segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O PROFETA DA ALEGRIA


                                                 

      Charles Moeller, escritor belga, na sua monumental obra em três volumes, "Littérature du XXe. Siècle et Christianisme", estudando Bernanos, romancista francês, chama-o de "profeta da alegria". De minha parte, lendo os livros publicados por Georges Bernanos: "Sob o sol de Satã", "O impostor", "Diário de um pároco de aldeia", "O diálogo das carmelitas", e o mais impressionante de todos, "A alegria", tomo a liberdade de ampliar o dito de Moeller, defendendo que Bernanos não é somente o profeta da alegria, mas é um profeta moderno em toda a extensão do conceito. Isto me leva a perguntar: qual é a fonte, qual é o segredo dessa inesgotável alegria que perpassa toda a obra de Georges Bernanos?
      Com seu olhar profundo, o olhar de uma penetração fulgurante como eu o vejo nas suas fotos, ele parece abrir ao mundo as portas da eternidade. Lendo-o, somos forçados a mergulhar-nos no verdadeiro desafio de nossa vida, conforme diz ele no "Diário": -"Se as nossas felicidades são com frequência unicamente terrestres, nossas desgraças são sempre sobrenaturais." Suas mensagens não são apenas romanescas - foi excelente romancista - mas colocam-se entre aquelas que me parecem terem sido as mais trágicas do século XX, embora uma formidável força de alegria irrompa de todas elas, porque o mistério de toda a sua obra está centralizado no mistério pascal. Na morte e na vida.
      É verdade que muitos críticos tecem acerbas considerações sobre sua produção literária, como também irrita muitos leitores, que o consideram mais um jansenista do que um escritor católico. Esta crítica eu a considero sem muita consistência porque, se lhe desculparmos certa empolgação de linguagem, uma certa concepção do sobrenatural muito particular e sem grande ênfase na sua transcendência, em todo caso é preciso ressaltar a autenticidade e a catolicidade de suas visões teológicas.
      Depois de Graham Greene, com seu esplêndido "O Poder e a Glória", como assinalei num texto anterior, faltava-nos uma voz que nos desse a impressão de sentir, como que com as mãos, a presença do sobrenatural.
      Os livros de Bernanos são um retrato autêntico de todas as nossas mais secretas angústias. Mas há também neles uma pletora muito maior de alegria. Aliás, o livro mais tenebroso escrito por ele tem, por paradoxo, o título de "La joie", (A alegria). E ele nos comunica essa alegria em frases como esta: -"Quando eu morrer, dizei ao doce reino da Terra que eu o amei mais do que nunca ousei confessar."
      E eu, irmanando-me nesta sua confissão, sinto-me confortado pelo seu vigor viril, porque Bernanos, na sua ira visionária de profeta, pode aparentemente amaldiçoar o mundo mergulhado na apostasia e no pecado, mas é preciso lembrar que por baixo de suas maldições esconde-se uma ternura imensa por este universo criado por Deus, e que ele o vê transfigurado pela Graça Divina.
      Voltando à frase em que Bernanos diz ter amado a Terra mais do que ousou confessar, é necessário acrescentar, com ele, que esta Terra nada seria sem a esperança, que por si mesma pode ser um martírio: -"Em sua mais alta pressão, a esperança acaba por nos consumir."
      Concordo que a esperança, num mundo como este em que vivemos, nos martiriza, mas também nos transfigura: ela nos oferta o amor divino em troca dos nossos pobres sofrimentos humanos. É o que transparece deste magnífico texto:
      -"Odiarmo-nos é mais fácil do que se supõe. A Graça está em esquecermo-nos. Se todo o orgulho tiver morrido em nós, a Graça das graças será amarmo-nos humildemente a nós mesmos, como não importa qual dos membros doloridos de Cristo."
      Assim, todos os sofrimentos do mundo completam, misteriosamente, um retrato, o corpo de Jesus de Nazaré, no qual se esconde a paixão redentora. É por isso que a frase mais bela que se pode encontrar na obra de Bernanos, está, como já disse linhas acima, no livro mais terrível escrito por ele: - "Tudo é Graça."
      Lendo-o, somos levados a perguntar-lhe mais uma vez pelo segredo de sua alegria. Ela é um mistério, porque a frase "Tudo é Graça" se encontra no livro "A alegria", em que ele narra a pavorosa agonia de uma jovem inocente, Chantal de Clergerie, a pequena santa a quem tudo roubaram, a inocência, a vida, e até a própria morte. Nestes tempos de violência e terrorismo planetários, Bernanos traz para nós a resposta da Fé ao perturbador silêncio de Deus. É portanto necessário dar a homens e mulheres deste mundo uma esperança que eles porventura ainda não a tenham. Uma esperança para os cristãos que talvez não saibam "a que preço foram resgatados."
      A pergunta capital que nos faz Bernanos num de seus livros, e que eu transcrevo aqui, é esta:
- "Sois ou não capazes de rejuvenecer o mundo? O Evangelho é sempre jovem, vós é que sois velhos."
      Feito este preâmbulo, se não me faltar tempo, disposição, e principalmente pachorra, pretendo trazer ainda neste blog um estudo mais aprofundado do genial francês, Georges Bernanos, o profeta do século XX. 

