quinta-feira, 28 de novembro de 2013

QUANDO O "próximo" SE TORNA "PRÓXIMO"


          As palavras de Cristo, que chegam até nós através dos Evangelhos, devem ser acolhidas e entendidas no rigor de seu significado. Você, que me dá o prazer de ler este meu modesto blog, já reparou na palavra usada por Jesus quando Ele nos manda amar os outros? Ele diz:
         - "Amar o próximo".
         Pois é justamente aqui que começa o problema.
         Até que não é difícil comover-nos ouvindo falar em uma calamidade que atinge um País distante de nós e que deixa desabrigadas, com fome e sem teto, milhares de Famílias. Não é difícil comover-nos e até participar ativamente de campanhas de socorro, de enviar ajuda, mesmo com algum sacrifício.
         O difícil, o duro, é amar quem está perto, quem convive diariamente conosco, quem é nosso vizinho, quem trabalha conosco ou pertence à nossa Comunidade de Bairro. O difícil, mesmo, não é amar quem mora distante de nós. É amar o Próximo!
         Quando o Próximo para nós realmente se torna Próximo, e nós o vemos e ouvimos, convivemos com ele, fazendo nossos os seus sofrimentos; alegrando-nos, de verdade, com suas alegrias; quando Vizinho não é palavra vazia, quando Vizinho tem nome, tem rosto, tem história, quando toda e qualquer pessoa é Alguém para nós, então nossa Religião está saindo das nuvens, está descendo à terra: está se encarnando!...
         Há quem não queira conhecer os vizinhos para não ter trabalho: e, no entanto, não é só uma das mãos que lava a outra, mas como responder ao Pai de todos os pais quando Ele nos perguntar onde está nosso Vizinho, que os Evangelhos dizem ser nosso Irmão?...
         Mais grave ainda é a inimizade, a mera convivência pacífica, ou guerra fria, ou mesmo ódio, dentro da própria casa... Aí é que entra a palavra do Senhor Jesus, que nós estamos sempre ouvindo nas celebrações de nossas igrejas, ou quando lemos a Bíblia Sagrada:

         - "Vai primeiro reconciliar-te com teu Irmão, e depois vem fazer a Deus a tua oração!"

       Será que dentro de casa todos são  "Próximos",  isto é, vivem perto uns dos outros, perto física e efetivamente? Ou em sua casa, a seu lado, moram Estranhos, Ausentes, Distantes?
        É só experimentar rodar a pé em volta da casa em que moramos, para ver que a poucos passos de nós há sofrimentos terríveis, pobreza, misséria, fome, angústia, desespero... - à nossa espera!...
         Aí poderá levantar-se a questão:
         Será que nossa Religião é viva? Será que nosso Cristianismo é autêntico?
         Procuremos, portanto, transformar nosso próximo em Próximo...  Vamos aproximar-nos de nossos vizinhos... E que nenhum de nós passe pela vida como sombra vaga, como anônimo. Que cada homem e cada mulher que cruzem o meu caminho sejam, para mim, Alguém, um Irmão, uma Irmã, pois todos nós somos filhos do mesmo Pai de todos os pais!
         

domingo, 24 de novembro de 2013

REACENDER, TAREFA DIVINA!...


