segunda-feira, 30 de março de 2015

MINHA VIVÊNCIA CRISTÃ ANTE O PROBLEMA DA MORTE



                  A Fé cristã não me dá respostas pormenorizadas e precisas sobre o que sucede depois da morte. Mas o Cristianismo me incita a encarar a morte e a tomá-la em conta,  superando o medo que ela me inspira e vencendo-a em Cristo. Mas isto é coisa inteiramente outra.
                Um número  maior de cristãos deveria compreender isso, em lugar de tornar suas piedosas considerações sobre o Céu e o Inferno (se é que o fazem, digo eu) simplesmente um modo de evitar a necessidade de focalizar a morte em sua realidade nua e crua.
                Permita-me o eventual leitor deste blog afirmar que a Fé cristã, em mim, não procura apenas responder à pergunta - "que é a morte? Que significa a morte em minha própria existência, agora?
                  A morte não é o fim inevitável da vida. Não é um fim que deve vir, quer me agrade ou não. E completo: não é apenas uma necessidade dolorosa, como pagar anualmente o imposto de renda, ou fazer o recadastramento anual no INSS...
                 O fato da morte não é apenas o cancelamento de todas as possibilidades, a negação da escolha e da esperança. Não tenho a liberdade para morrer ou não, mas permaneço vivo para fazer o que quero de uma vida que tem de terminar na morte.
                  Mas é bom que se diga que um emprego autêntico desta minha liberdade exige que eu e Você, benévolo leitor, levemos em conta a realidade da morte. Pretender viver como se não pudéssemos ser tocados pelos braços frios da morte não é emprego racional e humano da liberdade. E digo mais: uma "liberdade" desse tipo está, de fato, desprovida de qualquer sentido. É pura e clara ilusão.
                  Aprendi que no cerne da minha Fé cristã está a convicção de que, quando a morte é aceita com espírito de Fé, quando minha vida inteira está orientada pelo dom de mim mesmo, de maneira que o fim da minha vida terrena é entregue de volta nas mãos de Deus, pronta e livremente, ela se transformará em plenitude.
                 Isto porque minha Fé me ensina que a vitória sobre a morte é obra do amor. Não é fruto de minhas eventuais virtudes, e sim da participação no amor com que o Senhor Jesus aceitou a morte, e morte de cruz, acentuam os evangelistas.
                 É claro que uma verdade como esta não se torna patente à nossa razão. É inteiramente do domínio da Fé. E se eu creio que ao unir minha vida e minha morte ao dom que Jesus fez de si mesmo no Calvário, encontro não apenas uma resposta dogmática a um problema humano e a uma série de gestos rituais que me confortem e aliviem minha angústia diante do fim inevitável.
               Foi-me concedida gratuitamente por Deus a graça da assistência do Espírito Santo. Assim, cristão que sou, não vivo minha existência de condenado e decaído, mas vivo já a vida eterna e imortal que me é dada, no Espírito Santo, por Jesus Cristo. Assim, eu vivo "em Cristo".
              É claro que o que "vem depois da morte" não se torna ainda para mim muito claro, em termos humanos de "lugar de repouso" (um cemitério celeste?) ou um paraíso de recompensas. Como cristão, católico, não me preocupo, obviamente, com uma vida dividida entre este mundo e o "outro". Preocupo-me, isto sim, com uma vida nova em Cristo e no Espírito Santo, agora e depois da morte. Procuro a Face de Deus e a visão dAquele que é a vida eterna (Jo 17,3).

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Aroldo Teixeira de Almeida é bacharel em Teologia Dogmática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, na Capital paulista.

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quinta-feira, 26 de março de 2015