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

                                                   SAUDADES DA RAQUEL


      Faz cinco anos que minha filha Raquel faleceu. Morte cheia de angústia e sofrimento causados pelo câncer que lhe invadiu a coluna vertebral, o cérebro e o sistema linfático. Tenho meditado quase que diariamente nesse doloroso mistério que é a morte, principalmente a daqueles e daquelas que amamos e que viveram conscientemente uma vida de fé.
      É verdade que a morte cristã, como a de minha filha, se acompanha frequentemente de angústia, mas esta angústia nada tem a ver com o medo vil que sente quase sempre o arreligioso, o agnóstico ou o ateu, diante do imponderável que os aguarda. A angústia do cristão moribundo é apenas a angústia mística, o pressentimento, o temor ante a magnitude do mistério de Deus; é o frêmito de todo o seu ser à beira dessa mudança radical que dissolve e recompõe o corpo de pecado para o transfigurar em corpo de glória na ressurreição, e esta ressurreição eu a creio sinceramente como realizada na morte. É abandono humano, solidão, deserto de Deus; porém, no seio desse deserto, Deus fala, além da noite dos sentidos e do espírito. Por muito profunda que possa ser a angústia da morte para o cristão, ela é acompanhada por uma alegria que excede o sentimento.
      As mortes cristãs, além da angústia, são também doces, mas de uma doçura diferente da serenidade estóica dos arreligiosos, dos agnósticos e dos ateus. Essas angústias são aceitas, às vezes desejadas, como no caso dos santos, que pediam a Deus para sofrerem cada vez mais, a fim de salvar os outros, porque aqui se encontra o mistério da Páscoa: embora a morte cristã, a morte de Jesus de Nazaré, pareçam humanamente falando, trevas e angústias, são também alegria; e se essa alegria é aparentemente idêntica à angústia, idêntica à agonia de suor e sangue, não é porque seja ilusão, mas porque é sobre-humana, ultrapassando todo o entendimento. É uma alegria sobrenatural, divina, um dom de Deus.
      O cristão e a cristã, por sua fé, têm certeza da vitória de Cristo sobre a morte; as angústias que eles experimentam são as angústias de Jesus na cruz; elas resplandecem de alegria em meio aos sofrimentos e às trevas, ou ao pretenso abandono de Deus: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" - gritou Jesus de Nazaré na cruz.
      No livro de Georges Bernanos, "Diário de um Pároco de Aldeia", que acabo de ler pela terceira ou quarta vez, seu personagem principal, o vigário da aldeia, está consciente desta verdade; ele pronuncia, ao morrer, uma das mais belas frases que encontrei na literatura do século passado: "Tudo é Graça!" A razão teológica deste fato é que, na angústia da morte cristã, há a experiência do deserto, o deserto bíblico que todo homem e mulher devem atravessar para se unirem a Jesus no Calvário. No Calvário, porém, está a ressurreição, cujos primeiros vislumbres a alma cristã recebe já nos umbrais da morte. Aliás, eu sempre mantive a crença de que a ressurreição não é um futuro problemático, em um também problemático fim dos tempos. Para mim o fim dos tempos para cada um de nós ocorre justamente na morte, e é aí, na morte, que Deus nos concede a graça da ressurreição. Ressurreição NA morte.
      Na morte cristã é certo que pode haver vestígios de um medo, de um pânico da sensibilidade exaltada, mas não há apenas isso. Embora esse medo exista, só atinge um corpo já quase abandonado de todo, entregue aos reflexos naturais da matéria que se esvai.
      Digo que este medo pode existir, mas sob uma alegria misteriosa, sob misteriosa serenidade. Conheceu-a muito bem minha filha Raquel, quando murmurava na sua longa e dolorosa agonia: "Meu Deus, seja feita a Vossa vontade." Ela dizia Vossa vontade, pensando em Deus e não se queixando das atrozes dores que a atormentavam.
      Minha filha Raquel, na sua agonia sofreu muito. Só depois que recebeu uma injeção de morfina é que se acalmou e morreu em paz. Algum tempo antes, apertou tanto a minha mão, que até doeu. E me pediu, entre lágrimas,  que lhe prometesse fazer feliz sua filha Isabela, então com doze anos. E eu, entre lágrimas também, lhe prometi, e é o que tenho tentado fazer até hoje, apesar dos protestos de parentes, que dizem que estou sendo exagerado, e até prejudicando a menina. Isto não me impressiona. Tenho consciência de que estou cumprindo uma promessa sagrada, e tentarei cumpri-la enquanto viver.
      É pela sua morte sofrida e cheia de angústias, pelos indizíveis sofrimentos por que passou, e muito mais pela sua vida, que tenho a íntima certeza de que a Raquel ressuscitou na morte, e agora está em paz no Reino do Pai, velando por sua filha Isabela, velando por seus pais e irmãos.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Carta aberta a meus filhos e netos

