sexta-feira, 27 de maio de 2016

A MAIOR DAS VIRTUDES


                                        Do poeta tcheco de minha predileção, Rainer Maria Rilke:

                                         Quiconque pleure à présent quelque part dans le monde,
                                         sans raison pleure dans le monde,
                                         pleure sur moi.

                                         Quiconque rit à présent quelque part dans la nuit,
                                         sans raison rit dans la nuit,
                                         rit de moi.

                                          Quiconque marche à présent quelque pars dans le monde,
                                          sans raison marche dans le monde,
                                          vient vers moi.

                                           Quiconque meurt à présent quelque pars dans le monde,
                                           sans raison meurt dans le monde,
                                           me regarde...


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               As solenidades em comemoração da presença de Cristo entre nós, na Eucaristia, levam-me a falar da Caridade, pois essa presença de Cristo, sob as espécies do pão e do vinho consagradas pelo sacerdote durante a Santa Missa, é a maior prova de Seu amor para conosco, pobres pecadores, mas a caminho do Reino.
               Abrindo este blog de hoje, no qual tenho a ousadia de dar um testemunho da Caridade, da mais alta virtude que vem de Deus, a primeira sensação que me assaltou foi a de uma terrível indecisão, de incompetência: mas logo a seguir tive a alegria de descobrir que esse é o mais fácil e tranquilo dos testemunhos, porque a mais alta virtude é justamente aquela que desce mais baixo e alcança sempre, a Você, benévolo leitor, e a mim, humilde escrevinhador.
              A Caridade está em toda a parte. Nós a encontramos em todos os lugares e em todas as horas. Ela é paciente; suporta o mundo sem Fé; corre atrás do mundo sem Esperança. Persiste, aguenta, esconde-se para servir e mostra-se para ajudar. Está aqui, está ali, não se cansa, não se irrita nunca. 
              O mundo é um abismo de Caridade; é um vale de lágrimas, das lágrimas da Caridade.
              A Caridade está em toda a parte. Onde houver face de homem ou de mulher, onde se ouvir uma palavra, apesar das feridas das paixões e dos acentos estridentes da mentira, há alguma coisa que se mete de permeio, que insiste e insiste, sempre, sem se cansar.
              Eu a vejo nas ruas de meu bairro, nas faces convencionais e tristes dos gestos travados, nos sorrisos amordaçados, no olhar que se desvia, na palavra que se engole, para não ferir. Eu a vejo nos lugares barulhentos das praças e nas circunstâncias mais banais. Uma velha desconhecida que tropeça e cai na minha frente, e me olha espantada de ter caído; um mendigo sentado na calçada, me olhando, triste, esperando o dom de alguns trocados.
              Tudo me fala dessa presença absurda, mas que me convida e me incita a uma imensa e total reconciliação com o meu semelhante que sofre.
              A Caridade é boa. O mundo pode perder a Fé e a Esperança, mas não perde a Caridade, porque a Caridade não perde o mundo. Não o deixa, não deixa vazio qualquer recanto, é como uma dona de casa que anda solícita e cuida de todos os vãos, arrumando, varrendo, adornando com flores e com carinho.
             Onde gente pretensamente culta discute com pedantismo literário os males do mundo, pelo prazer de ouvir o som da própria voz, a Caridade vem e se põe no meio; basta acontecer alguma coisa, um desentendimento qualquer, para que um braço se estenda, a mão se abra e uma palavra boa se faça ouvir.
             A Caridade está alastrada no mundo. Se for pisada aqui, ela renasce acolá. É impossível evitar sua perseguição tenaz e branda. Se as portas de minha casa permanecem fechadas por medo de eventuais ladrões, ela entra pelas frestas como uma brisa ligeira, instala-se num canto da sala  -  criada humilde pronta para servir, mãe amorosa atenta para amparar.
             A Caridade fica quieta; espera; é paciente; é boa. Sabe que mais cedo ou mais tarde terá feridas para curar. Quando é enxotada, ela sempre volta. Quando é insultada, ela perdoa.
            Às vezes arrastam seu santo nome, por derrisão, nos lugares onde o pobre e o faminto são escarnecidos pela filantropia vazia e sem amor; nem assim, diante da usurpação e do ridículo, ela volta atrás. Está ali sempre, ali fica. Até mesmo nas próprias instituições ditas de caridade, a Caridade aguenta permanecer.
           Sua ironia é assim, ironia de mãe, que cuida de tudo, entrega-se a tudo, sem nada querer em troca. A não ser fazer presente a força do  Amor.

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Aroldo Teixeira de Almeida, bacharel em Teologia Sistemática, é professor aposentado de Língua Portuguesa e Francesa, do Quadro Próprio do Magistério Paranaense.

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