terça-feira, 25 de agosto de 2015

UM ESTRANHO DESPERTAR



            É domingo, seis horas da manhã. Fico quieto na cama, ouvindo os sinos da Paróquia São Pedro e São São Paulo, cá no Tingui, bairro de Curitiba onde moro, convidando os fiéis católicos para Santa Missa das seis e trinta. 
            Enquanto continuo indeciso, se me levanto ou fico mais meia hora na cama, o grito da passarinhada nas árvores em redor de minha casa faz-me perguntar a mim mesmo: Como é que eles não se cansam de cantar, horas seguidas, enquanto o sol não faz sentir o seu calor e os leve para paragens mais amenas, já que o bairro possui vários conjuntos de arvoredo, sempre cheios de pássaros palradores?
            O grito dos pássaros marcam, como diria o poeta, o "point-vierge" da aurora que surge sob um céu ainda desprovido de luz real. Esse é um momento, para mim, de um temor reverente e de inexprimível inocência, quando o Pai, em perfeito silêncio, parece abrir os olhos da passarinhada para o novo dia que começa, e eles se põem como que a falar-Lhe. Não em um cantar fluente, mas com uma pergunta despertadora que é o estado de aurora deles. Sua pergunta é se chegou o tempo, para eles, passarinhos, de "ser", e o Pai parece responder-lhes que  "sim". Então a legião de pássaros, por todo o arvoredo, desperta, e faz ouvir cada vez mais forte o seu cantar.
           Entretanto, o momento mais maravilhoso do dia que renasce é aquele em que a Criação toda, em sua inocência, pede licença ao Pai para "ser" de novo, como foi, na primeira manhã que uma vez existiu.
           Toda sabedoria procura preparar-se e manifestar-se neste ponto cego e suave do amanhecer. A sabedoria humana é incapaz disto, pois caímos no autocontrole e não podemos pedir licença a ninguém. Enfrentamos nossas manhãs de cada novo dia como homens de propósito sério, pois sabemos a hora e impomos os termos. Está claro que estamos sempre em posição de impor termos, pensamos. Temos um relógio que prova desde o início que estamos certos. Sabemos o que seja o tempo. Estamos em contato com as leis interiores ocultas, e podemos dizer antecipadamente que espécie de dia este deverá ser.
          Em seguida, de for necessário, tomaremos medidas certas para fazer esse dia enquadrar-se em nossas exigências...
          Para os passarinhos, não existe um tempo que conheçam, e sim o ponto virgem entre trevas e luz, entre o não-ser e o ser. Nós é que, em nossa alto-suficiência, podemos calcular a hora pelo despertar dos pássaros, se somos experientes. Mas isso é nossa loucura, não a deles.
         Eles, pois, despertam: primeiro os pardais, barulhentos; mais tarde, as andorinhas festeiras.
      Diante deste fato, um estranho pensamento me vem à mente: o Paraíso nos envolve e não o sabemos. Ou será minha filha Raquel precocemente falecida, e cujo aniversário de falecimento choramos nestes dias, que parece querer comunicar-se conosco?

        

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