A morte recente de minha filha Raquel fez-me refletir sobre o seu sentido espiritual e, com isso, perguntar a mim mesmo: dentro da fé que professo é possível uma visão positiva do fenômeno doloroso da morte? E a fé que me anima responde-me que sim, porque dentro da vida humana há uma chance única na qual homem e mulher, pela primeira vez, nascem totalmente ou acabam de nascer na ressurreição, que acontece justamente no instante da morte, nem antes nem depois, como defendem os maiores teólogos da atualidade, contestando a doutrina tradicional, segundo a qual a ressurreição só acontecerá num problemático final dos tempos.
Eu, porém, afirmo que a morte significa precisamente esse final dos tempos, o fim do mundo para a pessoa que morre. Na morte, homem e mulher entram num modo de ser que anula as coordenadas do tempo e passam para a atmosfera de Deus, que é a eternidade. Já a partir deste ponto de vista se deve dizer que não é mais compreensível afirmar qualquer tipo de "espera", de "tempo intermediário" entre a morte e uma suposta ressurreição no final dos tempos. Por isso, a "espera" pela ressurreição no final dos tempos é uma representação mental inadequada ao modo de existir na eternidade.
Para acabar com essa concepção errada e muito comum, é preciso repetir sempre: na eternidade não há tempo. A eternidade é um "eterno hoje", um "eterno presente". Se na eternidade não há tempo, como é que os mortos vão esperar esse tempo final? O final dos tempos para a pessoa que morre é justamente a sua morte. Na morte, a pessoa, pela ressurreição que acontece na morte, entra já no final dos tempos, e aí recebe sua destinação final. Esta concepção tem a concordância dos mais influentes teólogos dos tempos modernos.
Como quer que seja, a morte sempre foi entendida como o fim da vida terrena. Ela é dolorosa e triste como um fim de festa ou como o derradeiro aceno de uma despedida.
A morte é, sim, o fim da vida. Ela marca a ruptura de um processo. Como que criando uma cisão entre o tempo presente e a eternidade. Mas ela cobre apenas um aspecto do ser humano: o biológico e o temporal. Homem e mulher constituem algo muito superior ao biológico, porque são mais do que um animal. São também superiores ao tempo, porque suspiram pela eternidade do amor e da vida.
Ora, não se poderia dizer por isso mesmo que a morte é justamente o momento supremo da vida, o desdobramento vertical da vida, o momento em que nós somos colocados no limiar da eternidade? E não seria a eternidade a presença dessa grande Esperança que nos levará a uma presença e a uma continuidade indissolúvel entre os que já partiram para ela antes de nós e os que ficaram aquém da morte?
Ora, não se poderia dizer por isso mesmo que a morte é justamente o momento supremo da vida, o desdobramento vertical da vida, o momento em que nós somos colocados no limiar da eternidade? E não seria a eternidade a presença dessa grande Esperança que nos levará a uma presença e a uma continuidade indissolúvel entre os que já partiram para ela antes de nós e os que ficaram aquém da morte?
Homem e mulher são pessoas e, mais que isso, interioridade. Para eles a morte não é simplesmente um fim, mas um fim-plenitude, um fim-meta alcançada, o lugar do verdadeiro e definitivo nascimento. E este definitivo nascimento é a ressurreição, que eu creio acontecer no próprio instante da morte, como também me ensinou o meu mestre em teologia, o grande teólogo brasileiro, Leonardo Boff. Dentro desta perspectiva, morrer é ressuscitar. Da pessoa morta restará apenas um cadáver que será entregue à terra. Em lugar deste corpo corruptível, o corpo ressurrecto será um corpo espiritual, incorruptível, destinado à glória no Reino de Deus, nos termos candentes do apóstolo Paulo, no capítulo 15 de sua primeira carta aos fiéis de Corinto.
Este fim-plenitude alcançado pela morte faz-me pensar na mulher grávida que, entre angústia, dor e esperança, segura o filhinho recém-nascido e murmura, agradecida: atingi meu fim; sou mãe!
Lembremo-nos que este fim-plenitude só é encontrado por nós na fé. É nesta fé que encontramos a base para a esperança de que nossa vida não se perde no nada. Esta nossa convicção se baseia em Deus. Neste Deus que se revelou na ressurreição de Jesus de Nazaré, e que ressuscitará tembém a nós, na morte, pelo Seu poder infinito.
E foi nesta fé que minha filha Raquel, alcançando na morte a sua ressurreição, alcançou também o seu nascimento definitivo.
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Faz hoje um ano e cinco meses que minha filha Raquel morreu.
Que Deus a tenha na Sua paz.
Ela efetivamente se separou fisicamente de nós, mas passou a viver mais intensamente com sua filha Isabela, com seus irmãos, com seus chorosos pais, depois da morte, numa união singular no Espírito, comunicada às coisas que deixou e aos acontecimentos do dia a dia que viveu. Ela partiu para a eternidade, mas continua a viver conosco, pela saudade, em nossa vida quotidiana. Nos mais simples e íntimos momentos de nossa vida normal. Sua morte os revive nos objetos em que tocou, nas palavras que com ela trocávamos, nos fatos que juntos vivemos, e até mesmo nos fatos que se seguiram à sua partida, que nós lhe comunicamos e com ela conversamos como se estivesse ainda viva.
A morte a levou, mas a devolveu de novo a nós banhada pela luz da eternidade e da ressurreição. Revivendo a nosso lado, por essa humilde e invisível presença de cada dia, de cada hora, de cada momento, com que banhamos de esperança a nossa saudade, como também da grande alegria e certeza de que ela passou a velar por nós agora na plenitude de sua vida com Deus.
E nós a temos sempre conosco, a nosso lado, em nossa vida de cada dia. No silêncio de cada noite.
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Faz hoje um ano e cinco meses que minha filha Raquel morreu.
Que Deus a tenha na Sua paz.
Ela efetivamente se separou fisicamente de nós, mas passou a viver mais intensamente com sua filha Isabela, com seus irmãos, com seus chorosos pais, depois da morte, numa união singular no Espírito, comunicada às coisas que deixou e aos acontecimentos do dia a dia que viveu. Ela partiu para a eternidade, mas continua a viver conosco, pela saudade, em nossa vida quotidiana. Nos mais simples e íntimos momentos de nossa vida normal. Sua morte os revive nos objetos em que tocou, nas palavras que com ela trocávamos, nos fatos que juntos vivemos, e até mesmo nos fatos que se seguiram à sua partida, que nós lhe comunicamos e com ela conversamos como se estivesse ainda viva.
A morte a levou, mas a devolveu de novo a nós banhada pela luz da eternidade e da ressurreição. Revivendo a nosso lado, por essa humilde e invisível presença de cada dia, de cada hora, de cada momento, com que banhamos de esperança a nossa saudade, como também da grande alegria e certeza de que ela passou a velar por nós agora na plenitude de sua vida com Deus.
E nós a temos sempre conosco, a nosso lado, em nossa vida de cada dia. No silêncio de cada noite.
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