                                    CARTA ABERTA A MEUS FILHOS E NETOS

          - "Como um sopro se acabam os nossos anos. Pode durar setenta anos a nossa vida; os mais fortes talvez cheguem a oitenta." (Salmo 89)

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      Queridos filhos e netos:

      Foi meditando nestas palavras do salmo 89, que rezo diariamente na Liturgia das Horas, é que me decidi a escrever-lhes esta carta. Hoje estou com 80 anos, dentro, portanto, dos limites estabelecidos pelo salmista. Sendo assim, talvez muito em breve, ou talvez com maior demora dentro dos desígnios de Deus, quando este velhote meio careca já não for o mesmo, peço-lhes que tenham paciência e compreensão.
      Quando eu derramar  sopa, café ou remédio na roupa, ou me esquecer de amarrar os cordões dos meus velhos sapatos, lembrem-se das muitas vezes em que passei um bom tempo ensinando a Vocês como amarrar os seus.

      Quando amigos e vizinhos vierem conversar comigo e Vocês me ouvirem repetir sempre as mesmas histórias de antigamente, e que Vocês já sabem de cor e salteado como terminam, não me olhem com olhos gozadores nem me interrompam. Lembrem-se de que, quando eram pequenos, à beira de seus leitos eu lhes contava dezenas de vezes a mesma história do Chapeuzinho Vermelho e do Lobo Mau até que o sono chegasse e Vocês conseguissem adormecer. Sem esquecer, é claro, que muitas vezes eu até me atrevia a cantarolar com voz desafinada cantigas de ninar, quando o sono lhes custava a chegar.

      Quando me virem todo embasbacado e ignorante diante da parafernália eletrônica que hoje é café pequeno para Vocês, tenham paciência e não me lastimem com sorrisos zombeteiros. Lembrem-se de que fui eu quem lhes ensinou as primeiras letras e a vencerem os obstáculos da vida, como Vocês fazem muito bem agora, manuseando com maestria teclados de computadores, engenhosos celulares ou cordas de guitarras elétricas.

      Quando eu for à igreja, e demorar muito a sair de lá, atrapalhado entre os bancos, ou porque me foi difícil encontrar a saída, tenham compreensão, e saibam que dezenas de vezes me dirigi a esse lugar santo para pedir a Deus que nunca faltasse nada aos meus queridos filhos e netos, nem saúde, nem alimentos, nem lazer, nem tudo aquilo que pudesse dar-lhes alegria e torná-los contentes e felizes.

      Quando me falharem as pernas ao caminhar, e nem a bengala conseguir manter-me em pé, dêem-me suas mãos para ajudar-me a trocar os passos, como eu fiz com Vocês para ensiná-los mais depressa a andar.

      Se porventura eu molhar ou sujar as roupas íntimas, não me censurem, pois quantas vezes eu não ajudei sua mãe ou avó a trocar as fraldas sujas ou molhadas de Vocês?

      Peço-lhes agora, e isto é muito importante para mim, perdão pelas minhas constantes ausências naqueles tempos já distantes em Barbosa Ferraz. Ir e voltar do trabalho de magistério, quarenta e quatro aulas semanais, manhã, tarde e noite, deixando-os dormindo de manhãzinha e encontrando-os adormecidos à noite, isto me fazia sofrer muito. Mas deveu-se à luta pela sobrevivência e para conseguir proporcionar-lhes o melhor, o que nem sempre foi possível fazê-lo, e aqui lhes peço também compreensão.

