quarta-feira, 5 de agosto de 2015

VIAGEM AO REDOR DE MIM MESMO


                   O que vou narrar hoje neste meu blog aconteceu na então pequenina cidade de Caldas, sul de Minas Gerais, quando eu deveria ter sete ou oito anos de idade.
               Minha mãe foi para trancar a porta da sala, mas cadê a chave? Não estava onde normalmente ela deveria estar. E não é que minha mãe cismou que fui eu o causador da perda de tão valioso objeto?
                    Exigiu, então, que eu virasse pelo avesso os dois bolsos de minha calça e os dois bolsos da jaqueta com que eu estava me protegendo do frio.
                      Quanta coisa saiu de dentro! Tudo, menos a maldita da chave.
                    À medida que eu ia esvaziando meus bolsos, mais minha mãe foi ficando furiosa com o que lhe parecia bugiganga que via saindo bolsos a fora...Aí me dei conta de como é difícil para os adultos entenderem as crianças!
                    Um carretel vazio! Como é que minha mãe podia lá entender que parecia carretel, mas era telefone eletrônico a usar na travessia dos desertos, quando por lá eu viajasse, encarapitado num belo e vistoso camelo, como nos filmes de Tarzan?...
                     Um pedaço de cordão!... Como é que a gente grande podia aceitar que não se tratava de um simples cordão, mas de corda mágica a ser estendida de montanha a montanha, ou por cima das águas quando fosse preciso atravessar rios caudalosos?
                      Algumas pedrinhas de tamanhos e cores diferentes: aqui é que a gente grande ia mesmo torcer o nariz, sem poder de modo algum acreditar que eram pedaços da Lua, a mim oferecidos por um astronauta de passagem pela cidade!...
                      Vendo sempre mais sair de dentro dos bolsos as coisas mais absurdas e inesperadas, menos a maldita chave da porta, minha mãe viu aparecer um guizo, não se conteve e disse de modo mais maneiroso:
                      - "Afinal, uma coisa que eu entendo... Guizo! Você merecia andar de guizo no pescoço, nas mãos, nos pés, e onde mais o Diabo quisesse, seu palhaço!..."
                      Confesso que fiquei triste, e quase ia lhe dizendo que se tratava de um guizo mágico, trazido por algum peixe do fundo do mar...  ou então um guizo que espanta a tristeza e atrai muita alegria... Tive vontade de lhe dizer isso, mas me calei, certo de que ela não ia entender. Gente grande é mesmo tão difícil de entender as coisas mais simples de que um garoto gosta...
                      Ainda consigo me lembrar que mais coisas saíram do meu bolso:  Vários grãos de milho e algumas sementes não me lembro de quê, um prego, um pião, três ou quatro bolinhas de gude, um recorte de jornal com a foto da Marta Rocha...
                      As bolinhas estava na cara que eram para uma disputa com os moleques do bairro... O pião devia ser o campeão de dança do mundo dos piões... os grãos de milho e as sementes, quem tiver imaginação criadora, logo perceberá que eles bem plantados darão nascimento a tudo o que se quiser...  até pamonha quentinha pronta para se comer...
                      O prego! Ora, o prego: mas que mania mais besta de querer explicação para tudo!... Por que não deixar o prego para alguma surpresa mais tarde?... Vai ver que antes da noite ele vai ser usado e aproveitado pelo menos uma meia dúzia de vezes...
                      Seria o cúmulo da besteira se minha mãe me perguntasse a razão da presença do retrato da Marta Rocha no meu bolso!...
                      De toda essa história estapafúrdia, uma lição eu consegui tirar para o resto de minha vida: que paciência as crianças precisam ter com esses ignorantes, que é a gente grande!

                                                  ***************************

Aroldo Teixeira de Almeida é professor aposentado de Português e de Francês, do Quadro Próprio do Magistério Paranaense.

                                                ****************************
                      
                    

Nenhum comentário:

Postar um comentário