      Outro dia, minha esposa, minha neta e eu estivemos no cemitério "Memorial da Saudade", em São José dos Pinhais, onde estão sepultados meus dois filhos, a Raquel e o Júlio. No velário, tentei acender uma vela, que representasse a esperança da Ressurreição para meus dois filhos queridos, mas não consegui acendê-las. Ventava, e por mais que eu tentasse, não conseguia manter acesa a chama.
       Entretanto, é tão fácil acender velas! Mesmo que o pavio esteja sumido, corta-se um pouco a cera e o pavio fica fácil de ser atingido. Não importa que esteja ventando, há meios de proteger a chama procurada.
      Sem mais nem menos,  não sei o motivo, me veio o pensamento de como é difícil acender a Fé que se apagou! Como nos sentimos pequenos, incapazes, inábeis! Quando é que poderemos entender que só a Graça Divina, gratuita e eficaz, é que pode reacender a Fé que sumiu?...
     E se é difícil reacender a Fé, o mesmo se diga de reacender a Esperança em quem caiu na desesperança, e desconfia de tudo e de todos!...
   Se é difícil reacender a Fé, não é menos difícil reacender o Amor, em quem está rolando desamor abaixo.
   Deus, na Sua imensa misericórdia, tem-me permitido, nestes meus setenta e sete anos de vida, ver a Fé retornar a algumas criaturas retas, desejosas de crer.
   Lembro-me de um amigo e colega,  na Faculdade de Teologia, em São Paulo, que perdeu completamente a Fé, como me confessou certo dia. Estivemos juntos muitas vezes, pois ocupávamos o mesmo alojamento na Faculdade, mas jamais discutíamos religião. Quando esse meu amigo sem Fé me via dirigir-me a alguma cerimônia religiosa, me perguntava sempre o que eu ia rezar na igreja.
     Eu lhe resumia, com simplicidade, qual seria a minha prece. Ele escutava com respeito. Não discutia nunca. Mas também a Fé não lhe voltava.
     Um dia, ele adoeceu gravemente. Fui visitá-lo no Hospital, e ele mostrou um gesto de humildade que, tenho certeza, lhe valeu o dom da Fé, pela misericórdia de Deus.
       Disse-me então ele, com a maior sinceridade:
       - "Você é mais inteligente do que eu. Foi muito mais aplicado na Faculdade, do que eu. Creio  totalmente em sua sinceridade. Sei que Você acredita em Deus. Acredita que Jesus é Filho de Deus. Que Ele se fez homem para nos salvar."
        E perguntou-me:
       - "Vale Fé por tabela? Pessoalmente, sou uma pessoa sem Fé. Não tenho essa felicidade. Vale eu embarcar de contrabando na sua Fé?...
       Era tão sincera a humildade com que falava, - e eu sei que Deus é incapaz de resistir aos humildes, - que não vacilei em dizer a ele:
       - "Vale a Fé por tabela, sim. Nem que seja por contrabando. Embarque na Fé que Deus me concedeu. Faça uma confissão sincera ao sacerdote. Receba a Comunhão. E o Pai de todos os pais recompensará sua sede de Fé, sua sinceridade e humildade. Com toda certeza a Fé lhe virá."
        E de fato, no domingo seguinte à nossa conversa, no instante exato em que ele, em confiança, na Santa Missa, recebeu a Comunhão, me abraçou e disse, comovido:
        - "O Cristo Eucarístico reacendeu minha Fé, e eu creio. Agora eu creio!"
        Meu prezado leitor, que agora me lê: não sou padre, nem pastor, nem missionário. Sou um simples leigo pecador, mas que vontade, que desejo, que sede eu tenho de passar o resto de minha vida e, em nome de Deus, sair por aí  reacendendo Fé, Esperança e Amor, no íntimo de todos aqueles e todas aquelas que se imaginam sem Amor, sem Esperança, e sem Fé!... Esta Fé que Deus, em Sua misericórdia, me concedeu já a partir do meu Batismo, nos longínquos dias de Caldas, no Estado de Minas Gerais!


        

      
  

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

ABRA OS OLHOS!...