      Quando me ouvirem queixar-me que estou cansado da vida e que me custa muito carregar o peso dos anos, não fiquem zangados nem tristes, pois algum dia entenderão que o que digo não contradiz o carinho e o amor que sempre tive por Vocês.

      Não fiquem chorosos ao me verem encurvado e trêmulo; dêem-me seus corações, compreendam-me e me apóiem, como eu fiz quando Vocês começavam a viver. Como eu os acompanhei ao iniciarem suas caminhadas, acompanhem-me ao terminar a minha. Dêem-me amor e paciência, e eu lhes devolverei gratidão e sorriso pelo imenso amor que sinto por Vocês.

      E se eu, em consequência da idade, começar a esquecer os seus próprios nomes e até a confundir uns com os outros, por favor, façam-me esta caridade: não se esqueçam de mim!

      Seu pai e avô, Aroldo.



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                                            MORTE - ESPERANÇA E SAUDADE


            Os mortos, que nos são queridos (falo agora de minha filha Raquel, que há um ano e meio nos deixou), passam a viver mais intensamente conosco depois da morte. Embora acompanhados dessa chaga incurável em vida, com que nos deixaram, ao passarem para a Vida Eterna. Pois essa união conosco, depois da morte, não é nenhuma espécie de materialização espírita ou mesmo parapsicológica. É uma união singular no Espírito, comunicada às coisas ou nos acontecimentos. É nesse sentido que a morte é um desdobramento da vida.
      Ao partirem, os mortos que mais queremos, continuam a viver conosco uma vida quotidiana. Nos mais simples e íntimos momentos de nossa vida normal Sua morte, a morte dos bem-amados, no caso da morte de minha filha Raquel, nós os revivemos no seu amor pela sua filha de doze anos, Isabela, nos objetos em que tocou, nas palavras que com ela trocávamos, nos fatos que juntos vivíamos na alegria e nos dissabores, até mesmo naqueles fatos novos que se seguiram à sua partida, que nós lhe comunicamos e com ela conversamos e debatemos como em vida.
      Com ela e depois dela revivemos os momentos mais íntimos e quotidianos de nossos afetos, os vestidos dela conservados no guarda-roupa, os sapatos que usava para o trabalho, a vida social, o lazer; os grampos com que ela prendia os cabelos longos. Inclusive a peruca que lhe cobria a cabeça após as dolorosas sessões de quimioterapia a que se submeteu dezenas de vezes.
      Tudo revive. As coisas passam a ter uma vida nova. Uma vida nova banhada de Esperança e de Saudade. Levou-nos quem amávamos, mas continuamos a amá-la ainda mais nessa nova vida ressuscitada na morte e portanto sem mais risco de ser perdida. Mas a restitui também, multiplicada por essa sua presença na filha que deixou, na sua presença em tudo que fez e viveu na sua curta vida, e que agora se tornam muito mais vivos, porque banhados de eternidade.
     E também muito mais dolorosos, porque evocadores da implacável e dura separação. Mas a morte de quem tanto amamos é uma passagem, e isto para nós é uma imensa consolação, é a passagem de uma presença precária e finita, para uma presença perene e permanente. Perene na eternidade. Perene na saudade. Permanente no tempo.
      Revivendo a nosso lado, por essa humilde e invisível presença de cada dia, de cada hora, de cada momento, com que banhamos de esperança a nossa saudade. E paradoxalmente, também de alegria,  pela certeza de que nossa morta querida passou a velar por nós em sua vida de plenitude junto a Deus. Velar pela sua filha Isabela, pelos seus pais, pelos seus irmãos.
      E a reviver conosco, a nosso lado, a nossa vida mais íntima de cada dia.
      No silêncio doloroso de cada noite.


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sábado, 11 de fevereiro de 2012

