terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O MISTÉRIO DA ALEGRIA DE VIVER

      Jacques Maritain, famoso filósofo francês muito lido e admirado por mim quando cursava filosofia e teologia na capital paulista, fazia sempre uma advertência aos que o liam: -"Nunca vos esqueçais de colocar diante de vós, em todas as circunstâncias da vida, o sentido e a vivência da transcendência",  isto é, o sentido e a vivência de Deus. Raíssa Maritain, sua esposa, declarou em seu livro "As Grandes Amizades" que essa frase foi o testamento espiritual do filósofo.
      Refletindo sobre a frase de Maritain e o comentário da esposa, veio-me à lembrança outra idéia que encontrei em seus livros: a  de que a liberdade, e as liberdades, podem e devem sempre ser concedidas ao pensamento e ao sentimento humano na sua procura da verdade última da vida. Mas, no fundo dessa problemática, só há uma opção, e esta, irredutível, como venho refletindo ultimamente, após a morte de minha filha Raquel: Há ou não alguma coisa depois da morte? A morte é um fim ou um começo? Há uma dicotomia ou uma coincidência entre o bem e o mal? Nosso destino neste mundo tem o seu fim no nada ou na plenitude? Se a morte é inevitável, a melhor coisa que podemos fazer é esquecê-la? Ou pelo contrário, o diálogo com a morte, com o sofrimento, com a miséria, com o desespero, é um compromisso de honra para combater todos esses inimigos da vida, e tirar o bem do mal, como também tirar a alegria do sofrimento?
      Eis porque, no meu entender, a suprema tarefa que Deus propôs à humanidade, ao criar homem e mulher e conceder-lhes o trágico privilégio de serem livres, foi o de chegarem à alegria como fruto do esforço e do sofrimento. Com isso, a vida só merece realmente ser vivida se soubermos levar a fundo esses pensamentos. A alegria de viver não é apenas um ato reflexo da própria vida,  mas uma conquista que está, até certo ponto, em nossas forças e cuja dignidade é ser uma luta constante contra a tentação de se entregar à ilusão de que a felicidade estaria em deixar-se viver, e em não merecer a vida.
      Estaria em receber passivamente o dom da vida, como um prazer que devemos desfrutar gulosamente, pela ambição do poder, da riqueza ou do prazer.  Ou, pelo contrário, a vida seria uma graça, por ser um dom gratuito de Deus, mas que temos o dever de procurar merecê-la, se estivermos dispostos a vivê-la como um ser livre e não apenas por um acaso.
      O debate entre essas duas formas extremas de aceitar a vida, como seres realmente livres ou como escravos de nossos instintos, será eterno em todo o tempo. Pois a grandeza e a beleza da liberdade é precisamente a liberdade e o direito de a negar. De vivermos como aqueles indiferentes ao bem e ao mal, que Dante Alighieri, na sua "Divina Comédia", colocou à porta do inferno, sem terem eles  mesmos a dignidade de nele penetrarem. Isto é, de vivermos como se não vivêssemos. De representarmos a comédia da liberdade sem sermos realmente livres.
      A tarefa de encontrar a alegria, pelo contrário, não como fruto necessário do sofrimento, ou este como uma maldição de Deus, mas como um esforço de superá-lo. Ou antes, é a nossa missão de viver dignamente, embora de maneira precária pela nossa contingência e finitude, como caminheiros em busca da perfeição.
      Não viemos ao mundo para sofrer, mas para superar o sofrimento  Não viemos ao mundo para amar a morte, mas para transformá-la em um constante desafio à vida. Nisto está o perigo e a dignidade de viver.  A vida sem a morte e sem a alegria de viver seria uma caricatura da vida.
      Não temos apenas o direito à alegria, mas o dever da alegria. Não temos apenas o direito de lutar contra o sofrimento, a miséria, o pecado, a opressão e a morte, mas o dever de travar esse diálogo, para alcançar uma vitória.
       Mas a única vitória que podemos ter contra a morte é que ela não nos impeça de amar a vida, e procurar sempre a alegria de viver. Não é fácil. Porque, no fundo, tudo é mistério.

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