ENSAIO TEOLÓGICO = A AÇÃO DA TRINDADE NO MISTÉRIO EUCARÍSTICO

               Aproximando-nos  das  festas pascais, em que celebramos o clímax do mistério de nossa Salvação, trazida a nós pela paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, fica bem meditarmos brevemente sobre alguns aspectos dessa obra redentora, rememorada no Santo Sacrifício da Missa, principalmente na celebração dominical.
             No Mistério Eucarístico cada uma das Pessoas da Trindade - Pai, Filho, Espírito - desempenha um papel específico. O papel do Pai é realçado pelo fato de que todas as anáforas são dirigidas a Ele, segundo o esquema clássico "a Patre per Filium, in Spiritu Sancto." 
                A Oração Eucarística proclama que o Pai é fonte e origem da ação salvífica e de todas as ações das demais pessoas da Trindade, assim como o termo de toda ação salvífica. É por esse motivo que a Ele são dirigidos todos os louvores e ações de graças pelos benefícios passados e presentes da Redenção, e a Ele a liturgia formula todas as suas petições.
                O papel do Filho, Jesus Cristo, manifesta-se ao longo de toda a celebração eucarística, que destaca Sua função de mediador, isto é, a Sua capacidade de nos reunir e de oferecer por nós e conosco o sacrifício agradável ao Pai.
                Esta função mediadora aparece especialmente na "anámnesis" (= recordação) que, no rigor teológico, não é apenas uma recordação, mas a atualização da obra redentora, tornada presente mediante as palavras e gestos que Ele mesmo estabeleceu e, agora, são realizados como ato pessoal dEle, "in persona Christi", pelo sacerdote oficiante. O que não significa, contudo, tornar supérflua a ação do Pai e do Espírito Santo, concomitantemente.
                Não se vê nenhuma contraposição nem concorrência entre as Pessoas Divinas: trata-se de uma ação trinitária e com esse caráter se apresenta a ação de cada uma das Pessoas.
                As ações do Filho, nos gestos e palavras da consagração que o sacerdote realiza em Seu nome. são partes da celebração  -  e nela se inserem  -  provenientes do Pai e realizadas no Espírito Santo e, nesse aspecto, implicando nela toda a assembléia dos fiéis.
                Já o papel do Espírito Santo é realçado na oração sobre as oferendas e sobre a Igreja., não deixando dúvidas de que tanto a consagração  do pão e do vinho, na sua eficácia salvífica  -  quando 
recebidos pelos que comungam   -  são obra do Espírito.
                Como esta oração litúrgica antecede de séculos a reflexão teológica posterior,  limita-se a  celebrar a Fé professada pela Igreja, sem fazer perguntas sobre  "quandos, porquês e para quês"
               Não existe na oração litúrgica intenção de responder à questão sobre em que momento e com que palavras se realiza a conversão eucarística do pão e do vinho.
               A Igreja sabe que essa conversão se realiza, e que nela intervêm o Pai, o Filho e o Espírito Santo, considerando isso suficiente para celebrar o Mistério Pascal, explicitando em um momento a ação do Pai, em outro a do Filho e em outro a do Espírito Santo.
               A Eucaristia deve ser vista como um único grande movimento, em que o Pai é a fonte e o fim, o Filho é o realizador central da Salvação, e o Espírito Santo é a culminação da Salvação operada pelo Filho. Assim, a Eucaristia se encontra no centro do mistério cristão, pascal e trinitário. 
               Tal procedimento explica-se pela forte inspiração bíblica e, mais concretamente, "neotestamentária", das primeiras celebrações cristãs, mostrando que o Deus da Escritura não é o Deus dos filósofos nem o Deus da sinagoga, mas um Deus especificamente cristão, revelando-Se como Trindade de Pessoas; Pessoas que, como tais, atuam na História da Salvação,  e nos mostram o caminho pelo qual Deus vem até nós e nós vamos a Ele.
               Assim, ser cristão é não somente crer em um único Deus, mas abrir-se ao Deus Uno e Trino, que quis aproximar-se de nós para nos reconciliar com Ele, e nos introduzir na comunhão de Sua vida intratrinitária.

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Aroldo Teixeira de Almeida é bacharel em Teologia Sistemática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Capital paulista.

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segunda-feira, 23 de março de 2015

O MISTÉRIO DE SEMPRE



                                                          Ao jogar fora 
                                                          o calendário
                                                         do mês que já passou
                                                         ainda e sempre me vi
                                                         ante o mistério
                                                         do tempo e da Eternidade

                                                                              Meu mês que se foi
                                                                              - fração importante 
                                                                              de minha vida efêmera -
                                                                              contará diante de Deus
                                                                              ou terá ido também
                                                                              para a cesta de papéis?...

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                    A grande arte da vida consiste em transformar o tempo passageiro em feliz eternidade.
      