      Você, leitor amigo que me lê, permita-me uma sugestão fraterna, apesar do meu tom um tanto quanto professoral . (Lembre-se que fui professor da rede pública estadual durante trinta anos... e o uso do cachimbo, por muito tempo, nos faz torta a boca!...)
      Por mais cheia que lhe pareça a vida, por mais ocupada, mais apressada, mais atravancada por mil e uma tarefas do dia-a-dia, - descubra meios para rápidas escapadas, que lhe permitam encontros, mesmo de segundos, com a Natureza.
      Isto lhe fará um bem enorme e derramará, em seu íntimo, um pouco de paz para o resto do dia.
     Tenha olhos para o nascer do Sol. Já reparou como não há duas madrugadas iguais?
     Procure encontrar tempo para olhar as árvores, mesmo que de passagem. Elas são mestras de paciência: oferecem sombras, oferecem frutas, acolhem os pássaros e, quase sempre, recebem pedradas da meninada... Não raramente, acabam cortadas, quando o terreno se valoriza, ou quando precisamos de lenha para o nosso fogão.
      E não é que elas nos ensinam a renascer cada ano, e sempre com o ânimo renovado?...
      Você já reparou como a água é amiga, é irmã, e está sempre  ali disposta a ajudar-nos de mil maneiras?
É tão bom e salutar um copo de água fria quando se está com sede, e de tal maneira que o próprio Senhor Jesus Cristo chegou a prometer uma recompensa eterna a quem mata a sede do próximo.
      Como é bom poder banhar-se, ou lavar as mãos, ou lavar os pés!... Mas água faz bem até para ser vista. Se passar perto de praia, olhe o mar. Se passar perto de rios, olhe as águas que correm mansas, ou contemple, por um instante, as lavadeiras que lavam roupas, ou crianças que se banham ou brincam na água.
       Você já ocupou algum tempo contemplando a luz que vem do alto?... A luz torna belas, transfigura, até as coisas mais simples: um caco de vidro muitas vezes nos parece um brilhante...
      Nunca se lembrou do ar que nos envolve, nos protege, apagado, anônimo, mas prestativo?... Nem pensamos nele, e no entanto sem ele, nem poderíamos viver. Só damos importância ao ar quando ele nos falta, no fim da vida, e caímos em agonia, à procura dele...
        Com que infinita paciência a terra nos suporta. E nós a pisamos como se ela fosse escrava e tivesse obrigação de carregar-nos. Maltratamos muito a terra: nós a rasgamos para plantar sementes ou abrir estradas... Um dia, em lugar de guardar-nos raiva ou rancor, ela nos receberá em seu seio e, nela, na terra, nosso corpo aguardará a hora bendita da Ressurreição!
        Digo mais uma vez, amigo leitor. Abra os olhos. Descubra o que eles vêem. Tente fazer como as crianças que chamam atenção para tudo, como se fossem as primeiras a descobrir o que vêem: - "Olha lá! Olha lá!"
        Tenhamos olhos descobridores. Não permitamos que a rotina nos embote a vista. Um segundo de contemplação da Natureza, derramará paz sobre o nosso dia inteiro.
        Além de despertar nosso espírito para agradecermos a Deus, que nos deu, gratuitamente, a vida e tudo quanto nos rodeia e nos serve!



  

domingo, 17 de novembro de 2013

PARUSIA!...


            - "Venha a nós o Vosso Reino!"

             Parusia: palavra de origem grega significando "presença" ou "chegada". Termo empregado em sentido técnico para designar, segundo o Novo Testamento, a vinda escatológica de Jesus nos "últimos tempos".
                                                            *****************

            Diz-nos o monge trapista norte-americano Thomas Merton, em "Reflexões de um Espectador Culpado", que o problema da Parusia permanece o grande problema do Cristianismo. Modéstia à parte, creio eu que não se trata, absolutamente, de um problema em si. O Reino de Deus já está estabelecido, apenas não foi definitivamente manifestado, pois permanecemos ainda num tempo de desenvolvimento, de opção, de preparação.
            Em outras palavras:  a  verdade é que permanecemos ainda num "tempo de decisão".  O cristão é alguém que "se decidiu" pela Parusia, pela vinda, no fim dos tempos, do Reino de Deus. Assim, a vida do cristão é, ou deveria ser, orientada por esta decisão; e minha existência só terá sentido na medida em que a Parusia seja, para mim, de importância plenamente crucial.
           No entanto,  para uma infinidade de cristãos, e principalmente para mim, a Parusia, parece-me, acha-se indefinidamente adiada.
           Também isto não é um mero acaso. Deve ser tomado como fazendo parte do problema, no entendimento de Merton.
           Com efeito, a Parusia, em si mesma, não é problema. A demora da Parusia não é todo o problema. Essa demora faz parte integrante do problema. Penso que uma solução seria a seguinte:
           Como homem, e cristão consciente, coloco toda a minha esperança no Reino de Cristo a ser definitivamente manifestado pela vitória final na vinda da Parusia - que será a vitória final da vida sobre a morte.
           Pelo fato de a Parusia ter sido "adiada", foi-nos deixada a tarefa de construir para todos nós, neste mundo em que vivemos, uma espécie de reino provisório, uma cristandade cultural, político-religiosa que, admito, não é tudo quanto deveríamos esperar, mas que tem lá as suas vantagens.
           Parece-me que a questão seria esta: se a Parusia de fato significa o fim e a destruição dessa nossa estrutura provisória e mesmo seu julgamento, devemos realmente desejar tal Parusia? Não seria melhor para nós rezar para que essa Parusia seja adiada indefinidamente? Se uma vida de oração, - diz-nos a Bíblia Sagrada -  nos dá todo o poder de mover a vontade de Deus, não deveríamos nós, antes de tudo, tentar mudar Seu plano e não nos preocuparmos mais com o assunto "Parusia"?
           Não deveríamos, talvez, considerar nosso dever pedir a Deus que Ele nos permita construir o Reino ao nosso modo, um Reino de Deus ao mesmo tempo sagrado mas encravado no mundo, e também colaborando em todos os sentidos com o nosso triunfo social, cultural, religioso e político, como já foi tentado por nós na assim dita Idade Média?
           Foi, naquela época, uma boa tentativa, porém alguns pontos importantes foram por nós descuidados. Não poderíamos agora assumir uma posição que nos permitisse uma melhor tentativa? E para desta vez sermos bem sucedidos?
           - "Venha a nós o Vosso Reino" - não, porém, agora, mas no tempo e da maneira que nos convier!... Pois precisamos de tempo! Tempo para tentar o que queremos sempre e sempre de novo.
           Até posso sugerir um remendo na oração que Cristo nos ensinou = eliminar o "Venha a nós o Vosso Reino", e substituí-lo, suplicando, ao Senhor, por este outro:  - "Dai-nos tempo, Senhor!"
           E então: o que faríamos com esse "tempo", a nós dado pelo Senhor?
           Eis aí a questão de que depende nosso ingresso ou não ingresso no Reino de Deus, quando formos confrontados com a "Parusia" do Senhor Jesus!
      