O ÚLTIMO ANDAR

      Hoje, 8 de junho de 2016, de manhãzinha, este velhote meio careca, ralos cabelos brancos na cabeça, já bastante carcomido pelo peso de seus 80 anos, confessa francamente, de público, que chorou. Estava dando uma arrumadela em seus livros, na estante, e encontrou ali, meio espremido entre pesados livros de teologia, um pequeno volume intitulado "Um Olhar Sobre a Cidade", de autoria do saudoso e inesquecível Dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, falecido em 28 de agosto de 1999.
      O velhote chorou, confessa mais uma vez, porque encontrou na primeira página do livro esta dedicatória:
      - "Para o pão-duro, munheca e boco-moco do meu irmão, esta oferta grátis para que 1979 marque para você uma maior abertura de si mesmo.  Darcy, janeiro de 79."
      Darcy. Minha irmã. Quem teve a pachorra ou a curiosidade de entrar no "blog do mestre" encontrou lá uma espécie de poema intitulado "Meus dois amores", e ali se fala da Darcy, que, procurando mais vida, na vida encontrou a morte, ao lado de Raquel, aquela que, lutando contra a morte, na morte encontrou a Vida Eterna. Pois é, ambas, meus dois amores. Darcy minha irmã; Raquel minha filha.
      Folheando o belo livro de Dom Hélder, encontrei lá nas últimas páginas um poema de Cecília Meireles, com o sugestivo título de "O último andar".
      Poeta, poetisa. Qual dos mortais seria tão insensível que não amasse estes seres tão misteriosos, quase etéreos, quase anjos, que com suas palavras conseguem nos arrancar das baixadas deste mundo e conduzir-nos para as sublimes alturas da fantasia, da parábola, da beleza, através de seus versos? E tanto isto é verdade, que me atrevo a transcrever aqui os versos maravilhosos de Cecília Meireles, que também fizeram o velhote chorar de manhãzinha:
                                         
                                          O Último Andar

                                No último andar é mais bonito
                                Do último andar se vê o mar
                                É lá que eu quero morar
                                O último andar é muito longe
                                - custa-me muito a chegar -
                                Mas é lá que eu quero morar
                                Todo o céu fica a noite inteira
                                Sobre o último andar
                                É lá que eu quero morar
                                Quando faz Lua
                                no terraço fica todo o luar
                                É lá que eu quero morar
                                Os passarinhos lá se escondem
                                prá ninguém os maltratar
                                no último andar
                                De lá se avista o Mundo inteiro
                                Tudo parece perto, no ar
                                É lá que eu quero morar!

      O velhote chorou de manhãzinha porque, relendo o poema de Cecília Meireles, lembrou-se da Raquel, sua filha querida que flechou verticalmente o céu em busca do Infinito.  E este Infinito, outro nome para o Último Andar, é ali que ser tornou definitivamente a morada da Darcy e da  Raquel, ambas os meus dois amores.
      Ambas no último andar. Será vaidade querer morar no último andar, onde ambas moram? Se de lá se vê o mar; se a noite inteira todo o céu fica sobre o último andar; se de lá se avista o Mundo inteiro, como não querer ir para o último andar?... Sobretudo, se é lá, no último andar, que os passarinhos se escondem para ninguém os maltratar, como pode ainda haver dúvida, quanto a meus dois amores terem querido ir morar no último andar?
      Há muita gente que não gosta de falar em morte. O velhote, que chorou de manhãzinha, também não gostava de falar em morte, pois o falar ou o  lembrar da morte o faziam chorar. Tinha duas fortes razões para isso. A Darcy e a Raquel. Mas é porque ele não via a Morte como a vêem os Poetas e os Santos.  Como a vê Cecíla Meireles no seu poema do Último Andar.
       É assim tocada de Beleza que os Poetas e as Poetisas contemplam a Morte. Para os Santos, aqueles que residem no último andar, a Morte é a entrada em uma nova vida. Sem dúvida, os que agora moram no último andar estiveram ligados à Terra. Tiveram uma missão cá na Terra que lhes foi confiada pelo Pai: Ele, ao fazê-los participar da Sua própria natureza divina, deu-lhes a missão de dominar a Natureza e completar a obra da Criação.
      E eles, na sua vida mortal, foram fiéis a essa missão, que consideraram como a mais apaixonante que lhes foi dada pelo Criador, a de agir como co-criadores com o Criador, de lutar como co- libertadores deste Mundo com o Libertador.
       Para os meus dois amores, a Darcy e a Raquel, como para os Santos, a Morte não lhes apareceu como um horrendo esqueleto com uma foice nas mãos. Elas, como os Santos, não tiveram medo de morrer. Se morrer, para elas, é ressuscitar, sei que elas nunca falaram em morrer. Quando fosse o caso, elas falavam em ressurreição na morte, ou então preferiam falar em partir!
      E como o fez São Francisco de Assis, uma, que procurava mais vida,  e procurando mais vida se deparou com a morte, a outra, que lutava contra a morte, e lutando contra a morte na morte encontrou a Vida Eterna, saíram ambas vitoriosas, porque saudaram a Morte como uma Irmã querida, que veio para levá-las para a Casa da Vida Eterna..
      Para o último andar!