                  O ideal seria nem preocupar-me com o tempo que passou (posso entregá-lo à Misericórdia de Deus), nem com o tempo que há-de vir (posso entregar o futuro à Providência divina). O importante é aproveitar o presente. Fazer com que ele renda o máximo, fazendo o bem, o que sempre
importará em crescimento interior.
                 Seria certo, a pretexto de aproveitar o tempo, trabalhar sem parar, sem ter vagar para um descanso, sem ter jamais um papo com amigos, um contato com a Natureza, um mergulho na música ou na poesia? Claro que não.
                  De que adianta esticar demais a corda?... Trabalhar sem parar, andar em perpétua correria, em perene disparada, é desgaste, é empobrecimento.
                    Mesmo na vida mais dura, é preciso descobrir meio, inventar jeito de descanso espiritual, cujo ponto mais alto, sem dúvida, é a conversa com Deus... a oração...
                    Mas, se trabalhar sem parar não é coisa inteligente, viver sem trabalhar, sem fazer nada, deixar o tempo correr inutilmente, sem o mais leve esforço para aproveitá-lo, é menos inteligente, além de custar muito mais. Mesmo quando a pessoa não arruma emprego, descubra uma ocupação, nem que seja como higiene mental, sem ficar contando as horas, contando as moscas, roendo as unhas...
                    Eu sempre gostei de folhinha, sobre minha mesa de trabalho e de leitura, com folha para despetalar cada dia...  Como seria bom que, ao arrancar a folha do dia que passou, tivesse eu sempre a alegria de sentir que foi um dia bem vivido, bem aproveitado, dia que valeu a pena! Dia gasto em fazer o bem. Dia sem maldade, sem ódio, sem fingimento.
                    Mesmo que tenha havido alguma fraqueza, que ela seja logo superada.
                Feliz de quem vive dias cheios! Você deve ter notado que eu não escrevi dias aborrecidos...
                    Eu disse cheios, e não atravancados, entulhados de mesmices...
                    Dias plenos, destes que atraem sobre mim e sobre todos nós,  as bênçãos de Deus!


                                                



























































sexta-feira, 20 de março de 2015

FAZER TUDO BEM



                                                         Dar o máximo
                                                         trabalhar sempre com alma
                                                         e com toda a alma
                                                         quer se trate
                                                         de conduzir às estrelas
                                                         uma nave espacial
                                                         ou de fazer
                                                         uma simples ponta de lápis

                                                                     ***********


               Fazer tudo bem: é um dos maiores louvores que o Evangelho faz de Cristo.
               Um propósito, para todo o meu dia-a-dia:
               Que eu não faça nada mal feito, mal acabado. Que eu saiba que nenhum trabalho desonra e todo trabalho pode e deve ser um louvor a Deus.
               Certo dia, cá na frente de casa, um gari da limpeza pública carregava uma lata de lixo, apanhada ali em frente, na lixeira da "Escola Cerro Azul", e da lata emanava um cheiro insuportável. 
               Esperei que ele jogasse o lixo na caçamba do caminhão e quis apertar-lhe a mão pelo serviço bem feito. Ele não queria, de modo algum, que eu lhe pegasse na mão, dizendo que ela estava suja. E eu, com absoluta sinceridade, lhe disse que trabalho nenhum suja a mão do homem. O que suja a mão é roubar, não trabalhar por preguiça ou malandragem, ou por qualquer outro motivo, "ter culpa no cartório..."
               Claro que não trabalhar porque não há trabalho disponível, depois de procurar por toda a cidade, por toda parte, não é de maneira alguma desonra: é sofrimento, e dos grandes!
               Certo dia, passando ali pela XV de Novembro, um garoto, com uma caixa de engraxate às costas, insistiu em que eu o deixasse engraxar meus sapatos, que eu considerava suficientemente limpos. Mas, pensando em ajudá-lo, deixei que ele fizesse o serviço.
               Na verdade, o fato é que me comovi, contemplando o pequenino herói. Tão criança ainda, na idade em que as crianças brincam e vão à escola, ele ali estava, conquistando honestamente um dinheirinho que iria ajudar nas despesas de casa.
                E como ele deixou brilhantes os meus velhos sapatos!
               Comecei a refletir comigo mesmo: se depender de mim, não devo fazer nada mal feito. Nem que seja fazer a ponta de um lápis. Não deixar que ela fique rombuda e feia...
             Permita-me, benévolo leitor: seu trabalho é espanar sua estante de livros? E Você, minha eventual leitora, seu trabalho é na cozinha? Pois se lembrem que, por mais simples que seja o trabalho a ser feito, o importante é que seja feito com alma.
                Em um hospital, não basta que o médico seja fabuloso; a telefonista tem que estar sempre atenta; o pessoal da portaria tem que ser acolhedor e amigo; as enfermeiras e ajudantes de enfermagem, os serventes, a turma da limpeza e da cozinha. Todos e todas têm de ser eficientes em suas tarefas, sem desleixar, sem fazer cera, sem enrolar...
                Nosso velho mundo poderia tomar jeito diferente, se cada um, em trabalho importante ou simples, compreendido ou incompreendido,  cumprisse o dever com toda a alma.
                Erros, injustiças, a gente procura reclamar na hora exata. Mas só tem força moral para reclamar, é quem cumpre seus deveres para ninguém botar defeito.
                Só é invencível, quem se sabe e se sente dentro dos planos que Deus lhe revelou. Que participa do trabalho sagrado de dominar a Natureza e completar a Criação. 
                     Que seja um co-criador com Deus!
           
