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Nada melhor para começar esta minha parlenga, do que trazer o primeiro depoimento de Camões, "o príncipe dos poetas", aquele que no meu entender melhor sentiu na própria carne o desconcerto do mundo, e melhor o exprimiu através de versos memoráveis. Sirvam de exemplo, estes que transcrevo abaixo:
Os bons vi sempre passar
No mundo graves tormentos;
E para mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado,
De modo que, só para mim,
Anda o mundo concertado.
Muito tempo antes de Camões, em tempos que já lá vão perdidos nas densas nuvens do passado, outro alguém que também testemunhou seu desencanto diante do desconcerto do mundo, deixou-nos este legado. Foi Jó, o protótipo do homem sofredor, que a Bíblia Sagrada nos coloca diante dos olhos:
Pereça o dia em que nasci,
A noite em que se disse:
- "Um menino foi concebido."
Esse dia, que se torne trevas,
Que Deus, do alto, não se ocupe dele,
Que um eclipse o aterrorize.
Que dele se apodere a escuridão,
Que não se some aos dias do ano,
E que nem entre na conta dos meses!
E o lamento de Camões segue no mesmo diapasão do autor bíblico:
O dia em que nasci morra e pereça;
Não o torne jamais o tempo dar.
Eclipse nesse dia o Sol escureça,
E a Lua deixe à noite de brilhar.
E o lamento de Camões segue no mesmo diapasão do autor bíblico:
O dia em que nasci morra e pereça;
Não o torne jamais o tempo dar.
Eclipse nesse dia o Sol escureça,
E a Lua deixe à noite de brilhar.
Creio eu que estejam em Camões as mais finas intuições que escaparam por entre os dedos dos filósosos do "espírito da geometria", mas que nunca possuíram o "espírito da fineza" presente sempre na lírica de Camões.
Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das coisas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer jamais o ser contente:
Errei todo o discurso de meus anos!
Nesta outra passagem, a colocação do Poeta é veementemente colocada em termos da Esperança Teologal, como eu a entendo:
Cá nesta Babilônia, donde mana
Matéria a quanto mal o mundo manda
Matéria a quanto mal o mundo manda
Cá onde o puro Amor não tem valia,
Cá, onde o mal se afina e o bem se dana,
Cá neste escuro caos de confusão,
Cumprindo o curso estou da Natureza!
Em diversos tons, em prosa e em verso, espíritos angustiados diante do incompreensível desconcerto do mundo, poetas e escritores puseram seu gênio a testemunhar os gemidos de homens e mulheres, em textos que fazem as incongruências do século assumirem dimensões que extrapolam quase infinitamente o senso do comum dos mortais.
Ouçamos mais uma vez os lamentos de Camões, na sua famosa Canção X:
Chegai, desesperados, para ouvir-me,
E fujam os que vivem de esperança ,
E fujam os que vivem de esperança ,
Ou aqueles que nela se imaginam...
Porque Amor e Fortuna determinam
De lhe darem poder para entenderem,
À medida dos males que tiverem.
Gostaria de alertar meus eventuais leitores que os desesperados, que Camões quer como ouvintes de seus gritos sobre o desconcerto do mundo, não são os desesperados contra Deus, pois não teria sentido tal chamado na pena de um poeta de tão vigorosa e pura doutrina, como era a sua.
Na verdade, ele só chama para ouvi-lo os que tiverem capacidade de sentir o desconcerto do mundo e as incongruências da vida.
Estranha condição! O mesmo Poeta que geme sobre o desconcerto do mundo, em outros textos, e são muitíssimos, nos conduz a Deus. Mas o seu convite só tem propulsão quando, na mesma queixa sobre o mundo, consegue imprimir reflexos da imensa e fascinante beleza que eles mesmos, os seus textos, aspergem sobre a nossa sensibilidade.
Os artistas - e Camões é um dos mais autênticos - estão aqui neste mundo obscuro e bastante desconcertado para mostrar aos homens e mulheres de boa vontade os preparativos de uma festa a que todos nós somos convidados.
O trabalho deles é como as estrelas que brilham sem vencer a escuridão da noite. Estamos aqui no mundo, não apenas vendo sombras passarem, mas vendo lampejos de luz, como disse o Apóstolo Paulo.
Cantará a Igreja, na Quinta-Feira Santa vindoura, durante a cerimônia do "Lava-pés", a antífona tirada do Evangelho de São João: "Ubi Caritas et Amor, Deus ibi est." = onde estiver a Caridade e o Amor, aí está Deus.
Hoje, com o beneplácito de Deus que me beneficiou com o dom da existência - gratuitamente, sem que eu o merecesse - mudo de idade (78 anos), em companhia de familiares, e tomo a liberdade de modificar um tanto quanto o texto do "Ubi Caritas". Eu diria com muita satisfação:
Onde houver alguma cintilação de beleza, como as que encontramos em Camões, - aí Deus está!
Encerro esta minha humilde homenagem ao "Príncipe dos Poetas" - Luís Vaz de Camões - com um soneto que compus em sua homenagem, em São Paulo, 1962 - quando ainda estudante ginasiano:
ORAÇÃO A MEU SANTO PADROEIRO
São Luís de Camões, ó padroeiro
Do meu ousado vôo em busca da Arte:
Eis-me aqui a teus pés, a suplicar-te
Que sejas o meu Guia e Conselheiro.
Eu te louvo, Camões e, com louvar-te,
Dou-te provas de afeto verdadeiro
Teu Poema, entre todos, o primeiro,
Levando-o comigo a toda parte.
Diante do teu gênio, que me assombra,
Rebenta em borbotões à flor dos lábios
Este soneto, que exalçá-lo vem.
Arbusto humilde que nasceu-te à sombra,
Aceita-o, ó sábio entre os mais sábios,
No século do séculos. Amém.
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Encerro esta minha humilde homenagem ao "Príncipe dos Poetas" - Luís Vaz de Camões - com um soneto que compus em sua homenagem, em São Paulo, 1962 - quando ainda estudante ginasiano:
ORAÇÃO A MEU SANTO PADROEIRO
São Luís de Camões, ó padroeiro
Do meu ousado vôo em busca da Arte:
Eis-me aqui a teus pés, a suplicar-te
Que sejas o meu Guia e Conselheiro.
Eu te louvo, Camões e, com louvar-te,
Dou-te provas de afeto verdadeiro
Teu Poema, entre todos, o primeiro,
Levando-o comigo a toda parte.
Diante do teu gênio, que me assombra,
Rebenta em borbotões à flor dos lábios
Este soneto, que exalçá-lo vem.
Arbusto humilde que nasceu-te à sombra,
Aceita-o, ó sábio entre os mais sábios,
No século do séculos. Amém.
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E o mestre do poeta lusitano, nas endeixas em que chora o desconcerto do mundo, onde está?
Ei-lo aqui, é Jó, o justo sofredor bíblico, que nos dá também a razão de seu desconcerto:
Nu saí do ventre de minha mãe,
E nu voltarei para lá.
Javé o deu, Javé o tirou.
Mas bendito seja o nome de Javé.
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