sábado, 1 de agosto de 2015

VIVER É MUITO PERIGOSO!... POR CAUSA DA MESMICE...



            Faz já muito tempo que não releio o "Grande Sertão, Veredas", volumoso e belo romance regionalista de Guimarães Rosa. Mas me lembro sempre daquela frase misteriosa que ele punha nos lábios de Riobaldo, o herói da narrativa: - "Viver é muito perigoso!"
            De fato. Nestes meus sofridos setenta e nove anos de idade, há momentos em que tenho a impressão de que me cansei de viver, e assalta-me a vontade de partir para a morada do Pai de todos os pais... Mas é um pensamento passageiro, pois sei que tenho responsabilidades nesta vida, principalmente cuidar de minha esposa, quase sempre doente, e de minha neta adolescente e órfã de mãe, a Isabela, de quem procuro cuidar com o maior desvelo.
            Certo, contudo volta e meia, diante de tantos problemas  que surgem nas estradas da vida, lá me vem a frase do jagunço Riobaldo:  "Viver é muito perigoso!" E fico a matutar com os meus botões:
            
                                                        "Quem de nós
                                                          tem direito de estranhar
                                                          que o trem e os bondes
                                                          se irritem,
                                                          se rebelem,
                                                          se descarrilem?..."

            O problema é que o automóvel (já tive três), o ônibus, o caminhão, não se prendem a trilhos, nem a lanças, e a fios...
           Você, meu ilustre leitor, já pensou como deve ser monótono ir e vir sempre pelo mesmo caminho, sempre pelos mesmos trilhos, sem poder afastar um palmo, nem para lá, nem para cá?...
            O cansaço dos bondes e dos trens é o cansaço dos que devem enfrentar todos os dias, os mesmos ambientes, as mesmas caras, as mesmas vozes.
            O cansaço dos bondes e dos trens é o cansaço dos que têm o trabalho monótono, sempre igual, sempre o mesmo, o mesmíssimo...
            Lembra-se de Charles Chaplin, o querido Carlitos do cinema, que imortalizou a crítica à sociedade que obriga, muitas vezes, o homem a um só gesto, como apertar um parafuso de uma peça em construção?
            Pois é, a parte dele na fábrica é só aquele parafuso, na qual ele deve dar aquele aperto oito horas por dia. Acaba ficando com o trejeito de apertar o parafuso, mesmo quando já saiu da fábrica, e caminha pelas ruas, para casa... sempre no gesto de apertar parafusos!
            Como deve ser monótono o dia todo mergulhar as xícaras de café em água quente, escaldá-las, pô-las no balcão para que outro colega nelas derrame o café para os fregueses... No meu tempo de faculdade de Teologia, meu professor de Ética, o saudoso padre Araújo queixava-se sempre, nas aulas que nos ministrava, como é grande a monotonia do sacerdote confessor, ao ficar horas e horas no confessionário, ouvindo sempre os mesmos pecados, dias, semanas, meses, anos!...
            Voltando ao bar, em geral os fregueses nem pensam no cansaço de quem os serve, nem pensam na monotonia de quem o dia todo escalda xícaras ou enche as xícaras de café...
            Graça maravilhosa, e que só Deus nos pode dar, é a de vencer a rotina e fazer tudo como se fosse a primeira vez.
            Ver todos os dias o mesmo rosto, ouvir as mesmas vozes, circular nas mesmas salas, contemplar as mesmas paisagens, é correr o risco de adoecer de "mesmice" -  o mesmo, sempre o mesmo: a mesma, sempre a mesma.  -  Se Deus não ajudar  -  acabamos caindo na "mesmice..."
            Peçamos a Deus olhos de crianças! Procuremos ver todos e ver tudo pela primeira vez. Pensando bem, tudo é novo cada manhã. Eu próprio sou o que era ontem mais a experiência que ontem adquiri, e pronto para as surpresas que o dia de hoje vai me apresentar...
            Creio que o mesmo acontece com todos e com tudo em volta de mim... A luz que desce do alto, hoje, não é a que ontem me banhou com seus raios. O vento frio curitibano que passa assoviando, pelos meus ouvidos, assanhando-me os ralos cabelos de minha cabeça,  é o irmão do vento de ontem, mas não é o mesmo de ontem.
            Meu benévolo leitor, que me dá a subida honra de ler as minhas "mesmices", divirta-se em descobrir os aspectos novos de tudo o que parece sem mudança...
            Faça como os santos, como Francisco de Assis, alegrando-se ao descobrir como a Criação de Deus, com a colaboração de Você, de mim, e de todos os homens e mulheres, recomeça cada dia, é nova Criação cada manhã, e renasce cada madrugada de nossa vida!


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Aroldo Teixeira de Almeida é bacharel em Teologia Sistemática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, de São Paulo, e professor aposentado de Português e Francês do Quadro Próprio do Magistério Paranaense.
Tem dois livros publicados: "Páginas Esparsas" (ensaios) e "Capitu", (relendo Machado de Assis).

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Neste mês, em 21 de agosto, faz 5 anos que minha filha Raquel partiu para a Casa do Pai de todos os pais. Que ela descanse na paz do Senhor.
Saudades de sua filha Isabela e de seus pais, Cida e Aroldo.

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