Após a publicação neste "bloq" do texto "Antes que os demônios voltem" recebi vários emails, principalmente de evangélicos, me contestando e me acusando de publicar "sandices". Apenas um, o pastor Josias Pereira de Assis, é que teve palavras mais condizentes com a seriedade do assunto e que me contestou, mas sincera e lealmente. Em resposta a ele publiquei o texto abaixo:
Prezado pastor Josias:
Muito grato pelos seus comentários sobre o meu texto relacionado a demônios. Apesar de não ser teólogo de profissão, tenho acompanhado com diligência o movimento teológico moderno, com os grandes nomes da teologia atual, tanto católicos como protestantes: Pannenberg, Schillebeeckx, Moltmann, Bonhoeffer, Rahner, Ducquoc, Troisfontaines, Queiruga, Leonardo Boff, Libânio, Fiorenza, I.L.Segundo, Haag, Küng, Congar e muitos outros, e a tendência geral entre eles é expurgar a teologia cristã, e principalmente o estudo da Sagrada Escritura, de todo resquício de fundamentalismo, muito atuante ainda em vários setores do catolicismo e do segmento evangélico.
Há muita coisa no Cristianismo que precisa urgentemente de uma mudança de paradigma. Um dos objetivos dessa mudança de paradigma, aliás, já iniciada pelo Concílio Vaticano II, mas não levada à frente em toda a sua amplidão, contrariando os desejos dos Padres Conciliares, seria uma leitura mais crítica dos textos sagrados, com a finalidade de extirpar deles uma série de crenças (ou de crendices) que vêm passando de geração em geração, sem serem submetidas a uma avaliação crítica, exegética e hermenêutica mais racional, e mais de acordo com a evolução dos tempos e de mentalidade.
Eu expus minhas razões para não aceitar a existência e a ação entre nós de satanás, diabo e demônios que, para mim e para os mais gabaritados teólogos da atualidade, não passa de uma leitura fundamentalista da Bíblia, aceitando tudo que está nela como absoluta palavra de Deus. Uma leitura atenta da Bíblia nos atesta que há nela muitíssimas coisas que não partem de Deus, mas dos próprios autores bíblicos, segundo seus parcos conhecimentos gerais, sua ignorância de muitos arcanos da natureza e do interior humano. Refletem os conhecimentos e tabus de uma determinada situação histórica e, mesmo inspirados por Deus a escrever, eles o faziam dentro de seus próprios conhecimentos e condicionamentos, ignorância de determinados assuntos, utilizando as precárias ferramentas de que dispunham. A Bíblia não caiu do céu como um meteorito, já pronta, e nem foi um DITADO de Deus aos hagiógrafos, como ainda pensam muitas pessoas desavisadas.
Portanto, muita coisa que não conseguiam explicar, eles as atribuíam a Deus, como a ordem de exterminar povos inteiros a ferro e fogo, sem atentar para crianças, idosos, mulheres, enfermos, jovens, passando todos ao fio da espada, incendiando povoações inteiras, como se fossem ordens de Deus. Os livros de Josué, dos Juízes, de Samuel, dos Reis, das Crônicas, estão cheios de barbaridades tanto ou mais piores do que as perpetradas por Hitler e Stalin, como testemunhamos em nossos tempos.
Só aos poucos, paulatinamente, é que a mentalidade dos escritores sagrados se foi purificando, até chegarem a vislumbrar a verdadeira face de Deus, a nós desvelada por Jesus de Nazaré: o Abbá, Deus Pai/Mãe, até o "Deus é Amor", na grandiosa intuição do apóstolo João na sua primeira Carta.
Em um ponto de seu comentário Você fala do poder absoluto de Deus, que criou o próprio mal,e Você cita em seu abono o profeta Isaías. Vamos ser razoáveis: o poder, a onipotência de Deus não é simplesmente absoluta. Deus não pode criar coisas absurdas, que contradizem sua vontade salvífica universal, como o mal por exemplo, que Isaías atribui a Deus; e absurdos que contradizem também a razão e o bom senso. Me diga: Deus pode criar um círculo quadrado? Deus pode criar uma pedra tão grande e pesada que Ele mesmo não pudesse levantar?
O paralelismo que Você propõe entre um pretenso reino de satanás e o Reino de Deus, além de blasfemo, vai contra a própria onipotência divina. É fruto de um dualismo maniqueísta que vem desde os primórdios do pensamento humano que, não sabendo explicar a existência do mal físico e moral (o pecado) no mundo, personalizou o mal em seres que seriam os verdadeiros fautores do mal, como os demônios, salvaguardando assim a transcendência e a bondade de Deus. Além de satanás, Você cita belial, lúcifer, diabo, além de uma infinidade de demônios que circulam por aí, atormentando os pobres seres humanos... O verdadeiro Cristianismo não precisa de nada disso. Basta-lhe a Providência Divina, o amor de Deus, a Sua Graça, Jesus Cristo e a Sua mensagem de salvação pela sua morte e ressurreição, a assistência do Espírito Santo, referendados por uma leitura consciente e racional dos textos sagrados, conservados e explicados pela Sua Igreja. Tudo o mais são realidades marginais que mais deturpam do que engrandecem o Cristianismo.
Ao fim do seu comentário, Você me pergunta: se Deus não criou o diabo, quem então o criou? Eu lhe respondo que o problema só existe para quem acredita na existência do diabo e sua ação entre os humanos. Diabo para mim não existe. É um mito, criado em primitivas eras, para explicar a presença do mal no mundo, como já disse linhas acima. Uma explicação, por sinal, muito deficiente, diante da face autêntica de Deus, o anti-mal por excelência, conforme nos revelou Jesus de Nazaré.
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