             





terça-feira, 17 de março de 2015



                                              QUE DEUS A TENHA NA SUA PAZ




               17 de março de 2015.  Se minha filha Raquel fosse ainda viva, estaria hoje completando quarenta e oito anos de idade. Não podemos festejar seu aniversário natalício, apenas chorar, desconsolados, a sua ausência física dentre nós. A morte inexorável a levou prematuramente para a Casa do Pai/Mãe de todos os pais e mães que ainda peregrinam pelas estradas deste mundo.
                                                                    
              Ela se separou fisicamente de nós, mas passou a viver mais intensamente do que nunca   junto a sua filha Isabela, junto a seus irmãos Carlos e Aroldo Jr., e com seus chorosos pais, após o seu falecimento em 21 de agosto de 2010 em hospital de São José dos Pinhais, vitimada por insidioso câncer de mama, com metástase cerebral.
               
               Numa união misteriosa e singular no Espírito Santo, comunicada às coisas que deixou, e aos acontecimentos do dia-a-dia em que viveu conosco por esse tão curto tempo, a verdade é que ela partiu para a Eternidade, mas continua a viver conosco pela dor sem remédio da saudade.

               Sua morte fez com que a revivamos nos objetos em que tocou, nas vestes que deixou e que nós conservamos com carinho, na lembrança dolorosa das palavras que com ela trocávamos, nos fatos alegres ou tristes que juntos vivemos, e agora até mesmo nos fatos que se seguiram à sua partida, e que nós lhe comunicamos diariamente na prece, e com ela conversamos como se estivesse ainda viva em nosso hoje solitário lar.

               A morte, destino de todos os agora ainda viventes, a levou, mas misteriosamente a devolveu de novo a nós, banhada pela luz da Eternidade com Deus, e pela gloriosa certeza de sua Ressurreição NA morte, que é a Fé que anima e conforta sua filha, seus irmãos e seus pais, e que os mantém ainda vivos para cultuarem sua memória.

               Continuando viva entre nós, por essa humilde, invisível e misteriosa presença de cada dia, de cada hora, de cada momento, com que impregnamos de Esperança a nossa saudade, como também a radiosa alegria da certeza de que ela, na Casa do Pai de todos os pais, passou a velar por nós, agora na plenitude de sua vida com Deus, com a Santíssima Virgem Maria, bem como com os Santos do Céu.
               Nesta certeza, nós a temos sempre a nosso lado, em nossa vida de cada dia, velando por sua filha Isabela, por seus irmãos, por seus chorosos pais.

               Presença permanente nos trabalhos do dia-a-dia, nos instantes da prece, no silêncio e na solidão das noites, enxugando-nos as lágrimas da saudade imorredoura.


                                                                                                         Seu pai.


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domingo, 15 de março de 2015

VELHAS ESTRADAS DE MINHA VIDA...



                                             ...e a velha estrada ficou em meus olhos
                                             pois os caminhos, também, envelhecem
                                             e morrem
                                             somos da mesma idade, querida estrada
                                             vê com que amizade
                                             contemplo
                                             tuas barrancas meio gastas
                                             enquanto olhas
                                             fraternalmente
                                             as rugas em meu rosto sempre mais fundas
                                             anunciando minha septuagésima nona idade
                                                                         tua glória é também a minha
                                                                         é a de servirmos de caminho
                                                                         e de não prostrarmo-nos
                                                                         cansados
                                                                          e de não nos retermos
                                                                          e de gastar-nos, sempre,
                                                                          conduzindo, conduzindo,
                                                                          até o fim da jornada...

