quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O SONHO DE KARL BARTH

     


      Aproveitei os meus dias de reclusão forçada em casa, motivada por  uma violenta crise de bronquite crônica, para ler a biografia de Karl Barth (1886-1968), um dos mais destacados teólogos protestantes do século XX.
      Celebrizou-se como criador da "teologia dialética", na qual ressalta o sentido existencial do Cristianismo, e o reintegra em sua base bíblica, de doutrina da Revelação e da Fé.
      Lendo-lhe a biografia, descobri que certo dia Karl Barth teve um sonho. Sonhou com Mozart.
      A verdade é que Barth sempre se sentiu melindrado pelo catolicismo de Mozart e pelo fato de o grande compositor rejeitar o protestantismo. Foi Mozart que disse certa vez:  -"O protestantismo está todo na cabeça. Os protestantes não conhecem o sentido do  Agnus Dei qui tollis peccata mundi."
(= Cordeiro de Deus, que tiras os pecados do mundo).
      No sonho, Barth foi indicado para examinar os conhecimentos teológicos de Mozart. Desejava tornar o resultado do exame tão favorável quanto possível. Assim, em suas perguntas, sempre fazia referências às Missas do famoso compositor.
      Mozart, porém, não lhe deu nenhuma resposta.
      Confesso que fiquei profundamente comovido com a descrição deste sonho de Barth, pois me pareceu que o sonho  tem muito a ver com a sua salvação, e Barth estaria talvez se esforçando por admitir que ele, Barth, será salvo mais pelo Mozart que nele existe, do que por sua própria teologia.
      Cada dia, durante anos, Barth tocava Mozart todas as manhãs antes de iniciar seu trabalho sobre temas teológicos. Procurava, talvez inconscientemente, despertar o Mozart sapiencial nele oculto, a sabedoria interna que se harmonizava com a música divina, que é salva pelo amor, na sua categoria de eros, enquanto o outro ser, o teológico, aparentemente mais preocupado com outro amor, um ágape mais severo, mais cerebral. Um amor que, afinal, não está em nosso próprio coração, mas somente em Deus.
      Barth diz também, com muito sentido, que "é uma criança, mesmo uma criança divina, que nos fala na música de Mozart."
      Isto se explica porque, segundo Barth, muitos críticos sempre consideraram Mozart uma criança em relação às coisas práticas da vida. Ao mesmo tempo, ao menino-prodígio Mozart nunca lhe foi permitido ser criança no sentido literal da palavra. Tinha sete anos quando deu seu seu primeiro concerto. Contudo, na realidade, foi sempre uma criança no sentido mais elevado do termo.
      Agora, eu tomo a liberdade de dizer ao eminente teólogo Barth:
      - "Não temas, Karl Barth! Confia na misericórdia divina. Se bem que, adulto, te tornaste um grande e famoso teólogo, Cristo permanece em ti uma criança. Mesmo que tenhas pensado que teus livros valem menos do que desejavas que fossem, há em nós, em ti como também em mim, um Mozart que, espero, será a nossa salvação. Como o foi no teu sonho, que tanto me comoveu!"
       
     
     

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