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                                        A propósito do "Diário" de Anne Frank


    O "Diário" foi encontrado no sótão onde a pequena Anne frank morou nos últimos anos de sua vida. Seu diário se tornou um clássico em todo o mundo: uma poderosa lembrança sobre os horrores de uma guerra, um testemunho eloquente para o espírito humano.
      Em junho de 1942, quando os nazistas ocupavam a Holanda, a menina judia de apenas 13 anos, acompanhada por toda a família, deixou para trás a residência em Amsterdã e se refugiou no sótão de uma casa. Até o paradeiro dos Frank ser delatado à Gestapo (= polícia secreta nazista), os integrantes da família viveram ao longo de dois anos enclausurados no "Anexo Secreto".
      Isolados do mundo exterior, os Frank enfrentaram a fome, o tédio e a terrível realidade do confinamento, além da ameaça constante de serem descobertos e mortos.
      Nas páginas de seu diário, Anne Frank registra as impressões sobre esse longo período no esconderijo. Alternado momentos de medo e alegria, as anotações se mostram um fascinante relato sobre a coragem e a fraqueza humanas, e, sobretudo, um vigoroso auto-retrato de uma menina sensível e dterminada cuja vidaa foi tragicamente interrompida.

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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

DE VOLTA AO CATOLICISMO

      Confesso e não nego: sou fã de carteirinha das belíssima canções do Padre Zezinho. Possuo quase todos os seus CDs e gosto de ouvi-los, em surdina, enquanto escrevo. Por sinal, uma de suas composições, "Eu sei que Deus é paz", eu a ouço todas as noites antes de dormir.  Primeiramente, por serem letra e melodia muito bem trabalhadas, ao som de um piano que me dá vontade de ser pianista. Em segundo lugar, porque o CD me foi presenteado pela minha filha Raquel antes do seu falecimento, e ao dar-me o disco,  me disse que essa música, "Eu sei que Deus é paz", ela a ouvia todos os dias, durante os seus sofrimentos causados pelo câncer que a matou, por um verso que a consolava e lhe dava forças para suportar as agruras da doença: "Em nome de Jesus eu tive forças prá levar a minha cruz."
      Se não sabia antes, agora eu sei: além de grande compositor, poeta e cantor, Padre Zezinho é também escritor e dos bons. Estou aqui com um alentado e bem caprichado livro de sua autoria, com o título sugestivo de "De Volta ao Catolicismo", mais de seiscentas páginas que farão muito bem a quem as ler e meditar. Foi publicado pelas Paulinas, com o sub-título de "Subsídios para uma catequese de atitudes". Consta de duas partes, num total de 79 temas, além da bibliografia.
      Não é propaganda encomendada, mas acho importantíssima a leitura do livro, pois traz temas atualíssimos e de grande proveito para uma vivência social e religiosa consciente e segura.
      Tomo a liberdade de transcrever as três dedicatórias que abrem o livro:

      Este livro é dedicado:

     ...Aos católicos que, de ingresso na mão, depois de muitos anos, ainda não embarcaram, preferindo olhar e até admirar a barca, mas do lado de fora.

      ...Aos católicos que se decidiram por outra barca e agora pensam em voltar à nave da qual ainda possuem o primeiro bilhete.

      ...Aos irmãos de outras Igrejas, a quem porventura interesse saber o que pensamos, o porquê de nossas atitudes, de nossas práticas e de nossas doutrinas.

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       Do "Diário" de Anne Frank, em 13 de janeiro de 1943:
      "Coisas terríveis estão acontecendo lá fora. A qualquer hora do dia ou da noite pessoas pobres e desamparadas são retiradas de suas casas. Não têm permissão de levar nem mesmo uma sacola com coisas e um pouco do dinheiro, e mesmo quando têm, essas posses lhes são roubadas no caminho. Famílias são rompidas; homens, mulheres e crianças são separados. Crianças chegam da escola e descobrem que os pais desapareceram. Mulheres voltam das compras e descobrem as casas lacradas, e que as famílias desapareceram. Os cristãos holandeses também estão com medo porque seus filhos são mandados à Alemanha.
      Todo mundo anda apavorado. Todas as noites centenas de aviões passam sobre a Holanda a caminho das cidades alemãs, para semear suas bombas em solo alemão. Toda hora centenas, ou talvez milhares de pessoas são mortas na Rússia e na África.
      Só podemos esperar, com toda a calma possível, que a guerra acabe. Judeus e cristãos esperam, o mundo inteiro espera, e muitos esperam a morte."