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                  Não sei se Você, meu benévolo leitor, entendeu esta minha conversa com a velha  estrada. A placa da imaginação é datada do mesmo longínquo ano em que nasci em Minas Gerais, na pequenina cidade de Caldas... fevereiro de 1936!
            Mas estrada se gasta. Se não houver cuidado de mantê-la em forma, se não for sendo renovada, vai envelhecendo e pode até se acabar, ficar intransitável, como já estão muitas estradas do  meu bairro, o velho Tingui de muitas guerras.
              Os dois, eu e ela, nos olhamos como velhos amigos que se viram crianças e, hoje, lado a lado, contemplam as marcas do tempo. 
          Mas o importante foi lembrar à estrada e a todos nós, caminheiros   -   pois todos nos parecemos com estradas  -   lembrar que o importante para as estradas e para nós é servir de caminho, é ajudar a caminhar...
             Ai da estrada que, em lugar de facilitar a caminhada, prendesse a si quem devesse atravessá-la... Papel da estrada, como o meu, é ajudar a caminhar, a não parar, a seguir...
            Mesmo que a estrada se gaste com a passagem de carros e caminhões, mesmo que ela se gaste com o número de pessoas que passam a pé  -  quem sabe, também, com o gado que passa da engorda para o matadouro: a estrada se gasta servindo, gasto bendito!
           Nossa alegria deve ser, também, servir.
        Certo dia, em visita ao geriatra meu médico, perguntei ao cabineiro do elevador, já velho no ofício, quantas pessoas subiram e desceram, levadas por ele, em seu elevador... Não soube calcular, mas sorriu feliz pensando na multidão a que já serviu...
          Também o velho e querido chofer do táxi, que leva minha neta Isabela ao colégio, não soube calcular quantas pessoas transportou nos três ou quatro carros que já possuiu... Não soube calcular, mas ele também ficou feliz, pensando em como tem servido à Humanidade...
       Perguntem ao carteiro quantas cartas entregou até hoje. Perguntem à telefonista quantas chamadas recebeu e quantas transmitiu... E ao velho pescador quantos peixes já pescou - mesmo que Vocês não acreditem no número que ele informou... E à cozinheira do meu restaurante predileto  quantos pratos preparou e quantas panelas lavou...
              Até hoje, curioso, só encontrei uma velha parteira, cá no bairro, que estava com a resposta exata quanto lhe perguntei quantas crianças ela "aparou..."
              Pois ela respondeu sem vacilar:
              - "Tenho trinta e dois anos de trabalho e anotei, dia-a-dia, numa cadernetinha de bolso: até hoje, oitocentas e cinquenta e oito crianças... e não perdi nem uma..."
              Que glória, velha estrada de minha vida, a de gastar-nos, gastar-nos, servindo, servindo, servindo, servindo!...

                                                             *******************

          Dedico este texto à memória de minha querida filha Raquel que, se estivesse viva, estaria neste dezessete de março fazendo quarenta e oito anos em sua breve existência. Infelizmente, não podemos mais tê-la conosco, pois ela partiu prematuramente para a Casa do Pai de todos os pais.                             Que ela descanse na paz do Senhor Jesus!

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Em tempo:
A  Liturgia da Missa, neste quarto domingo da Quaresma traz, como Salmo Responsorial, o Salmo 136, que aqui transcrevo, em Latim e em Português:

I - O texto latino, como está na "Vulgata" =

                                     Ad flumina Babylonis, illic sedimus et flevimus,
                                      cum recordaremus Sion.
                                      In salicibus terrae illius
                                      suspendimus citharas nostras.
                                                            
                                                       Num illic, qui abduxerant nos,
                                                        rogaverunt a nobis cantica,
                                                       et qui affligebant nos, laetitiam:
                                                       "Cantate nobis ex canticis Sion!"

                                     Quomodo cantabimus canticum Domini
                                     in terra aliena?
                                     Si oblitus era tui, Jerusalem,
                                     oblivioni detur dextera mea!

                                                       Adhaereat lingua mea faucibus meis,
                                                       si non memonero tui,
                                                       si non posuero Ierusalem
                                                       super omnem laetitiam meam.

                                   Recordare, Domine, contra filios Edom
                                   diem Ierusalem,
                                   qui dixerunt:
                                   - "Evertite, evertite
                                   ipsa fundamenta in ea."