      

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

AS FASES DA LUA E EU...


          Não sei por que cargas d'agua, mas sempre tive problemas com a Lua, apesar de não ser lunático de profissão. Aliás, não há quem não tenha seus dias afetados pela mal afamada Lua, principalmente se for Lua minguante!
         Tudo correndo bem, saúde boa, dinheiro no bolso, família em paz, todos se entendendo e se amando. Se,  como sempre em minha casa, não há dinheiro sobrando, em compensação não há dinheiro faltando... e se por acaso faltar, estão na porta de casa os usurários, sempre atenciosos e disponíveis!
         Mas, voltando à Lua, um fato corriqueiro é que não há quem não tenha seus dias de Lua minguante... No meu caso,  saúde meio enferrujada, incompreensões por parte da minha neta Isabela, adolescente, quando eu lhe chamo a atenção por problemas no colégio;  aborrecimentos da minha esposa por eu não ajudar em nada nos trabalhos domésticos e eu, aos 78 anos, num certo e perigoso cansaço de viver...
          Mas, o bom, é que sempre volta a Lua crescente... E com ela, em providencial teima, volta também a esperança. Na verdade, tudo continua, mais ou menos, na mesma. Talvez, até pior. Por dentro, porém, não sei se causada pela cervejinha diária, sempre volta a coragem, e com mais força!...
          E o que me vale é que sempre variam os dias de fossa, os dias de esperança, os dias de alegria plena...
          Por que então me falta a paciência para com os de casa, os vizinhos, o entregador de jornais que os atira por cima das grades, de qualquer maneira,  muitas vezes acertando o bebedouro do cachorro e tornando-os completamente ilegíveis?
          Mas em geral, quando ando em Lua minguante, tenho também muita raiva de meu vizinho da esquerda, que parece estar sempre em Lua cheia. Parece que a felicidade dele me agride, me insulta, me lembra um roubo de alguma coisa que me pertencia e que se foi.
          Aliás, sei que a pessoa que anda em Lua cheia, em geral, não tem olhos, nem tempo, nem paciência para ficar ouvindo minhas lamúrias da Lua minguante...
          Ah! me ajudasse meu Santo Antônio, de quem sou devoto, me conseguisse ele a Graça de me manter, permanentemente, no espírito da Lua crescente, o espírito da esperança! Apesar de que, infelizmente, muitas vezes em plena fase de Lua cheia, me invade uma certa tristeza, não sabendo de onde ela vem, porque vem, nem para onde vai.
          Isto porque, talvez, eu não tenha conseguido aproveitar a felicidade que tinha nas mãos, incapaz de acatá-la plenamente, ficando a pensar, em todo tempo que a felicidade é passageira, vai acabar, já está acabando...
         O fato, inconteste, é que nem sempre será Lua cheia. Virá a Lua minguante. E, o bom:  de minguante, a Lua passará a crescente e, de novo, a cheia!
         E eu me ponho a ruminar comigo mesmo: quando será que eu, como as demais criaturas, nos convenceremos de que é ingratidão deixar que a esperança se torne minguante dentro de nós?
         Tempos atrás li um livro escrito pelo saudoso arcebispo de Olinda e Recife, Dom Hélder Câmara, e nele achei uma frase que vale como um programa de vida:
  
          - Faz escuro, mas eu canto!

