
      Eu, porém, afirmo que a morte significa precisamente esse final dos tempos, o fim do mundo para a pessoa que morre. Na morte, homem e mulher entram num modo de ser que anula as coordenadas do tempo e passam para a atmosfera de Deus, que é a eternidade. Já a partir deste ponto de vista se deve dizer que não é mais compreensível afirmar qualquer tipo de "espera", de "tempo intermediário" entre a morte e uma suposta ressurreição no final dos tempos. Por isso, a "espera" pela ressurreição no final dos tempos é uma representação mental inadequada ao modo de existir na eternidade.
      Para acabar com essa concepção errada e muito comum, é preciso repetir sempre: na eternidade não há tempo. A eternidade é um "eterno hoje", um "eterno presente". Se na eternidade não há tempo, como é que os mortos vão esperar esse tempo final? O final dos tempos para a pessoa que morre é justamente a sua morte. Na morte, a pessoa, pela ressurreição que acontece na morte, entra já no final dos tempos, e aí recebe sua destinação final. Esta concepção tem a concordância dos mais influentes teólogos dos tempos modernos.
      Como quer que seja, a morte sempre foi entendida como o fim da vida terrena. Ela é dolorosa e triste como um fim de festa ou como o derradeiro aceno de uma despedida.
      A morte é, sim, o fim da vida. Ela marca a ruptura de um processo. Como que criando uma cisão entre o tempo presente e a eternidade. Mas ela cobre apenas um aspecto do ser humano: o biológico e o temporal. Homem e mulher constituem algo muito superior ao biológico, porque são mais do que um animal. São também superiores ao tempo, porque suspiram pela eternidade do amor e da vida.
      Ora, não se poderia dizer por isso mesmo que a morte é justamente o momento supremo da vida, o  desdobramento vertical da vida, o momento em que nós somos  colocados no limiar da eternidade?  E não seria a eternidade a presença dessa grande Esperança que nos levará a uma presença e a uma continuidade indissolúvel entre os que já partiram para ela antes de nós e os que ficaram aquém da morte?
      Homem e mulher são pessoas e, mais que isso, interioridade. Para eles a morte não é simplesmente um fim, mas um fim-plenitude, um fim-meta alcançada, o lugar do verdadeiro e definitivo nascimento. E este definitivo nascimento é a ressurreição, que eu creio acontecer no próprio instante da morte, como também me ensinou o meu mestre em teologia, o grande teólogo brasileiro, Leonardo Boff. Dentro desta perspectiva, morrer é ressuscitar. Da pessoa morta restará apenas um cadáver que será entregue à terra. Em lugar deste corpo corruptível, o corpo ressurrecto será um corpo espiritual, incorruptível, destinado à glória no Reino de Deus, nos termos candentes do apóstolo Paulo, no capítulo 15 de sua primeira carta aos fiéis de Corinto.
      Este fim-plenitude alcançado pela morte faz-me pensar na mulher grávida que, entre angústia, dor e esperança, segura o filhinho recém-nascido e murmura, agradecida: atingi meu fim; sou mãe!
      Lembremo-nos que este fim-plenitude só é encontrado por nós na fé. É nesta fé que encontramos a base para a esperança de que nossa vida não se perde no nada. Esta nossa convicção se baseia em Deus. Neste Deus que se revelou na ressurreição de Jesus de Nazaré, e que ressuscitará tembém a nós, na morte, pelo Seu poder infinito.
     
      E foi nesta fé que minha filha Raquel, alcançando na morte a sua ressurreição, alcançou também o seu nascimento definitivo.

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      Faz hoje um ano e cinco meses que minha filha Raquel morreu.
      Que Deus a tenha na Sua paz.
      Ela efetivamente se separou fisicamente de nós, mas passou a viver mais intensamente com sua filha Isabela, com seus irmãos, com seus chorosos pais, depois da morte, numa união singular no Espírito, comunicada às coisas que deixou e aos acontecimentos do dia a dia que viveu. Ela partiu para a eternidade, mas continua a viver conosco, pela saudade, em nossa vida quotidiana. Nos mais simples e íntimos momentos de nossa vida normal. Sua morte os revive nos objetos em que tocou, nas palavras que com ela trocávamos, nos fatos que juntos vivemos, e até mesmo nos fatos que se seguiram à sua partida, que nós lhe comunicamos e com ela conversamos como se estivesse ainda viva.
     A morte a levou, mas a devolveu de novo a nós banhada pela luz da eternidade e da ressurreição. Revivendo a nosso lado, por essa humilde e invisível presença de cada dia, de cada hora, de cada momento, com que banhamos de esperança a nossa saudade, como também da grande alegria e certeza de que ela passou a velar por nós agora na plenitude de sua vida com Deus.
      E nós a temos sempre conosco, a nosso lado, em nossa vida de cada dia. No silêncio de cada noite.

