Os cristãos, porque co-criadores com Deus, devem estar presentes na primeira fila na luta pela justiça social, política e econômica, na luta contra o racismo e a intolerância, como também na luta à idolatria que faz da Nação ou do Estado uma divindade todo poderosa, na luta contra a tirania do consumismo e dessa ambígua globalização que vai aos poucos nos sufocando pela tirania exacerbada do mercado.
Argumenta-se, em contrário, com o Céu, mas o Céu não está em outra parte, fora da esfera humana. Ele começa misteriosamente neste mundo, por obra do Espírito Santo. Se o Reino ou Reinado de Deus não é deste mundo, como nos ensinam os Evangelhos, ele começa neste mundo, e estes começos serão recolhidos, purificados, transfigurados no novo Céu e na nova Terra, de que nos fala o livro do Apocalipse.
É preciso que os cristãos de boa têmpera se compenetrem de sua imensa responsabilidade diante das injustiças estruturais, sociais, da nefasta corrupção nos estamentos políticos e públicos, principalmente nos países da fome e dos que buscam o desenvolvimento dentre os do Terceiro Mundo nos quais, sem nenhuma dúvida, há cruzes, não só individuais, mas coletivas. E o amor ao próximo, pregado por Jesus de Nazaré, obriga-nos a envidar todos os esforços para fazer descer da cruz os povos crucificados, essa impressionante imagem criada por Ignácio Ellecuria, sacerdote assassinado em El Salvador (1989), na sua obra Bajar de la cruz al pueblo crucificado.
Somos confrontados pela Esperança, mas sabemos perfeitamente que a Esperança não se realiza em plenitude senão no mundo futuro e transcendente. Mas sabemos também, e este é o ponto importante, que ela manifesta desde já sua eficácia: é uma força imensa no mundo, é um fermento que o faz levedar, é um sal que dá sentido e sabor ao esforço humano de libertação, ao empenho temporal pela justiça e pela fraternidade universal. Não é alienação nem é álibi. Não existem duas esperanças: uma terrena e outra celeste; a esperança é uma só: diz respeito à realidade futura, mas através do empenho cristão ela se antecipa na realidade terrestre.
Conscientizemo-nos então de que a História não é só negatividade. Existe uma corrente de esperança na história da humanidade que ninguém consegue silenciar. E desta mesma realidade surge um clamor que não pode ser abafado. Em linguagem paulina, a criação inteira geme e sofre as dores do parto, clamando por libertação. Daí, a exigência de uma esperança ativa, que se concretize no amor eficaz e que ajude a realidade a ser o que deseja. Amor e esperança constituem os dois aspectos dessa mesma realidade.
É certo que homem e mulher poluíram de fato a Terra, mas não é fugindo dela que os santos obtiveram a sua glória. É preciso cultivar os campos desta Terra no tempo em que se vive, se um dia queremos reinar sobre os campos eternos.
A Esperança cristã, vivida integralmente, longe de sugerir demissão e evasão frente às tarefas terrestres do homem e da mulher, ajuda os que creem a assumir suas responsabilidades na conquista dos objetivos que se impõem à consciência moderna. Para que isto se concretize, é necessário então que a santidade se encarne nas estruturas temporais. E aqui principia o drama: sabemos que a Igreja de Cristo é santa na sua estrutura divina, mas é também humana, porque está nas mãos de homens e de mulheres que precisam ser diariamente resgatados de seus pecados, conforme o Concílio Vaticano II. Embora transcendente no tempo pela sua essencial mensagem de salvação, a Igreja deve também esforçar-se por cristianizar as formas sucessivas que revestem as sociedades humanas, num fecundo processo de inculturação e de aggiornamento, nas palavras do saudoso Papa João XXIII, ao lado de absoluto respeito às suas tradições seculares.
- "A Igreja de hoje deve converter-se aos pobres!"- conclamou o Patriarca de Alexandria, Máximos IV, aos bispos de todo o Oriente, em Jerusalém.
- "A grande desgraça da Igreja no século XIX foi ter perdido a classe operária", - lamentava o Papa Pio XI.
- "A Igreja pode vir a perder a América Latina!" - alertou certa vez o Papa Paulo VI, diante da estranha proliferação de seitas neopentecostais e milagreiras.
- "A Igreja precisa calejar as mãos!" - proclamou há tempos o padre-operário francês, Henri Huidobro, numa conferência a sindicalistas em São Paulo.
E o grande teólogo belga e perito do Concílio Vaticano II, Charles Moeller, foi ainda mais longe: "A Igreja deve sujar as mãos!" - proclamou ele corajosamente numa alusão ao filósofo francês ateu, o existencialista Jean Paul Sartre, com sua obra "Les Mains Sales" - As Mãos Sujas".
Fazendo eco a estes pungentes clamores de aggiornamento, Dorothy Day, ex-anarquista e posteriormente líder católica norte-americana, acrescenta: - "Onde estão os santos, para tentarem modificar a ordem social, e não apenas ministrar socorro aos escravos, mas acabar com a escravidão?" (em seu livro A Longa Solidão).
O que os angustiados filhos de nosso século pedem aos cristãos de todas as denominações é uma presença leal nos esforços sociais e políticos. Uma colaboração efetiva com todos os esforços em busca da justiça social neste mundo, eis aí o dever concreto dos cristãos de hoje.
O testemunho de uma Igreja dos pobres para ser a Igreja de todos, como sonhava o Papa João XXIII, constitui hoje, mais do que nunca, o critério da universalidade e da credibilidade do Cristianismo. Por isso os cristãos devem tomar consciência de que eles têm também encontros na Terra. Sou mesmo tantado a dizer que os seus únicos encontros são aqui, porque é no amor aos homens e mulheres daqui, que eles, os cristãos, iniciam a prática do amor de Deus.
- "Ora et labora!" - reza e trabalha - ensinou-nos o monge São Bento. É preciso então lutar, como se tudo dependesse de nós, e ao mesmo tampo cair de joelhos, como se tudo dependesse de Deus.
Nesta mesma linha de pensamento, podemos refletir nas sábias palavras que a tradição oral atribui a Santo Inácio de Loiola: - "Confia em Deus como se o resultado dependesse todo dEle e nada de ti; mas aplica todo o teu esforço como se devesses fazer tudo, e Deus nada."
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