Se em novembro temos um dia consagrado aos mortos, (e eu tenho um morto muito querido a lembrar: minha filha Raquel, falecida há dois anos), para o cristão a morte não é o fim definitivo e total da pessoa humana, pois acredito na ressurreição dos mortos, não em um problemático final dos tempos, mas no instante da própria morte.
O apóstolo Paulo chamava o homem ressuscitado de corpo-espiritual. Com isso entendia o homem todo inteiro alma-corpo, mas totalmente realizado e repleto de Deus.
Como poderíamos designar o homem ressuscitado? Utilizando-nos de uma categoria da antropologia baseada no princípio-esperança, talvez pudéssemos dizer: homo revelatus, como sugere o teólogo brasileiro Leonardo Boff, no seu primoroso livro "A nossa ressurreição na morte".
Com a ressurreição, se revelou realizado o verdadeiro homem que estava crescendo dentro da situação terrestre, aquele que Deus realmente quis quando o colocou dentro do processo evolutivo. O homem verdadeiro, em sua radical patência, é só o homem escatológico, explica Boff.
Pela ressurreição, o poder-ser do homem-ser se realiza exaustivamente: ele sai totalmente de sua latência, pois nele se revela o desígnio de Deus sobre a natureza humana, que é fazê-la participar de Sua divindade com toda a realidade dela, corpo-espírito-aberta-para-a-totalidade.
O homo revelatus participa da ubiquidade cósmica de Deus e de Cristo: possui uma presença total no mundo criado, tornando-se assim o homo cosmicus.
Agora, na presente condição espácio-temporal, existe apenas o homo revelatus, que está ainda preso às categorias deste mundo, e vive na condição bíblica de simul justus et peccator (ao mesmo tempo justo e pecador).
A morte vem libertá-lo e possibilitar-lhe uma penetração mais profunda no coração do mundo. Pela ressurreição na morte ele participa do Cristo ressuscitado e cósmico. Na consumação final do mundo-universo, ele mesmo se potencializará, porque o cosmos lhe pertence essencialmente.
No final da vida terrestre, o homem deixa atrás de si um cadáver, que é dado à terra. É como um casulo que possibilita o emergir radiante da crisálida e da borboleta, agora não mais presa pelos limites do casulo, mas aberta ao horizonte vasto de toda a realidade.
Diante da pergunta fundamental da antropologia - que será do homem? que podemos esperar de seu futuro? - a Fé nos responde cheia de júbilo: vida eterna do homem-corpo-espírito em comunhão íntima com Deus, com os outros, e com todo o universo.
-"Passa certamente a figura deste mundo deformado pelo pecado", adverte-nos o Concílio Vaticano II", mas aprendemos que Deus prepara morada nova e nova Terra. Nela habitará a justiça, e sua felicidade irá satisfazer e superar todos os desejos da paz que sobem nos corações dos homens. Então vencida a morte, os Filhos de Deus ressuscitarão em Cristo... e toda aquela criação que Deus fez para o homem será libertada da servidão da vontade... O Reino já está presente em mistério aqui na Terra. Chegando o Senhor, o Reino se consumará."(Gaudium et Spes, 39).
São muito consoladoras as palavras da Missa dos Mortos, que resumem toda a teologia exposta nas linhas anteriores:
- "Em Cristo brilhou para nós a esperança da feliz ressurreição. E aos que a certeza da morte entristece, a promessa da imortalidade consola, porque, aos que creem em Deus a vida não é tirada, mas transformada; desfeito o corpo mortal, nos é dado, nos céus, um corpo imperecível", nas palavras felizes do apóstolo Paulo.
Hoje ainda choro a ausência física entre nós de minha filha Raquel. Mas, porque tenho a firme certeza de que ela ressuscitou na morte, esta convicção torna menos pesada para mim a tristeza da separação.
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