     

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A ILHA MISTERIOSA

       Nos meus tempos de adolescente, já perdidos nas densas brumas do passado, quando não havia ainda a febre dos games, nem a praga dos celulares, nem a fascinação fanática pela TV e semelhantes penduricalhos, minha alegria nas tardes em que não tinha tarefas escolares para fazer era ler a obra prima de Júlio Verne, "A Ilha Misteriosa". Neste livro Júlio Verne narra as aventuras de um grupo de náufragos perdidos numa ilha do Pacífico que, bem abrigados numa oportuna caverna, liam, falavam, e esperavam socorro, conversando sobre a ilha e a sua remota localização. Lastimo que os adolescentes de hoje não tenham realizado esta longínqua viagem, na companhia de um dos mais envolventes feiticeiros que nos legou o século XIX.
      Lembro-me muito bem que no ano de 1963, dirigindo um grupo de jovens na favela da Vila Prudente, na capital paulista, em certo domingo, na pequena capela do local, contei a eles a história da ilha misteriosa, e nunca mais me esqueci da apaixonada atenção desses meus jovens ouvintes: queriam saber todos os detalhes do naufrágio, da localização da ilha, o clima, a hora das marés, como se identificava o Cruzeiro do Sul, o que os náufragos faziam para sobreviver, se na ilha havia habitantes hostis e animais ferozes.
      Nunca esperei, porém, o que iria acontecer. Ao contar-lhes que os náufragos se viravam como podiam com seus parcos recursos, sozinhos e abandonados, em momentos críticos chegavam-lhes socorros não se sabia de onde. Era uma fogueira que de repente se acendia, uma caixa repleta de ferramentas que aparecia na praia, uma corda pendente de um alto rochedo, inimigos exterminados.
      Ao ouvirem a narração  destes fatos, vários destes jovens cujos pais, trabalhadores humildes, muitos deles nunca frequentaram qualquer igreja, identificaram o misterioso benfeitor da ilha. Foram eles que me levaram a pensar no simbolismo da obra, que mais tarde eu iria encontrar de novo em um livro do escritor e poeta francês, Paul Claudel. O "segredo da ilha" é Deus, não é?" - me perguntavam eles. Quando tive de lhes contar a verdade, mostraram-se tristemente decepcionados.
      Prevejo a objeção: naturalmente que adolescentes de favela, com pouco ou nenhum estudo, ignorantes das causas naturais e científicas, deviam pensar em Deus; nós outros, porém, adultos, civilizados, sabedores das coisas... Recuso inteiramente este juízo. O fato de adolescentes possuírem a fé, enquanto os "adultos" a perdem com frequência, não prova que a fé seja coisa simplória, mas que ela é mais facilmente acessível a uma alma que salvaguarda ainda um tanto da candura da juventude. Felizmente há muito tempo que outra pessoa, e esta, com imensa autoridade, disse a esse respeito coisas definitivas, que devem ser tomadas a sério. Pois não foi Jesus de Nazaré quem nos lembrou que "se não nos tornarmos como crianças não entraremos no Reino de Deus"?
      Os meus jovens da favela da Vila Prudente deram-me, neste particular, um exemplo: apesar de sua impureza precoce, dos grosseiros palavrões, dos namoricos nem sempre recomendáveis, das brigas entre si, vinham aos domingos de manhã, pontualmente, ouvir a Palavra de Deus, imaginar Sua presença na ilha deserta, para onde eu os arrastava sobre a guia de Júlio Verne.
      Gostaria que os leitores desta página, que procuram Deus, não desdenhem nem condenem os jovens de hoje, muitas vezes enredados no caminho traiçoeiro das drogas e dos "amores" nada decentes. Se meus eventuais leitores verdadeiramente procuram Deus, descobrirão, mesmo na vida nada cristã de parte da nossa juventude, vestígios dos passos d¹Aquele que veio ao mundo para salvar os vivos e os mortos.
      Assim também, mesmo diante do inferno das drogas, que levam tantos jovens a uma morte precoce e lamentável, o exemplo dos meus jovens da favela nos dá a esperança de que é possível que o náufrago que ainda consegue vislumbrar vestígios de Deus no seu infortúnio e na sua vida miserável, talvez um dia O encontre, talvez O renegue, mas por fim O reconhecerá na undécima hora , quando a da juventude for, mesmo que tardiamente, reencontrada.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