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     O depoimento da pequena Anne Frank, morta pelos nazistas após passar anos escondida no sótão de uma casa em Amsterdã, Holanda, ainda hoje emociona leitores no mundo inteiro. Seu "Diário" narra os sentimentos, medos e pequenas alegrias de uma menina judia que, com sua família, lutou em vão para sobreviver ao Holocausto, quando morreu a mãe, a irmã e a própria Anne.
      Lançado em 1947, o "Diário de Anne Frank" tornou-se um dos maiores sucessos editoriais de todos os tempos. Um livro tocante e importante que conta às novas gerações os horrores da perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
     Agora, em décadas após ter sido escrito, este relato finalmente é publicado na íntegra, com um caderno de fotos e o resgate de trechos que permaneciam inéditos. Uma nova edição que aprofunda e aumenta nossa compreensão da vida e da personalidade dessa menina que se transformou em um dos grandes símbolos da luta contra a opressão e a injustiça. E consagra "O Diário de Anne Frank" como um dos livros de maior importância do século XX. Uma obra que deve ser lida por todos, para evitar que atrocidades parecidas voltem a acontecer neste mundo.

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      Anne Frank e sua irmã foram transportadas do horrível campo de Auschwitz no fim de outubro e levadas para Bergen-Belsen, campo de concentração e de extermínio de judeus perto de Hannover (Alemanha). A epidemia de tifo que irrompeu no inverno de 1944-45, em resultado das horríveis condições de higiene, matou milhares de prisioneiros, inclusive Margot e, alguns dias depois, Anne. Ela deve ter morrido no final de fevereiro ou início de março. Os corpos das duas garotas foram provavelmente enterrados nas valas comuns de Bergen-Belsen.  O campo foi libertado por tropas inglesas em 12 de abril de 1945.

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sábado, 4 de fevereiro de 2012

A AMIZADE NA PERSPECTIVA DO AMOR

                      (Dedicado aos amigos e amigas que têm prestigiado o Blog do Mestre)


