terça-feira, 5 de novembro de 2013

O DOIDINHO DE DEUS

      
          Ali naquele centro comercial onde fica a frutaria da Sandra, debaixo da marquise do prédio costuma dormir um "morador das ruas", já velho conhecido meu.  Faça calor ou faça frio, sempre que passo por ali, de manhãzinha, lá o vejo enrolando seu colchonete, que deixa guardado no depósito da frutaria, até chegar a noite, quando ele o pega e o leva para a marquise, seu dormitório de cada noite...
          Dizem que ele é meio louquinho. No meu entender, um louquinho maravilhoso. Resolvi conversar com ele. Perguntei se não tinha casa onde dormir. Ficou espantado com minha pergunta, mas respondeu:
          - Se tenho casa?  Tenho! Tenho sim! Não me falta chão, nem me falta céu!...
          Teimei, com a minha visão de lógica:
          - Mas... e quando chove?
           Ele respondeu rápido:
          - E Você pensa que eu não gosto de tomar banho?
          Perguntei se não estava com fome. se não queria comer...
          - Quero é cantar. Você escuta? Nasci para cantar".
           Como resistir?... Quis que ele cantasse.
           Numa cantiga bem popular, bem nordestina, cantou mais ou menos isto:
                      
                      Orgulhoso, Orgulhoso, me responda,
                      Me diga, me responda agora
                      Você vive? Você morre?
                      Então seu mal não é orgulho,
                      Não começa com O, começa por B...

          E antes que eu risse e dissesse qualquer coisa, ele riu a valer, e bateu palmas, como se o cantor tivesse sido eu.... Insisti, perguntei se ele queria comer alguma coisa ali no Sakura. Lembrei-lhe que passarinho também come...
         Consegui convencê-lo. Levei-o até à frutaria e pedi à Sandra para lhe dar algumas bananas e maçãs. Ele riu do meu pedido:
         - Quero goiaba... Quero só goiaba... Passarinho gosta é de goiaba...
         Tentei, mas não consegui descobrir o nome dele. De cada vez que perguntava, me dava uma resposta diferente:
         - Se me chamar de Galo de Terreiro, eu aceito... Canarinho eu sei que não sou... Só sei cantar isto:
                     Passarinho, Passarinho
                     Não queira enricar
                     Porque dinheiro tem visgo
                     Aí Você fica preso
                     E não pode mais voar

          Perguntei se ele ia à igreja, se sabia rezar. Foi difícil para ele entender minha pergunta. Só me respondeu com estas palavras:
          - Os  moleques me jogam pedra,
          Mas eu pulo, eu rio, eu canto!
          Perguntei se ele já foi a um médico, para ver se o seu problema era cabeça ou outra coisa qualquer.
          A resposta dele:
          - Gente de cabeça arrumada, arrumadinha, anda sobrando por aí!...
          Tive de concordar com ele. Dali a pouco  me despedi, e voltei para casa com estas idéias na cabeça:
          Continua teu vôo, louquinho de Deus, talvez Galo de Terreiro, pois canarinho Você me disse que não é... Continua cantando, continua cantando... Farei tudo para guardar a sabedoria de Deus que me falou através de  tua pretensa loucura. E, sempre que puder, guardarei para ti uma goiabinha madura, de preferência uma dessas já bicada por algum Passarinho, teu irmão!
  
    
                

      

       
         
          

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