HOMENAGEM AO MESTRE

      Meu objetivo, hoje, é saldar uma dívida de gratidão com meu mestre de Teologia, Leonardo Boff. É bem verdade que, a nível brasileiro e internacional, ele já foi mil e uma vezes homenageado nos mais distintos países, mercê de sua impressionante bagagem teológica, pautada por intensas pesquisas pessoais, o que lhe deu a oportunidade para aprofundamentos seguros e revolucionários nos vários campos da teologia, em que sua mente ágil e independente trabalhou.
      Catarinense, Leonardo Boff nasceu em Concórdia, no dia 14 de dezembro de 1938, sendo dois anos mais moço do que eu... Fez seus estudos filosóficos aqui no Paraná, e o curso de teologia em Petrópolis, RJ.  Não satisfeito com esses dois cursos, básicos para a formação sacerdotal, partiu para a Europa, em busca de maiores aperfeiçoamentos, e na Universidade de Munique, na Alemanha, conseguiu o doutorado em Filosofia e Teologia, em 1970. Exerceu o munus sacerdotal, fazendo-se frade na Ordem Franciscana, em 1959, com base em Petrópolis,
      Iniciou sua fecunda carreira de professor de Teologia Sistemática no Instituto Teológico Franciscano também em Petrópolis, onde lecionou durante mais de vinte anos. Atendendo a inumeráveis convites, promoveu cursos de sua especialidade em várias universidades do Brasil e do exterior, além de ser professor visitante em universidades de Portugal, da Espanha, dos Estados Unidos, da Suíça e da Alemanha.
      Pela universidade de Lud, na Suécia, e pela universidade de Turim, na Itália, foi-lhe conferido o título de doutor "honoris causa", além de ser agraciado no Brasil e no exterior, pelo reconhecimento à sua luta em favor dos pobres, dos oprimidos e marginalizados pela sociedade e por vários sistemas políticos de exceção.
      Articulador principal da Teologia da Libertação, foi um dos seus mais influentes e categorizados representantes no Brasil e na América Latina. Ardoroso defensor dos direitos humanos, deu novas perspectivas à doutrina e à praxis dos Direitos da Pessoa Humana com vistas à situação peculiar da América Latina, onde ditaduras em vários países calcavam aos pés os mais elementares direitos à vida com liberdade e dignidade,
      Um dos mais audazes conselheiros editoriais da Editora Vozes, de Petrópolis, Leonardo Boff imprimiu-lhe um cunho de liderança na publicação de obras teológicas que sacudiram o marasmo em que se debatia a teologia católica na época. Sua abundante produção teológica, principalmente na pesquisa de novas formas de fazer teologia, tornaram-no mestre de muitas gerações de teólogos ainda hoje atuantes no Brasil.
     Foi redator da importante Revista Eclesiástica Brasileira, dedicada especialmente à ilustração do clero; da Revista de Cultura Vozes, em cultura geral, e da Revista Internacional Concilium, especializada em pesquisa Teológica.
      Com a publicação de seu revolucionário livro "Igreja, Carisma e Poder", em que apresenta  suas teses da Teologia da Libertação, com críticas severas à eclesiologia então vigente, que punha sua ênfase no clericalismo e não no povo de Deus, Boff foi denunciado como propagador de doutrinas perigosas pelo bispo Dom Boaventura Kloppenburg, à Congregação para a Defesa da Fé, da qual era Prefeito, por nomeação do Papa João Paulo II, o cardeal Joseph Ratzinger, atual Papa Bento XVI. Em consequência da denúncia Boff foi convocado a Roma para explicações. Acompanhou-o um egrégio "advogado", Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal-arcebispo de São Paulo, mas a defesa do notável cardeal não foi suficiente para livrar Boff da condenação: foi condenado, em 1984, a um ano de "silêncio obsequioso" e deposto de todas as suas funções  de magistério no âmbito teológico, além de uma intervenção na Editora Vozes. O Vaticano sofreu severas críticas em todo o mundo por essa condenação, e ela foi suspensa parcialmente, em 1986, e Leonardo Boff pôde retomar algumas de suas funções.
      Aproveito o ensejo para lembrar que o poderio do cardeal Joseph Ratzinger, à frente da Sagrada Congregação para a Defesa da Fé, com o respaldo do Papa João Paulo II, "premiou" também com as famosas notificações condenatórias outros eminentes teólogos, como o suíço-alemão Hans Küng, por suas críticas à infalibilidade papal, e o belga Edward Schillebeeckx, por algumas posições cristológicas.
     Em 1992 Frei Leonardo Boff foi alvo de novas ameaças de segunda condenação pela Congregação para a Defesa da Fé, novamente sob a direção do cardeal Joseph Ratzinger e, revoltado com tal situação, ele renunciou ao sacerdócio e retornou por conta própria ao estado leigo. Atualmente, por concurso, exerce a função de professor de Ética, Filosofia da Religião e Ecologia, na Universidade do Rio de Janeiro (UERJ).
      Mudou de trincheira para continuar a mesma luta: continua como teólogo da libertação, escritor, professor e conferencista em vários auditórios do Brasil e do exterior, assessor de movimentos sociais de cunho popular e libertador, como o Movimento dos Sem Terra, e das Comunidades Eclesiais de Base, (CEBS).
      É autor de mais de setenta livros, nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia, Mística e Ecologia, traduzidos nos principais idiomas modernos. Em 8 de dezembro de 2001 foi agraciado com o "Prêmio Nobel Alternativo", em Estocolmo, Suécia.
      Ao ilustre teólogo, meu mestre e "guru", a homenagem deste "bloqueiro" obscuro mas sincero, pelas memoráveis lições recebidas de tão gabaritado mestre.