                                                      Filia Babylonis vastatrix,
                                                      beatus qui rependit tibi
                                                      mala quae intulisti nobis!
                                                      

                                   Beatus qui apprehendet  et allidet
                                   parvulus tuus ad petram!

                                                         **********************


O texto, em tradução portuguesa da "Bíblia de Jerusalém":


                                           
                                    Que se prenda a minha língua ao céu da boca,
                                    se de ti, Jerusalém, eu me esquecer.

                                    Junto aos rios da Babilônia
                                    nos sentávamos chorando,
                                    com saudades de Sião.
                                    Nos salgueiros por ali
                                    penduramos nossas harpas.

                                                     Pois foi lá que os opressores
                                                     nos pediram nossos cânticos; 
                                                     nossos guardas exigiam
                                                     alegria na tristeza.
                                                     "Cantai hoje para nós
                                                      algum canto de Sião."

                                   Como havemos de cantar
                                   os cantares do Senhor
                                   numa terra estrangeira?
                                   Se de ti, Jerusalém,
                                   algum dia eu me esquecer,
                                   que resseque a minha mão.

                                                     Que se cole a minha língua
                                                     e se prenda ao céu da boca,
                                                     se de ti não me lembrar!
                                                     Se não for Jerusalém
                                                     minha grande alegria!

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                  E não é que, compulsando as "Obras Completas", de Camões, publicadas por Hernâni Cidade, no volume 1, encontrei ali o belíssimo e longo poema, intitulado "Babel e Sião", do qual, por brevidade, transcrevo apenas algumas estrofes:

                                                  Sôbolos rios que vão
                                                  por Babilônia, me achei,
                                                  onde sentado chorei
                                                  as lembranças de Sião
                                                  e quanto nela passei.

                                                                   Ali, o rio corrente
                                                                   dos meus olhos foi manado;
                                                                   e, tudo bem comparado,
                                                                   Babilônia ao mal presente,
                                                                   Sião ao tempo passado.

                                                 Ali, lembranças contentes
                                                 na alma se representaram;
                                                 e minhas coisas ausentes
                                                 se fizeram tão presentes
                                                 como se nunca passaram.

                                                                 Ali, depois de acordado,
                                                                 com rosto banhado em água,
                                                                 deste sonho imaginado,
                                                                 vi que todo o bem passado
                                                                 não é gosto, mas é mágoa.
                                                                  E vi que todos os danos
                                                                  se causavam das mudanças,
                                                                  e as mudanças, dos anos.
                                                                  Onde vi quantos enganos
                                                                  faz o tempo às esperanças.

                                                *****************************************

                                                Ó tu, divino aposento,
                                                minha pátria singular,
                                                se só com te imaginar
                                                tanto sobe o entendimento,
                                                que farei, se em ti eu me achar?

                                                                Ditoso quem se partir
                                                                para ti, Terra excelente, 
                                                                tão justo e tão penitente
                                                                que, depois de a Ti subir,
                                                                lá descanse eternamente! 

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            O Poema vai longe e cheio de encantamento, mas sirvam estas poucas estrofes, para mostrar-nos o quanto o Salmo bíblico impressionou a alma do Poeta, e o fez derramar-se em versos maravilhosos de sua "Lírica", nesta soberba paráfrase.
         
                                                   
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quinta-feira, 12 de março de 2015

QUE MUNDO É ESTE?