           Sim, é a maior verdade! No meio da mais espessa escuridão, em pleno vôo cego, sem enxergar um palmo à frente, mesmo aí, mesmo assim, filho que sou da Redenção a mim trazida por Cristo,  e herdeiro que sou da Eternidade, tenho que manter viva a Esperança, que é a maior virtude do cristão.

           Faz escuro, mas eu canto!

           Louvores a Dom Hélder Câmara, por esta sua inspiradora frase!
      
        

domingo, 10 de novembro de 2013

A MACACA LAIKA E EU


        No dia em que completei 21 anos, os americanos colocaram um macaco no espaço. Enviaram-no mais longe do que pretendiam. Conseguiram recuperá-lo vivo. O animal voou pelo espaço a uma velocidade fabulosa, apertando botões, puxando alavancas, comendo pílulas com sabor de banana. Enviou sinais com regularidade impecável tal como fora treinado. Não se queixou do espaço. Não se queixou do tempo. Não se queixou nem da Terra nem do Céu.
         Nenhum problema metafísico ou religioso o importunou. Não se sentiu culpado de nada. Pelo menos, não declarou a viva voz ter sentido alguma culpa por afrontar as alturas pertencentes a Deus.
         Por que haveria um mísero macaco no espaço de sentir-se culpado por estar naquelas alturas, inacessíveis a qualquer macaco deste ou do outro mundo? O espaço é o lugar em que não há mais peso nem nenhum resquício de peso ou de culpabilidade.
         Aliás, um macaco nunca se sente culpado nem mesmo quando está sobre esta Terra que Deus nos destinou. Quem dera que nós, pecadores inveterados sobre a Terra, não tivéssemos nenhum sentimento de culpabilidade. Talvez, se pudermos todos subir ao espaço como Laika, a macaca americana, não nos sentiremos mais culpados de nada. Apenas puxaremos alavancas, apertaremos botões, comeremos pílulas com sabor de banana. Não, peço-lhes que me perdoem. Ainda não sou exatamente um macaco.
          Nunca me sentirei culpado no espaço. Aliás, nem terei sentimentos de culpa quando chegar à Lua. Talvez eu me sinta apenas um pouco culpado na Lua, nosso satélite, mas se conseguir chegar a Marte, não me sentirei culpado de nada.
           É claro que, na situação alarmantemente militarista em que vivemos, talvez eu conseguiria explodir o mundo. Se da Lua eu conseguir explodir o mundo, talvez me sentisse um pouco culpado, pelos familiares que lá deixei. Mas, se eu estiver em Marte, por todos considerado como o deus da morte e da guerra, com certeza não teria nenhum sentimento de culpa. Nenhuma culpa. Faria explodir o mundo como um legítimo representante da América: sem culpa nenhuma.
          Trá-lá-lá, trá-lá-lá. Apertar botões, puxar alavancas! Assim que eu estivesse em Marte e conseguisse instalar ali uma fábrica para macacos cor de banana. não haveria mais nenhuma culpa para mim.
          Estou com setenta e sete anos, caminhando para setenta e oito em três meses. Vou ser perfeitamente sério,  como mandam as convenções sociais. A Civilização dignou-se agraciar meu aniversário com este feito maravilhoso, como foi a colocação de um macaco no espaço, e eu iria ficar cínico com isso?
          Deixe-me aprender as lições aprendidas por este macaco bem-aventurado. Apertar botões. Puxar alavancas. Os gringos o atiraram demasiadamente longe, espaço sideral a fora. Não faz mal. Eles conseguiram pescá-lo no Atlântico e ele, como um macaco civilizado, apertou a mão do pessoal da Marinha Americana que o pescou...
          Civilização é isso! E por que é que eu me sentiria culpado por esse fato tão banal?
  