sábado, 7 de janeiro de 2012

MEU BRASIL BRASILEIRO...

      Apesar de as aparências mostrarem que eu sou um pessimista incorrigível, creio que isto é só aparência. No fundo, como pessoa religiosa, sou na verdade um otimista incorrigível: creio sinceramente que Deus é brasileiro, e que algum dia no futuro Ele fará valer esta sua tradicional brasilidade e levará nossos homens públicos a criarem vergonha na cara e darem uma satisfação e uma boa aplicação aos polpudos e vergonhosos megasalários que recebem, e resolvam fazer alguma coisa de positivo para o Brasil, com leis justas e que visem realmente o Bem Comum. Aliás, se conseguirem acabar pelo menos com a corrupção oficial e a malversação do dinheiro público, seria já um bom começo e uma justificativa para o meu esquisito otimismo...
      Será mesmo verdade que meu otimismo se justifica? As notícias que o digam:

- "Gestão se torna a principal fraqueza do  governo Dilma."
- "Polícia do Paraná cumpre apenas um terço das ordens de prisão."
- "O ministro Fernando Pimentel passou o fim do ano escondendo-se da imprensa, mas não poderá passar os próximos três anos esgueirando-se pelos cantos."
- "Assembléia paranaense paga 14° e l5° salários para deputados estaduais."
- "Vereadores paranaenses querem subsídios de R$ 13,5 mil a partir de 2013."
- "Além dos 20% de reajuste, a câmara municipal de Curitiba quer implantar o 13° salário."
- "Para o presidente da Assembléia Legislativa pagamento de 14° e 15° é legal."
- "O Paraná é o segundo estado do Brasil com mais mortes a esclarecer."
- "Governo do Paraná não controla férias de secretários."
- "Os vereadores de Curitiba são desaprovados pela população."
- "Com 16% a mais de passageiros aeroportos enfrentarão caos."
- "Nordestinos são atacados no Twitter".
-"Só 4,7% dos envolvidos em corrupção são condenados."
- "Agora só falta o Beto Richa começar a governar..."
- "Senado engaveta, de novo, a promessa de cortar R$ 150 milhões."
- "O Estado tem que interferir menos na vida do cidadão e educar mais."
- "Seu guarda, eu ultrapassei na curva, em contramão, e aí... bumba!"
- "O ministro da Integração Nacional Fernando Bezerra privilegiou Petrolina em edital de cisternas para facilitar vitória em eleição para prefeito."
- "Supersalários perduram em sigilo no Congresso."
- "Simplesmente 90% das verbas para prevenção de desastres naturais migraram para o curral eleitoral do ministro Fernando Bezerra, do Ministério da Integração Nacional."
- "Assembléia Legislativa é o principal fator de risco de corrupção no Paraná."
- "O deputado federal Fernando  Coelho foi o único parlamentar a ter todas as emendas de 2011 empenhadas por seu pai, Fernando Bezerra, ministro da Integração Nacional."


      Pois é, se eu não fosse otimista, e se Deus não fosse mesmo brasileiro, já há muito tempo que este nosso Brasil das arábias teria ido para as cucuias!