Ele a encontrou à sombra de florido flamboyant, no jardim da cidade. Não sei se esse encontro lhe trouxe alguma transformação para o futuro. O que posso afirmar, com certeza, é que, nos rápidos momentos passados juntos, ela lhe proporcionou instantes de indizível felicidade.
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Jovem camponês, filho de pequeno proprietário rural que teve suas terras leiloadas para cobrir dívidas de financiamento bancário, ao rapaz não sobrou outra alternativa a não ser deixar a enxada e o arado, e vir tentar a sorte na cidade grande. Chegou há muitas semanas, com algum dinheiro no bolso de brim barato e um incêndio de ambições na cabeça.
As avenidas rumorosas, a agitação poliforme, o trânsito desenfreado e perigoso, o imprevisto e o inesperado assaltando-o a cada esquina, os odores diferentes, a moda descontraída e insinuante das mulheres, o maravilhoso das coisas e dos aspectos urbanos, a cidade inteira alucina-o numa alegria deslumbrante.
Na sua ingenuidade de recém-chegado, julga fáceis todas as coisas; abertos à sua frente todos os caminhos. Nesta ilusão perigosa, procura emprego com as mais fagueiras esperanças.
Vê, porém, frustrados, todos os seus anseios. Ou porque sua aparência não fosse lá bastante convidativa, ou porque a vida está mesmo apertada, o certo é que não conseguiu nenhuma colocação.
Assim, correm os meses, as refeições vão-se encolhendo, até se transformarem em sanduíches de pão com mortadela; a cara da dona da pensão vai-se fechando a cada dia que passa sem pagamento. Coisa trágica!
O moço resolve dar o milésimo giro pela zona comercial, a ver se tem mais sorte desta vez. Aventura-se por um supermercado. Fala ao gerente. Oferece os seus serviços. O gerente não o conhece. O candidato não tem referências. Ademais, o salário mínimo subiu, os consumidores retraíram-se, a recessão bate às portas, a Assembléia Constituinte ameaça a estabilidade e a jornada de quarenta horas, e com isso vai para as ruas uma boa leva de trabalhadores. Voltasse outro dia. Talvez até lá surgisse alguma vaga.
Desengano maldito!
O pobre se atira a todas as casas comerciais. Todas elas têm gente de sobra. Todas dizem que o novo plano econômico do Governo fracassou, que estão operando no vermelho, por isso são obrigados a comprimir despesas, não podem contratar ninguém. Oficinas, bares, farmácias, lojas de confecções, postos de gasolina, tudo a mesma coisa.
E pelas calçadas rescaldantes, frustrado, arrependido de ter vindo para a cidade, caminha o infeliz na sua lentidão desiludida, coração opresso, até que cansado da busca infrutífera, se atira nos braços acolhedores de um banco de jardim.
E foi então que ela chegou.
E chegou faceira, cativante, ostentando suas graças e donaires na sedução irresistível das formas bem feitas. Como era linda! Encantadora mesmo! Se o rapaz estivesse a par da linguagem das novelas e dos romances, diria que ela estava tentadora. Não conhecia essa linguagem, por isso se limitou a contemplá-la, embevecido, em muda admiração, pois nunca na sua vida ele vira beleza igual.
E a borboleta (pois era uma linda borboleta, dessas grandes e douradas), atraída pelo perfume de rubicunda rosa, voava e tornava a voar, descomprometida, fazendo brilhar ao sol as asas de setim.
O divorciado da sorte deixou-se estar a contemplá-la, na plácida modorra de um faquir. E foi então, aos seus olhos incrédulos que, dentre as translúcidas asas da borboleta a volitar, pareceu-lhe surgir tênue fumaça, que pouco a pouco se foi adensando até formar um rosto... e esse rosto era o seu!
Nessa fantástica miragem, viu-se o rapaz transformado em rotundo ricaço, a exibir o fausto e a ostentação de uma situação privilegiada. A cada volteio da despreocupada borboleta, mais e mais o jovem se aprofundava em seu êxtase. É agora dono de rico e majestoso palacete, centro de reunião e de festas da fina flor da sociedade local.
Suas emoções crepitam. Passam-se minutos, que lhe parecem séculos, neste deslumbramento de riquezas nunca jamais possuídas. Diante dele espelham-se todos os seus mais ardentes desejos, agora realizados, e ele se vê em companhia de outros rapazes, de muitas e muitas moças maravilhosas, simpático, atraente, e com aquele ar desdenhoso e distante, da abastança regalada.
As translúcidas asas da borboleta dourada transformam-se, para o rapaz que sonha, num televisor gigantesco, onde as imagens alegres do mundo se sucedem sem parar. O mundo está delirante, as pessoas cada vez mais belas e encantadoras, a cidade sempre mais cheia de magia, e ele entre tudo isso. Que delícia! Como é bom viver!
O rapaz sonha. Está no auge de sua felicidade, com todos os seus desejos realizados, apaixonado de todas as mulheres, possuidor de todas as comodidades da vida, fruindo todos os prazeres e luxos que o dinheiro proporciona, quando um estudante, que "enforcara" as aulas, também avista as fulgurações da borboleta dourada!...
Na ânsia de colher novo espécime para sua coleção, corre para ela, persegue-a, alcança-a, dá-lhe com o livro, derruba-a na grama verde do jardim. E, com ela, as falazes quimeras do sonhador!
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Coisas da vida!
O pobre moço vê destruída, de um golpe, toda a sua felicidade.
Já agora o tortura o aguilhão da fome. Procura algum dinheiro nos bolsos. Nada. Vazios. E melancólico, frustrado mais uma vez, roendo dolorosamente as unhas maltratadas, ergue os olhos para o horizonte longínquo, procurando nele, quem sabe, uma nova borboleta dourada, que lhe venha trazer, por alguns instantes, mais alguns retalhos de mentira à sua vida inútil e miserável!...
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