terça-feira, 5 de novembro de 2013

O DOIDINHO DE DEUS

      
          Ali naquele centro comercial onde fica a frutaria da Sandra, debaixo da marquise do prédio costuma dormir um "morador das ruas", já velho conhecido meu.  Faça calor ou faça frio, sempre que passo por ali, de manhãzinha, lá o vejo enrolando seu colchonete, que deixa guardado no depósito da frutaria, até chegar a noite, quando ele o pega e o leva para a marquise, seu dormitório de cada noite...
          Dizem que ele é meio louquinho. No meu entender, um louquinho maravilhoso. Resolvi conversar com ele. Perguntei se não tinha casa onde dormir. Ficou espantado com minha pergunta, mas respondeu:
          - Se tenho casa?  Tenho! Tenho sim! Não me falta chão, nem me falta céu!...
          Teimei, com a minha visão de lógica:
          - Mas... e quando chove?
           Ele respondeu rápido:
          - E Você pensa que eu não gosto de tomar banho?
          Perguntei se não estava com fome. se não queria comer...
          - Quero é cantar. Você escuta? Nasci para cantar".
           Como resistir?... Quis que ele cantasse.
           Numa cantiga bem popular, bem nordestina, cantou mais ou menos isto:
                      
                      Orgulhoso, Orgulhoso, me responda,
                      Me diga, me responda agora
                      Você vive? Você morre?
                      Então seu mal não é orgulho,
                      Não começa com O, começa por B...

          E antes que eu risse e dissesse qualquer coisa, ele riu a valer, e bateu palmas, como se o cantor tivesse sido eu.... Insisti, perguntei se ele queria comer alguma coisa ali no Sakura. Lembrei-lhe que passarinho também come...
         Consegui convencê-lo. Levei-o até à frutaria e pedi à Sandra para lhe dar algumas bananas e maçãs. Ele riu do meu pedido:
         - Quero goiaba... Quero só goiaba... Passarinho gosta é de goiaba...
         Tentei, mas não consegui descobrir o nome dele. De cada vez que perguntava, me dava uma resposta diferente:
         - Se me chamar de Galo de Terreiro, eu aceito... Canarinho eu sei que não sou... Só sei cantar isto:
                     Passarinho, Passarinho
                     Não queira enricar
                     Porque dinheiro tem visgo
                     Aí Você fica preso
                     E não pode mais voar

          Perguntei se ele ia à igreja, se sabia rezar. Foi difícil para ele entender minha pergunta. Só me respondeu com estas palavras:
          - Os  moleques me jogam pedra,
          Mas eu pulo, eu rio, eu canto!
          Perguntei se ele já foi a um médico, para ver se o seu problema era cabeça ou outra coisa qualquer.
          A resposta dele:
          - Gente de cabeça arrumada, arrumadinha, anda sobrando por aí!...
          Tive de concordar com ele. Dali a pouco  me despedi, e voltei para casa com estas idéias na cabeça:
          Continua teu vôo, louquinho de Deus, talvez Galo de Terreiro, pois canarinho Você me disse que não é... Continua cantando, continua cantando... Farei tudo para guardar a sabedoria de Deus que me falou através de  tua pretensa loucura. E, sempre que puder, guardarei para ti uma goiabinha madura, de preferência uma dessas já bicada por algum Passarinho, teu irmão!
  
    
                

      

       
         
          

sábado, 2 de novembro de 2013

FINADOS, MAS RESSUSCITADOS!


