segunda-feira, 24 de março de 2014

GASTAR-SE SERVINDO, SERVIR SEMPRE...



                                         A velha estrada ficou em meus olhos
                                         A verdade é que os caminhos, como eu, também envelhecem
                                         E morrem.
                                         Somos da mesma idade, querida estrada!
                                         Vê com que amizade contemplo
                                         Tuas barrancas meio gastas
                                         Enquanto olhas,
                                         Fraternalmente,
                                         As rugas de meu rosto a cada dia mais fundas...
                                         Tua glória e a minha
                                          Sempre foi a de servirmos de caminho
                                          Para a passagem das multidões
                                          Como também a  glória de não nos retermos
                                          A glória de nos gastarmos
                                          Eu e Você, velha estrada
                                           Conduzindo conduzindo conduzindo....

          Nem sei se Você, benévolo e eventual leitor, entendeu esta minha conversa com a velha estrada da minha vida... Sua placa de inauguração tem a mesma data do ano e mês em que nasci... Uma eternidade de anos e meses!
          Mas estrada também se gasta e se desgasta. Se não houver cuidado de mantê-la em forma, se não for sendo renovada dia a pós dia, ela vai envelhecendo e pode até se acabar, ficar intransitável...
          Nós dois, eu e Você, velha estrada da minha vida, nos olhamos como velhos amigos que se viram crianças, e hoje, lado a lado, contemplam as marcas do tempo que por nós passou, implacável...
          Mas o importante foi lembrar à estrada  -  e principalmente a mim,  pois sempre me pareci com estradas  -   lembrar que o importante é servir de caminho, é ensinar e ajudar a caminhar...
          Ai da estrada que, em lugar de facilitar a caminhada, prendesse a si quem quisesse atravessá-la... Papel da estrada, como também meu, é ajudar a caminhar, a não parar, a seguir sempre...
         Mesmo que a estrada se gaste com a passagem de carros, ônibus e caminhões, mesmo que ela se gaste com o número de pessoas que passam a pé  -  quem sabe, também, com o féretro que leva ao cemitério um morto para sua última morada  -  se mesmo assim a estrada se gasta, servindo, que gasto bendito!
         Como a estrada, minha alegria deveria ser, também, servir.
         Gosto de fazer perguntas amáveis que em geral as pessoas não sabem responder...
         Subindo, no elevador ainda dos antigos, para uma consulta ao meu cardiologista, perguntei ao  cabineiro, já velho no ofício, quantas pessoas subiram e desceram, levadas por ele, em seu elevador... Não soube calcular, mas sorriu feliz pensando na multidão a que já serviu...
         De volta para casa, também o velho e simpático chofer do táxi, com cinquenta e um anos de praça  -  me disse  -  nem conseguiu calcular quantas pessoas transportou nos três ou quatro carros que já possuiu... Mas ele, também, ficou feliz, pensando em como tem servido à Humanidade...
         Pergunte Você ao carteiro de sua rua quantas cartas entregou até hoje. Pergunte à telefonista da repartição quantas chamadas recebeu e quantas transmitiu... E àquele velho pescador, seu vizinho, quantos peixes pescou no rio ali por perto... E à cozinheira de seu hotel, quantos pratos preparou e quantos pratos e panelas já lavou...
         Até hoje só encontrei uma velha parteira, de apelido delicioso  -  "Mãe Benta"  - com a resposta na ponta da língua quando lhe perguntei quantas crianças ela "aparou" nos seus muitos anos de benemérito trabalho:
         - "Tenho trinta e dois anos de serviço, na Bahia e aqui no Paraná, e tenho sempre anotado: até ante-ontem "aparei" setecentas e cinquenta e oito crianças...
         Quanta glória, velha estrada da minha vida, a de gastar-me, gastar-me, gastar-me, servindo, servindo, servindo, sempre feliz!















      

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