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     Desde que surgiram os primeiros rudimentos de escrita, há documentos antiquíssimos comprovando que o tema da Amizade já fazia parte das preocupações da época. No decorrer dos séculos a Amizade   foi-se tornando o grande sonho, a grande aspiração das almas generosas, o tema predileto de prosadores e poetas de todas as tendências. E nossa literatura, a portuguesa e a brasileira, é celeiro abundante das mais variadas manifestações e arroubos literários diante de tema tão fascinante.
      Aliás, é próprio do ser humano procurar o convívio sadio com os seus semelhantes. Jamais homem e mulher poderão viver e subsistir desligados física e espiritualmente um do outro. Todos precisam amar e ser amados. Seria um defeituoso psiquicamente quem não encontrasse na vida uma manifestação de afeto que lhe inundasse o coração. E o coração é insaciável, diz-nos a experiência do dia a dia. Só a Amizade de um Amigo poderá verdadeiramente saciá-lo.
      Quando não encontram esse Amigo, homem e mulher tornam-se autênticos órfãos, como já testemunharam os antigos. Seria terrível orfandade não haver, nas horas tormentosas da vida, uma alma que nos compreendesse, uma mão amiga que se estendesse para nós, uma alma gêmea que nos penetrasse o íntimo da alma, escutasse nossos desabafos, nos confortasse com uma palavra de fé e coragem. O escritor Paulo Ximenes, escrevendo sobre o assunto, assevera que "a profundeza e a largura de uma amizade se conhecem nas dificuldades e nos sofrimentos."  Uma visita reconfortante, algumas palavras amigas, uma boa notícia, um bilhete carinhoso que seja, muitas vezes é o suficiente para restituir-nos a alegria e o entusiasmo de viver, quando tudo parecia desmoronar a nossos pés.
      - "Basta a sombra de um Amigo para tornar o homem feliz!" -  observava o poeta grego Menandro. E este Amigo foi definido por alguém como sendo aquele que primeiro entra em nossa casa quando o mundo inteiro nos abandonava. Aquele que sempre está disposto a sacrificar-se pelo outro, que instintivamente acorre em auxílio do outro, sem que seja necessário pedir-lhe.
      Neste ponto lembro-me de um belo pensamento de Allan Petermann, que diz assim: - "Amigos não são aqueles que nos enxugam as lágrimas, e sim aqueles que não as deixam cair."
      O escritor Doug Larsen coloca uma pitada de ironia no seu pensamento: - "Um amigo de verdade é aquele que te apóia nos fracassos e tolera o teu sucesso..."
      Ou como diria Juan Arolas: - "Quem não possui um amigo, para confiar-lhe ventura e males, é um estrangeiro em toda parte."
      O pessimista de plantão logo aparece com a sua interrogação ferina: existem ainda desse Amigos verdadeiros, em quem deveras se pode confiar?
      A objeção possui a sua razão de ser. Tem-se dado o nome de Amigo a tanta coisa, que é quase impossível distinguir o falso do verdadeiro Amigo.
      Há uma infinidade de "amigos". Amigo-camarada, amigo-de-trabalho, amigo-de-balcão-de-bar, amigo-interesseiro, e por aí vai. Se existe até o amigo-da-onça...
      São amigos para nos prestarem esporadicamente algum favor, para trocar idéias, para jogar palavras fora numa mesa de café ou num banco de jardim, para discutir política ou futebol, para falar de mulher. Tratando-se de mulheres, para falarem mal dos maridos, comentarem o último capítulo da novela, ou fofocarem sobre outras "amigas"... Apesar disto, estamos fartos de ouvir a quase todo instante: meu inesquecível amigo, meu caro amigo, meu prezado amigo, meu amigo do peito; - mas na verdade, encontrar-se um verdadeiro Amigo, que nos cative de vez o coração, não é muito fácil nos tempos que correm.
      Com a agitação da vida moderna, com a correria das grandes cidades, com a superlotação dos ônibus, com a acirrada competição por um emprego melhor, para a realização de negócios, não há quase mais tempo para o cultivo da Amizade. O que se nota, em grande parte, é a amizade interesseira, a amizade fingida por conveniência. Não há Amigos. Há, e muitos, amigos. Como já se disse, amigos de ocasião. Amigos que enganam a todos, sempre que podem, com palavras amáveis e generosas.
      Cuidemos, porque amigos há também, e numerosíssimos, que apenas consagram amizade a pessoas bem instaladas na vida, a políticos influentes, a empresários poderosos, a funcionários venais e corruptos. Amigos do dinheiro. Amigos de banqueiros. Amigos de recepções. Amigos para troca de influências. As cidades estão cheias deles. Basta ler os jornais.
      Vem, a propósito, a frase singela do hoje não mais lido e esquecido romancista português, Camilo Castelo Branco, em seu romance "Amor de Perdição": - "É nas coisas mais insignificantes que se avalia um amigo verdadeiro."
      - "Vive a Amizade, se ferve a panela!" - diz a sabedoria popular. Um só golpe de má sorte é suficiente para que todos esses "amigos" desapareçam. Nem cumprimentem mais aqueles a quem antes até se tornavam enfadonhos, pelo ridículo da bajulação. Como disse São Jerônimo, nos primeiros séculos do Cristianismo: - "A amizade que pode acabar nunca foi verdadeira amizade." De verdadeiros Amigos é que há grande falta. E falta tão grande, que um influente escritor bastante conhecido chegou a dizer:
      - "Todos, que neste mundo cheio de ódio e violência, encontrarem um Amigo - alma pura, cheia de calor, de amizade e de espírito de sacrifício e doação - ajoelhem e deem graças a Deus, porque encontraram com certeza o maior bem da Terra."
      Também Ivo dos Santos Castro, na Folhinha Vozes, dá a sua colaboração para esta página: - "O bem que não se conseguir com a amizade, muito menos se conseguirá sem ela."
      Se todos, homens e mulheres, se preocupassem um pouco mais com a felicidade daqueles que os cercam, se considerassem todos os seus semelhantes como membros de sua imensa família espiritual, então a vida na Terra seria mais bela. Lembro-me muito bem ainda, após tantos anos, das palavras de meu companheiro de estudos na Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, na capital paulista, Luiz Cechinato: - "Se você quer ter amigos, deve ganhá-los através do amor, da simpatia e da sinceridade."
      Só o culto da Amizade sincera e desinteressada - praticado com dignidade e espiritualismo - terá força bastante para atrair sobre o mundo o equilíbrio e a paz, de que ele tanto precisa. E a Amizade, assim compreendida, como bem disse George Brassens, - "nada pede em troca, apenas uma pequena manutenção."
      Só a Amizade, e somente ela, quando se transfigurar em Caridade, poderá trazer a semente de uma nova sociedade, mais justa, mais digna, mais duradoura, mais cristã.
      E a medida dessa Amizade agora transfigurada em Caridade, a mais nobre das virtudes, conforme o apóstolo Paulo, é o "amai-vos uns aos outros como eu vos amei!"