          2 de novembro, "Dia de Finados"...  Dia em que cultuamos, de modo particular e litúrgico, os nossos mortos queridos. E, falando em mortos, lembro-me da frase de Heidegger; - "Somente quando a morte é apreendida em seu caráter ontológico, somos justificados em perguntar o que há depois da morte."
         O apreender "ontológico" da morte está implicitamente presente na doutrina cristã do pecado original. É característico de uma existência decaída ter a morte como componente integrante. Existir como "decaído" ou "perdido" é existir por meio de uma existência que não escolhemos. Pode ela mostrar-se desprovida de sentido, destinada a uma morte da qual não podemos nos evadir.
          Uma outra característica, porém, da existência decaída está em procurar esquecer-se da morte, mergulhando "no mundo" . Neste sentido, homem e mulher fogem de si próprios e  desejam imergir no mundo, isto é, procuram esquecer seu íntimo temor da morte, preocupando-se em objetos, mergulhando no reboliço da atividade e da opinião pública sem algum objetivo certo.
          Uma tentação dessa espécie estaria desprovida de seriedade, não fossem homem e mulher capazes de persuadir-se da grande importância de suas preocupações e opiniões, e de seus atos. No entanto, certas formas de vida social  -  particularmente as rotinas  da sociedade massificada e consumista  -  são, de maneira patente, de uma artificialidade e de uma natureza a tal ponto fictícia que se torna difícil,  mesmo aos aos que não são muito inteligentes, deixarem-se enganar totalmente por isso.
          Nasce daí uma sensação geral de mal-estar, uma sensação de se ter caído numa armadilha e o consequente ressurgimento de ansiedade e temor.  Contudo, homem e mulher procuram justificar sua existência inautêntica pela ilusão de que permanecem senhores de seu destino e do mundo, e pela ilusão, ainda, de que quase atingiram o ponto em que dominarão a enfermidade, o desespero e mesmo, talvez, a própria morte.
          Assim, homem e mulher continuam a viver de modo frívolo e inautêntico, sem pensarem  na morte e sem tomarem qualquer decisão que oriente a vida em face da sua inevitalidade. .
         Viver inautenticamente neste mundo, passar a vida inteira evitando encarar a realidade da morte e, ainda por cima, dizer-se a si próprios que já se possui a resposta em relação ao que ocorre depois da morte, é coisa em que pode haver um certo grau a mais de auto-ilusão.
         Pode ser que alguém consiga ser bem sucedido neste ponto, empregando uma ingênua e teimosa insistência em acreditar que, depois da morte, tudo continuará como está agora  -  excetuando a preocupação e a dor, que não mais serão problema.
         Atrevo-me a dizer que tal atitude não me parece cristã. Creio que é simplesmente o regresso a uma forma de crasso paganismo.
         É certo que a Fé cristã não nos dá respostas pormenorizadas e precisas sobre o que sucede depois da morte. Estudando o alentado volume do "Catecismo da Igreja Católica" somos, entretanto, incitados a que encaremos a morte e a tomá-la em conta, superando o medo que ela nos inspira e vencendo-a em união com Cristo.
         No cerne da Fé cristã está a convicção de que, quando a morte é aceita em espírito de Fé, quando nossa vida inteira está orientada pelo dom de si, de maneira que no fim da vida nós a entregamos de volta, pronta e livremente, a Deus Criador e Redentor, a morte se transforma em plenitude. A vitória sobre a morte é obra do amor. Não é fruto de nossa própria e frágil virtude, mesmo que heróica, e sim a participação no amor com que Jesus aceitou a morte no Calvário.
         Esta verdade não se torna patente à razão. É inteiramente do domínio da Fé. Mas o cristão é alguém que crê que, quando uniu sua vida e sua morte ao dom que Jesus fez de Si próprio na Cruz, encontrou não apenas uma resposta dogmática a um problema humano e uma série de gestos rituais que confortam e aliviam a angústia. Acima disso, foi-Lhe concedida a Graça do Espírito Santo.
         Assim não vive mais o cristão uma existência de condenado e decaído, mas vive já a vida eterna e imortal que lhe é dada, no Espírito, por Cristo. O cristão  vive "em Cristo."
         O que "vem depois da morte" não se torna, ainda, claro, em termos de "lugar de repouso" ou um paraíso de recompensas. O cristão não deve preocupar-se, em realidade, com uma vida dividida entre este mundo e o outro. Deve preocupar-se com uma vida. A vida nova do homem (Adão = todos os homens e mulheres) em Cristo e no Espírito, tanto agora como depois da morte. Não pede, com antecedência, uma planta da mansão celestial. Procura, isto sim, a Face de Deus e a visão dAquele que é a Vida Eterna!...
         Sempre acreditei, nestes meus setenta e sete anos de vida, que a verdadeira aceitação da morte em liberdade e espírito de Fé exige uma aceitação fecunda e madura da vida. Quem teme a morte e quem por ela anseia estão, ambos, na mesma miserável condição: admitem não terem realmente vivido!...