            Eis uma grande verdade:
            Cristo conquistou realmente o mundo e este, de fato, Lhe pertence, e a Ele somente. No entanto, não se pode negar que esta verdade seja comumente rejeitada por um mundo em que homens e mulheres O ignoram e não compreendem Sua realeza.                                                                                       A sociedade não pode ser inteiramente entregue às forças do mal. Contudo, não quer isso dizer tampouco que devemos esperar o triunfo eventual de nossa pequena e autocomplacente idéia cheia de preconceitos sobre a Civitas Christiana (Civilização Cristã). Certamente não, se isto supõe qualquer espécie de fascismo clerical!
            Por outro lado, existe a tentação de um falso otimismo cristão, o otimismo fácil que apresentamos, em contraste com o culto laicista e moderno do problema "Religião".
            O Cristianismo é acusado por muitos - principalmente  pelo marxismo -  de haver alienado homens e mulheres, de deixá-los em condição miserável. Enquanto pretendem salvá-los, deixa-os inteiramente perdidos, alienados até de si próprios, divididos contra si mesmos, vazios, ocos, tristes,  enquanto esperam ser acalentados nos braços grandes e cordiais do Estado totalitário.
             Para refutar este fenômeno a qualquer preço,  procuramos livrar-nos de tudo que se assemelha a angústia e noite escura.
             E escutamos vozes:
             - Façam o que fizerem, não se mostrem tristes, principalmente se houver um fascista no auditório.
             -  Não se fale em coisas deprimentes. Não se queira sugerir que há algo errado. Não se refira nunca ao Juízo Final! Sejamos felizes, felizes, felizes!
             - Não estamos nem podemos estar doentes!
             - Vinde, irmãos, alegria, vitória. Aleluia!
             Esta é a exortação que os otimistas, de plantão, espalham por todos os meios ao seu dispor.
             Mas isto será suficiente para retirar nossa sociedade, hedonista e vazia, do marasmo em que se afundou?!
             Neste ponto eu me lembro de algumas linhas de Thomas Merton, monge cisterciense norte-americano, que considero um dos mais extraordinários pensadores religiosos dos nossos tempos:
             - "O Cristianismo e o mundo. Eis um assunto sobre o qual subitamente é preciso ter uma resposta aprovada. Não possuo nenhuma. A resposta cristã tradicional certamente não é a "aprovada" nos dias de hoje. Está sendo tranquila e discretamente esquecida por grande parte da Cristandade. Conheço um poeta famoso que simplesmente a mandou para o diabo".
              Concordo plenamente com Merton, e ainda acrescento:
              Nossa sociedade ocidental e "cristã" confessa-se feliz porque possui as novelas da televisão, e porque bebe tranquilamente Coca-cola... Sem esquecer as máscaras frívolas com que oculta sua insensibilidade, sensualidade, hipocrisia, e crueldade, no seu dia-a-dia...
              É isso o mundo? Sim. É o mesmo mundo em qualquer lugar em que existam homem e mulher massificados pela propaganda. Esse padrão básico da nossa sociedade é idêntico nos EUA, na URSS, na França, na Alemanha, na Inglaterra, no Brasil.
              Os materiais e as aparências diferem, e em alguns lugares sejam talvez um pouco mais sofisticados.  É, no entanto, o mesmo terno, o mesmo par de calças "pré-fabricadas", o mesmo cretinismo espiritual que torna, em realidade, impossível distinguir os cristãos dos ateus.
              E voltando ao trapista cisterciense que admiro, Thomas Merton:
              - "Como se, por exemplo, "deixar o mundo" estivesse adequadamente resumido naquelas fotografias das
 revistas semanais de um "trapista" com a cabeça coberta pelo capuz, as costas para o aparelho fotográfico, contemplando seraficamente as águas de um lago..."


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                Por tanto falar em mundo neste meu malfadado texto, me deu um "estalo" na cabeça, e eu me lembrei do meu Poeta preferido, Luís Vaz de Camões:

                                                  Foi já num tempo doce coisa amar
                                                  enquanto me enganava a Esperança,
                                                  e o coração, com muita confiança,
                                                  todo se desfazia em desejar.

                                                                          Oh! vão, caduco e débil esperar!
                                                                          Como se desengana na  mudança!
                                                                          Quanto é maior a bem-aventurança,
                                                                          Tanto menos se crê que há de durar.

                                                  Quem já se viu contente e afortunado,
                                                  Vendo-se em breve tempo em pena tanta,
                                                  Razão tem de viver bem magoado.

                                                                           Porém, quem tem o mundo exprimentado,
                                                                           Não o magoa a dor, nem o espanta,
                                                                           Que mal se estranhará o costumado...

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                               (Et sic transit gloria mundi  =  e assim se esvai a glória do mundo!)

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segunda-feira, 9 de março de 2015

DELICADEZA CABE EM TODA PARTE



            Folheando a esmo um livrinho da Isabela, minha neta adolescente, encontrei ali um pequeno poema que peço licença para transcrevê-lo aqui:

                                                    Segredou-me o Cavalinho Azul
                                                    que há criaturas humanas
                                                    que mais têm patas
                                                    do que pés
                                                                    ao passo que há cavalinhos
                                                                    que têm mais asas
                                                                    do que patas

