sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A ILHA MISTERIOSA

       Nos meus tempos de adolescente, já perdidos nas densas brumas do passado, quando não havia ainda a febre dos games, nem a praga dos celulares, nem a fascinação fanática pela TV e semelhantes penduricalhos, minha alegria nas tardes em que não tinha tarefas escolares para fazer era ler a obra prima de Júlio Verne, "A Ilha Misteriosa". Neste livro Júlio Verne narra as aventuras de um grupo de náufragos perdidos numa ilha do Pacífico que, bem abrigados numa oportuna caverna, liam, falavam, e esperavam socorro, conversando sobre a ilha e a sua remota localização. Lastimo que os adolescentes de hoje não tenham realizado esta longínqua viagem, na companhia de um dos mais envolventes feiticeiros que nos legou o século XIX.
      Lembro-me muito bem que no ano de 1963, dirigindo um grupo de jovens na favela da Vila Prudente, na capital paulista, em certo domingo, na pequena capela do local, contei a eles a história da ilha misteriosa, e nunca mais me esqueci da apaixonada atenção desses meus jovens ouvintes: queriam saber todos os detalhes do naufrágio, da localização da ilha, o clima, a hora das marés, como se identificava o Cruzeiro do Sul, o que os náufragos faziam para sobreviver, se na ilha havia habitantes hostis e animais ferozes.
      Nunca esperei, porém, o que iria acontecer. Ao contar-lhes que os náufragos se viravam como podiam com seus parcos recursos, sozinhos e abandonados, em momentos críticos chegavam-lhes socorros não se sabia de onde. Era uma fogueira que de repente se acendia, uma caixa repleta de ferramentas que aparecia na praia, uma corda pendente de um alto rochedo, inimigos exterminados.
      Ao ouvirem a narração  destes fatos, vários destes jovens cujos pais, trabalhadores humildes, muitos deles nunca frequentaram qualquer igreja, identificaram o misterioso benfeitor da ilha. Foram eles que me levaram a pensar no simbolismo da obra, que mais tarde eu iria encontrar de novo em um livro do escritor e poeta francês, Paul Claudel. O "segredo da ilha" é Deus, não é?" - me perguntavam eles. Quando tive de lhes contar a verdade, mostraram-se tristemente decepcionados.
      Prevejo a objeção: naturalmente que adolescentes de favela, com pouco ou nenhum estudo, ignorantes das causas naturais e científicas, deviam pensar em Deus; nós outros, porém, adultos, civilizados, sabedores das coisas... Recuso inteiramente este juízo. O fato de adolescentes possuírem a fé, enquanto os "adultos" a perdem com frequência, não prova que a fé seja coisa simplória, mas que ela é mais facilmente acessível a uma alma que salvaguarda ainda um tanto da candura da juventude. Felizmente há muito tempo que outra pessoa, e esta, com imensa autoridade, disse a esse respeito coisas definitivas, que devem ser tomadas a sério. Pois não foi Jesus de Nazaré quem nos lembrou que "se não nos tornarmos como crianças não entraremos no Reino de Deus"?
      Os meus jovens da favela da Vila Prudente deram-me, neste particular, um exemplo: apesar de sua impureza precoce, dos grosseiros palavrões, dos namoricos nem sempre recomendáveis, das brigas entre si, vinham aos domingos de manhã, pontualmente, ouvir a Palavra de Deus, imaginar Sua presença na ilha deserta, para onde eu os arrastava sobre a guia de Júlio Verne.
      Gostaria que os leitores desta página, que procuram Deus, não desdenhem nem condenem os jovens de hoje, muitas vezes enredados no caminho traiçoeiro das drogas e dos "amores" nada decentes. Se meus eventuais leitores verdadeiramente procuram Deus, descobrirão, mesmo na vida nada cristã de parte da nossa juventude, vestígios dos passos d¹Aquele que veio ao mundo para salvar os vivos e os mortos.
      Assim também, mesmo diante do inferno das drogas, que levam tantos jovens a uma morte precoce e lamentável, o exemplo dos meus jovens da favela nos dá a esperança de que é possível que o náufrago que ainda consegue vislumbrar vestígios de Deus no seu infortúnio e na sua vida miserável, talvez um dia O encontre, talvez O renegue, mas por fim O reconhecerá na undécima hora , quando a da juventude for, mesmo que tardiamente, reencontrada.

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