domingo, 1 de maio de 2016

Saudades de minha filha Raquel


             Hoje, domingo, primeiro de maio, dia do Senhor, como faço todos os dias, rezei, na "Liturgia das Horas", o ofício dos mortos, por minha querida Raquel, minha inesquecível filha, sem esquecer outro morto querido, meu filho Júlio, num até hoje  mal explicado suicídio.
            Morreu moça a minha idolatrada Raquel. Com apenas 43 anos. De câncer, essa doença insidiosa, que os médicos ainda não conseguiram debelar totalmente.
            Minha filha Raquel. 43 anos, apenas metade de uma vida. O câncer a levou.  Maldita seja essa doença, assassina de gente nova e inocente.
             Nessas horas, relembrando a angústia de minha filha, nas vascas da morte, eu cometo o horrível pecado da blasfêmia, pedindo perdão a Deus, mas não consigo aceitar o sofrimento e a morte dos inocentes. Dizem-me os padres da paróquia que o mais inocente de todos, o Cristo Jesus, morreu pregado numa cruz. Confesso que, nos meus momentos de dor, essa realidade fala muito pouco à minha alma. É verdade que Jesus teve uma morte terrível. Na Sua humanidade, Ele morreu. Mas Ele era Deus, tinha a divindade ao Seu dispor, portanto Sua morte de maneira nenhuma pode ser comparável à nossa, à morte de minha querida filha Raquel que, na sua terrível agonia, com o cérebro invadido pelo câncer, ainda tinha a coragem de rezar: - Seja feita a vontade de Deus!"
             E eu blasfemava comigo mesmo: Se Deus é Pai, como nos dizem os pregadores, como pode permitir que uma filha Sua, a Raquel, jovem e inocente, alheia aos pecados deste mundo, sofresse tanto, gritasse de dor num leito de hospital, mas se mantivesse firme na sua crença e esperança em Deus?
              Minha filha morreu nova. 43 anos. Metade de uma vida normal. Metade da vida que tenho hoje. Mas, na sua dolorosa agonia, se mantinha firme na Fé, que nós lhe ensinamos desde a sua mais tenra infância. Pediu a assistência de um sacerdote. Chamei o padre. Um antigo colega de seminário, do tempo em que eu ainda mantinha a veleidade de também ser padre, mas as contingência da vida me fizeram sair do seminário, namorar, casar, gerar minha filha Raquel, e hoje chorar a sua partida prematura para a Casa do Pai de todos os pais.
              Veio o padre, meu antigo colega de seminário.. Subiu até ao quarto do hospital, o Erasto Gaertner, tirando de seus hábitos de frade franciscano um pedacinho de pão.
               E foi assim que o Corpo de Deus entrou de novo em minha vida, e que me deu a graça de assistir pela primeira vez ao milagre de uma boa morte. Porque minha filha, ao ver o padre entrando no quarto, ela sorriu no seu último dia!
               Minha querida filha Raquel, aí no Céu, onde você está, cuida bem de tua filha Isabela, faça com que ela seja uma menina ajuizada como Você foi, e cuida de teus velhos pais, que aqui nesta terra de provações, esperam confiantes na misericórdia de Deus; e que, talvez muito em breve, aí também estejamos nós, tua mãe e eu, na presença de Deus que enxuga todas as nossas lágrimas.
               Descansa na paz do Senhor, Raquel. Eu, egoísta que sou, quisera que você estivesse ainda entre nós, vivificando-nos com a tua radiante juventude!
               Mas Deus, o Senhor de nossas vidas, não quis assim. Louvado seja Deus!


    
     










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