segunda-feira, 16 de maio de 2016

'DE GUSTIBUS ET COLORIBUS NE DISPUTETUR"


             É isso aí, como está no título:
             "A respeito de gostos e de cores não se discute".

             Ignoro se foi por desejos meus ou de meus pais,  não sei se eu gostei ou não, mas o fato é que nos meus anos juvenis passei um ano em Aparecida num seminário; em seguida me transferi para o Seminário Menor Maria Imaculada de Ribeirão Preto, SP, onde concluí o curso de humanidades. Terminado este, fui para a Capital paulista, para estudar Filosofia e Teologia, no Seminário Central do Ipiranga, instituição católica para a formação de padres.
            Passei pelas assim ditas "Ordens Menores", recebi a batina e a tonsura na cabeça, mas a veleidade de ser padre desapareceu nas nuvens, após o meu bispo ter recebido uma denúncia de que eu era comunista... A verdade é que no dia semanal de folga, às quintas-feiras, eu não o passava no seminário, nem saía a visitar livrarias ou museus, como faziam os demais seminaristas. Meu interesse estava direcionado para outras questões, como a "Doutrina Social"  da Igreja, e estas questões me levavam a frequentar a Frente Nacional do Trabalho, do advogado Dr. Mário Carvalho de Jesus, e do sindicalista Miele. Com eles, participei de várias "Semanas de Doutrina Social da Igreja",  em paróquias que conheciam a "Frente" e nos convidavam para levar até elas a "Semana", o que fazíamos com muito gosto e com ótimos resultados entre os paroquianos. Talvez fosse por essa minha participação na "Frente" e pelas "Semanas Sociais" é que levou pessoas mal informadas ou de má fé a me acoimarem de comunista. E eu as compreendo e as perdoo.
             E o seminário? Foi para as cucuias. Saí, conheci uma moça, namorei, noivei,  casei-me. E cá estou eu leigo e faceiro como nasci, apesar do enorme peso dos oitenta anos nas costas...
             Findo o exórdio, e explicado mais ou menos quem sou eu, entro na discussão do título do blog de hoje.
             Gosto e cores não se discutem. Alguém me disse que essa frase figuraria muito bem entre as proclamações do direito do homem, a propósito da obra de Machado de Assis - literatura brasileira minha leitura predileta -  como também da pintura de Picasso, tipo de obra que admiro, apesar de leigo e analfabeto no assunto.
              Estou pronto a concordar que gosto não se discute quando se trata de pratos num restaurante. Custa-me um tanto quanto, mas reconheço a perfeita legitimidade do gosto pela beterraba ou pela berinjela. No que concerne à pintura de Picasso ou aos romances de Machado de Assis, aceito que se compreenda ainda uma certa relatividade na simpatia temperamental, um gosto ao qual cada um de nós tem direito,  mas não posso concordar  que o juízo sobre tais coisas se reduza a um simples elemento da ordem do sensível.
              Na verdade, quem se pronuncia sobre uma pintura de Picasso ou sobre um dos romances de Machado de Assis, falando alto e gesticulando numa roda de pretensos intelectuais, digo que esse tal é um inimigo pessoal da Arte. Para ele, as coisas não "são" em toda a extensão do termo, mas apenas "valem". Não têm um valor "absoluto" em si mesmas, apenas "medem-se" ao gosto subjetivo de cada um. Falam alto e gesticulam numa roda de pretensos intelectuais, porque não lhes ocorre que exista uma verdade objetiva para cada coisa, para cada ser, mas apenas valores que são conferidos pelos observadores eventuais.
             O universo inteiro seria uma espécie de bolsa de valores, e cada opinião um preço que se apregoa. O universo inteiro, não somente Picasso ou Machado de Assis, seriam coisas insuficientemente criadas, à espera do veredito final a ser pronunciado nas salas de visitas de pretensos intelectuais...
              No meu modesto parecer,  como também no uso corrente do termo, a opinião é muitas vezes uma espécie de câncer da inteligência, produzido pela recusa intelectual diante da objetividade. Porque, de pequeno e modesto dado da inteligência, passa a ser considerada como a mais alta e a mais dignificante conquista de nossa mente.
              Quem se nutre apenas de opiniões, achando-as gostosas e suculentas, é como quem deixa a carne, o pão e o vinho, para apregoar as virtudes superiores do palito que usa após as refeições...
              É contra essa esquisita dieta que deixo aqui a minha justa indignação, como admirador profundo da pintura de Picasso e leitor diuturno dos romances de Machado de Assis.

             

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