            Visitando tempos atrás uma exposição de animais, vi que há cavalos e cavalinhos lindos. Que troteiam com certa elegância, puxados pela rédea, passeando com crianças... Parece até que eles entendem que carregam carga preciosa, e pisam com cuidado, deslocam-se com leveza...
             Você, benévolo leitor, já viu adolescentes apaixonados se exibindo a cavalo, diante da eleita de seu coração? Parece que o cavalo entende e capricha no passo, ajudando o jovem a exibir-se...
             Já assisti a muitas corridas de cavalos. Quando o jóquei é bom e sabe montar, sabe correr, o cavalo ajuda, ganha asas, e não há quem o pegue...
             Até aqui, nesta minha parlenda, tudo em paz, todos de acordo... Mas vamos para um assunto mais sério...
             A mãe de família está ali na praia de Shangri-lá com uma filhota de três anos e com uma filha adolescente. A garotinha sumiu um instante, a mãe se afobou e perguntou, aflita, pela filhinha, à mais velha. A jovem lhe respondeu textualmente:
             - "Você quase sempre histérica; a menina está por aí..."
             O Cavalinho Azul, lá em cima, que me perdoe - estas palavras não dão a impressão de uma sonora patada?
             Você encontra sua namorada. Provavelmente, já com a intenção de acabar com o namoro, já com outro amor na cabeça, Você comenta:
              - "Puxa, como Você está ficando gorda e velha"...
              Desta vez, em lugar de uma, foram duas patadas...
              Para que continuar dando exemplos se, infelizmente, a grosseria anda rolando por aí a torto e a direito, nas conversas do dia-a-dia?
             Nos meus tempos de faculdade, conheci muitas colegas que tinham medo de ser delicadas porque interpretavam a igualdade de direitos entre homem e mulher como masculinização, inclusive quando a mulher adotasse gestos bruscos e perdendo a fineza. E até hoje ainda conheço rapazes que têm medo de ser delicados com os outros, porque temem ser considerados efeminados...
             Nosso Povo diz com muita sabedoria:
             - "Educação cabe em toda parte. Educação não faz mal a ninguém."
             E eu tomo a liberdade de acrescentar:
              - "Delicadeza, boas maneiras, é obrigação de todos nós. Não é nenhum favor. Vale para a mulher e para o homem. Obriga a todos".
              Para terminar esta minha "filosofia gratuita", repito os versos lá do começo, para que eles se gravem em nossa memória e nos ajudem a ser mais delicados:

                                           "Segredou-me o Cavalinho Azul
                                           que há criaturas humanas
                                           que têm mais patas
                                           do que pés
                                           ao passo que há Cavalinhos
                                           que têm mais asas
                                           do que pés..."


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sábado, 7 de março de 2015

MEDITAÇÃO Á BEIRA DO FOGO...


         
               Quem está, como eu, com 79 anos de idade, é normal que pense que poderá morrer em breve, embora não tenha nenhuma doença, e não esteja ainda tão velho!...
               Não sei exatamente que espécie de convicção este pensamento acarreta, ou o que pretendo significar com isso. O fato é que a morte é sempre uma possibilidade para todos. E vivemos, dia após dia, na presença dessa obscura realidade.
               Tenho, portanto, queira ou não queira, habitualmente a consciência de que posso morrer e de que, se é esta a vontade de Deus, estou contente, pois o que eu mais quero em minha vida é estar sempre cumprindo a Sua vontade. E essa vontade de Deus eu a encontro diariamente na meditação das perícopes evangélicas da "Liturgia das Horas", de manhã, de tarde, e à noite.
                - "Ide ao Seu encontro."  Sob esta luz evangélica, compreendo a futilidade e inutilidade de meus problemas e preocupações, particularmente minha principal preocupação, que é, para mim, central: viver plenamente a vida de cada dia, na companhia de minha mulher, de minha neta Isabela, órfã de mãe e que vive conosco, e que, na sua radiosa adolescência, é um foco de luz iluminando a rabugice  e a impertinência de seus já carcomidos avós.
                 Não me sinto muito culpado pela maneira que vivo, mas permanece uma preocupação, um foco que mantém o meu "ego" em  constante alerta diante de tudo aquilo que me deixa como que obstaculado, muito mais obstaculado por minha própria inércia e confusão.
                 Se não estou inteiramente livre de problemas e preocupações, o amor de Deus me conduz e há de libertar-me de meus demônios interiores.
                O importante então, para mim, é simplesmente voltar-me para Ele diariamente e com frequência, preferindo a vontade dEle e Seu mistério a tudo quanto é, evidente e tangivelmente, "meu"...
         
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