Se não me falha a memória, parece-me ter lido alhures que não há mais idéias novas neste nosso planeta das arábias. Todo o possível e imaginável no campo das idéias já foi dito pelos nossos antepassados, e nós somente o repetimos hoje sob novas roupagens.
Entretanto, por mais que escarafunche o bestunto, já passando dos setenta e seis malaventurados invernos da existência, não me lembra ter lido algo a respeito de sacristães. Ora bolas, resmungo eu, afinal de contas, a "irmandade" dos sacristães é uma classe profissional enorme, espalhada pelas igrejas católicas de todo o mundo, e não fica nada mal alinhavar algumas palavras sobre eles.
Sem nenhum desdouro para os nossos irmãos sacristães, mas não sei por que cargas d'água, geralmente, pelo que tenho observado, os sacristães apresentam uma característica toda especial, que merece algum estudo especializado, coisa que até agora não me consta ter sido feita: na maioria dos casos ou é gente já de certa idade, ou meio caolha, corcunda, manquitola, um tanto surda, e não raras vezes ocasião de chacota por parte de certos espíritos gozadores.
Dizem até alguns desses gozadores que, não tendo conseguido nada melhor na vida, uma classe de pessoas optou, sem outra alternativa, por essa profissão tão criticada e alvo de anedotas: a sacristãneidade.
É claro que a maior parte daquilo que se diz dos sacristães é fruto do espírito alegre e faceto do nosso povo, que não deixa, entretanto, de ter lá o seu tanto quanto de verdade.
Paradoxo ou não, apesar de viver o dia quase inteiro na igreja, vendo tantas cerimônias complicadas, convivendo com padres, cônegos e monsenhores, quase sempre é o sacristão o menos piedoso dos homens. Por isso se diz de Santa Teresa, que um dia estando ela em oração na igreja, viu passar um vulto apressadamente, diante do altar, fazer uma espécie de trejeito como se fosse uma genuflexão e desaparecer na sacristia, levando a santa a pensar que se tratava do "tinhoso", pelo ódio que tem a Cristo. Mas, notando melhor, viu que não era o tinhoso coisa nenhuma, e sim o piedoso e compenetrado sacristão da igreja.
Não sei se é verdade, mas passo para a frente pelo preço que me custou.
Certa vez o vigário foi obrigado a ficar de cama, dando um pouco mais de repouso ao seu já bem maltratado corpo. Vai daí, chamou o prestimoso sacristão e deu-lhe modesta série de avisos para o bom andamento da igreja durante sua ausência:
- Olegário, avise os fiéis que não posso celebrar hoje e amanhã a Santa Missa, porque me sinto adoentado. Que não se preocupem com isso, porque não é por culpa deles que ficarão sem cumprir o preceito dominical. Avise também que na próxima quinta-feira será a festa de São Pedro e São Paulo, e véspera da primeira sexta-feira do mês. Por isso haverá confissões e também haverá coleta especial em favor do Papa. Ainda mais: na quarta-feira abençoarei o casamento de Benedito Bueno com Pafúncia dos Prazeres, e que se alguém souber de algum impedimento para essa união, deve declarar sob pena de pecado grave. Foi também achado um embrulho na igreja, e quem o esqueceu poderá vir buscá-lo na sacristia.
No dia seguinte, às seis horas, como de costume, o sacristão abriu a igreja, acendeu as luzes, bateu os sinos, e quando os fiéis já estavam presentes, o nosso homem, muito compenetrado do seu ofício, transmitiu-lhes o aviso do vigário:
- O padre Aleixo manda avisar que está doente, mas que isso não é pecado mortal. Quinta-feira próxima é a primeira sexta-feira do mês, e o Papa virá fazer a coleta. Além disso, quinta-feira é também a festa de Benedito Bueno e Pafúncia dos Prazeres, e o vigário fará o casamento de São Pedro e São Paulo. Se alguém souber de algum impedimento, deverá colocá-lo no embrulho que se encontra na sacristia.
Devo dizer, entretanto, pela minha experiência adquirida ao longo do tempo, nas muitas igrejas por que passei, que entre os sacristães há honrosas exceções. Se não a bem da verdade, pelo menos em atenção ao nosso sacristão da paróquia, pessoa que muito me honra com sua preciosa amizade...
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