Pois é: 1963 foi o ano de minha, por assim dizer, crise. Fazia Teologia em São Paulo, na Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, com a veleidade de que desejava ser padre. Entretanto, essa minha veleidade foi pelos ares, quando meu bispo recebeu uma denúncia de que eu era comunista... Bruta mentira!
Creio que a suspeita nasceu por eu frequentar a "Frente Nacional do Trabalho", do advogado trabalhista Mário Carvalho de Jesus, e de estar metido numas tais "Semanas Nacionais do Trabalho", que um grupo de estudantes de Filosofia e de Teologia, da referida faculdade, realizávamos nos períodos de férias em diversas paróquias da Diocese de Ribeirão Preto, a convite dos respectivos párocos.
Terminava eu o curso de Teologia na Faculdade e estava pronto para receber a ordenação sacerdotal, pela Diocese de São João da Boa Vista, Estado de São Paulo.
Meu bispo, Dom Tomás Vaquero, recebeu a denúncia de que eu era comunista, convocou-me para uma conversa em sua residência e disse-me que, em atenção à denúncia recebida, ele me colocaria num período de observação por seis meses e, findo esse prazo, se nada aparecesse que me desabonasse, ele concordaria com a minha ordenação.
Não concordei, e disse ao Bispo que eu estava espiritual e emocionalmente pronto para ser ordenado; ele se manteve firme na sua posição dos seis meses de observação, e eu lhe disse que, sendo assim, eu desistiria de tudo. E foi o que aconteceu.
Voltei para minha cidade e para a minha família, continuei católico praticante como sempre fui, conheci uma moça com quem me simpatizei, começamos um namoro e pouco tempo depois estávamos casados... Minha veleidade de ser padre evaporou-se no ar...
Um tanto quanto ainda desorientado, fiquei então convencido de que meu mundo estivera torto, intencionalmente torto por malícia humana, o que havia não era uma tragédia, mas uma trapaça a mim feita por aquilo que costumamos chamar de destino...
Nessa nova vida, encontrei amigos velhos e conheci muitos outros. Estávamos em 1963, ano de profunda crise na política brasileira e que culminou na tal revolução militar que tão tristes consequências trouxe para o Brasil, na minha contestação diante dela.
Encontrei no ambiente escolar, onde passei a trabalhar como professor de Português e Francês em escola pública, amigos que bem ou mal concordavam com meus pontos de vista. Vinham eles frequentemente e minha casa, à noite, depois dos trabalhos do dia-a-dia. Discutíamos política, que atitude tomar diante da tal "redentora", como a chamavam os que defendiam o golpe de 1964.
Nessas noites não havia beijo em filho, e quando minha mulher se retirava para seu quarto, levava como despedida um aceno de camaradagem política. Lá pelas tantas, depois que minha mulher ia para o quarto, então sim, nós nos encontrávamos e, como desforra, entrávamos noite a dentro entre muitos cigarros, fazendo a vigília tumultuada do novo mundo que pensávamos ajudar a construir.
Um dia, enfastiada já por essas conversas noturnas com meus amigos, minha mulher declarou-me que eu e meus amigos não passávamos de ridículos.
No momento, esse julgamento dela não me agradava, mas na noite seguinte recomeçava a história. Voltávamos a vociferar contra o golpe militar e discutir com manifestos contra ele à mão.
Poucos dias mais, e eu deixaria meu catolicismo, me alistaria no materialismo histórico e, pela força do grupo, me integraria numa célula comunista...
Dou muitas graças a Deus por esse tempo sombrio ter passado bem depressa, e não ter deixado sequelas graves; tinha sido apenas uma gafe de um sujeito inexperiente mas de boa vontade.
De uma coisa ficou-me a certeza: o comunismo nunca seria a salvação do mundo, e muito menos para mim, que me considerava muito feliz dentro do catolicismo em que meus pais me criaram e que eu, livre dos pruridos políticos deixados à parte, pedi a todos os santos que clareassem minha mente e me conduzissem, seguro, pelos caminhos a mim indicados pelos meus falecidos pais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário