segunda-feira, 4 de maio de 2015

A MÃE BENTA E EU



         Nos meus tempos de estudante de Teologia em São Paulo, quando exercia  trabalho de catequese de adultos num dos bairros da periferia, fiquei feliz vendo que os seus habitantes mais pobres amavam e saudavam com carinho o Padre daquela Paróquia, onde eu trabalhava nas manhãs de domingo.
        Quando deixei de público meu contentamento a  um senhor já de certa idade, em conversa no salão paroquial, ele comentou com humildade e inteligência:
         - Contentamento Você deveria ter, não porque o Padre saiba meu nome. Mas contentamento Você deveria ter se soubesse que ele conhece o nome de todos os pobres de sua Paróquia, como também sabe a história de vida de cada um deles..."
          A pura verdade. Pude logo sentir, a partir daquele dia, que o Padre conhecia casa a casa, e sabia os problemas de toda a comunidade, e já estava estimulando cada Família a se unir para, em conjunto, enfrentar e resolver os problemas coletivos.
          E o meu interlocutor, no cair da tarde, continuou a conversa, me explicando:
          - Ali naquele barraco mora o Bastião. Tem sessenta e três anos. Está desempregado, mesmo sendo cheio de saúde e forte. Mas o Bastião se vira para trazer comida prá família numerosa. Aqui no bairro há feira aos domingos, e ele sempre aparece por ali... e volta bem alegre com algo de comer para a mulher, para a mãe já velhinha que mora com eles, e para uma filha, abandonada pelo marido, e com três filhos menores para criar...
          E apontando com o braço esticado:
          - Naquele barraco, mora a Mãe Benta, parteira e benzedeira. Hoje está entrevada e meio cega. Mas dá gosto ver como não falta nada para a Mãe Benta. E não são só as mães ricas, cujos filhos ela "aparou" na hora de nascer, que a sustentam nas despesas do dia-a-dia... São as mães pobres que foram atendidas de graça por ela, na hora do parto... Seis mães pobres, que moram nas redondezas, se uniram, e do pouco que conseguem não há perigo de faltar o de comer para a Mãe Benta...
          O companheiro, que estava ao lado, emendou:
          - Ali naquele mocambo do oitão mora dona Francisca, uma esposa sofredora. O marido chega bêbado em casa pelo menos duas vezes por semana. Aí a vizinhança não consegue dormir com o barulho que ele faz brigando com a mulher, e quase matando a filharada de tanto bater... Se não fosse o Padre, ninguém sabe o que podia acontecer com ela...
          Nas semanas seguintes, voltando à Paróquia, pude testemunhar, meio brincando e muito de verdade, que naquele bairro até os cachorros conhecem o Padre, e quando ele passa e eles latem, parece até que o estão chamando pelo nome...
           Na verdade, me pus a refletir comigo mesmo:
           - Como te entendo, Sacerdote meu irmão! Tu te entregas a todos os teus paroquianos: pobre ou rico, ninguém bate em vão à tua porta. Mas como Cristo, que veio para todos, foi morar com pescadores e não tinha sequer uma pedra onde repousar a cabeça, Você, imitando o Mestre, veio morar com os pobres mais pobres de sua Paróquia. Aí no seu bairro há racionamento de água. Mas quando ela chega, alta madrugada, tu a esperas como tua gente a espera. E vais com tua vasilha apanhar tua água, como todo mundo faz. E sei que ainda ajudas a carregar as latas das pessoas idosas e das mulheres grávidas...
            Um jornaleco da região, conhecedor desses fatos, escreveu maldosamente que fazes tudo isso por demagogia. E eu acrescento, em tua defesa:
             - Demagogia que atravessa meses e meses, e dura anos?
             Sei que Você, com a Graça de Cristo, compreendeu os tempos novos em que vivemos. E Você sabe mais do que nunca  que a boa nova do Evangelho tem que ser pregada com a vida, antes de ser anunciada com palavras bonitas, mas vazias...
               Que Jesus de Nazaré, pobre entre os pobres, esteja com Você e o cumule com Suas bênçãos, que Você bem as merece!

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Aroldo Teixeira de Almeida é bacharel em Teologia Sistemática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Capital dos paulistanos.










        

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