Os leitores me escrevem mensagens tão delicadas e, quando me encontram pessoalmente, são tão gentis, que vou me permitir uma confidência. Às vezes quem me lê faz pedidos fortes, que chegam a ser perturbadores. O que me perturba nem sempre é assim. Posso ficar perturbada de tanta felicidade ou de empolgação. Mas algumas mensagens de leitores me desconcertam por trazerem uma carga de expectativa ou uma profundidade que mostram que estou diante de um momento importante na vida de alguém.
Jornais trazem notícias importantes que, com o passar do tempo, se tornarão nada. Esquecemos tudo ou quase tudo que faz parte da pauta de hoje. Esquecemos Lula, esquecemos o Complexo do Alemão, esquecemos a Copa do Mundo da África do Sul, esquecemos o pré-sal. E assim tem que ser. Mas alguns momentos da vida das pessoas são relevantes de verdade e não serão esquecidos.
Me escreve um leitor que perdeu a filha, sua amada e única filha mulher. Em meio à dor, que imagino gigantesca, o pai está se ocupando de cuidar da neta, que ainda é criança. Cuida com desvelo, tentando ajudá-la a ser feliz - na verdade, ele assumiu a responsabilidade por fazê-la feliz. Tentando curar as feridas. Ele crê que uma ferida é a ausência do pai na vida da menina. Por isso quer que os dois se aproximem, que ela deixe mágoas e desconfianças de lado para aceitar esse homem como parte importante de sua vida.
O pai já é parte importante da vida da menina, queira ela ou não. Queira ele ou não. Presente ou ausente, o pai é importante. Importante no nível mais profundo, naquele que determina o que pensamos ou sentimos.
Mas alguns pais aceitam ou até buscam a distância entre eles e os filhos. Demoram a entender as responsabilidades que têm com a vida desses herdeiros biológicos. Às vezes, quando entendem e tentam a aproximação, é tarde demais.
Estou falando de uma situação relativamente comum. Por alguma razão que nem deve ser tão difícil de explicar, muitos homens são capazes de ignorar um filho. Os filhos é que não são capazes de ignorar o pai, por mais que tentem e que se convençam de que aquele homem merece ser ignorado. Estranha correlação, em que de um lado se sente violentamente conectado, e o outro pode até ignorá-lo.
O que vou dizer a essa menina, que está diante de situação tão forte, que certamente marcará sua vida? O que vou dizer a ela sobre esse que talvez seja um bom homem, mas relapso com sua prole como tantos outros mundo afora?
O que posso dizer a essa menina é que ela está cercada por algo maravilhosamente bom e protetor, que é o amor de um homem. Que ela já desfruta desse amor masculino e imprescindível que marcará para sempre sua vida. Que ela tem o avô, um homem que amou a mãe dela e que a ama de tal forma que se animou a pedir a mim, alguém que ele não conhece, que escreva algo para a menina que ele adora, protege e mima.
Talvez eu possa dizer à menina que a história dela e do pai da mãe dela é das poucas coisas que recomendo aos leitores que não esqueçam. Porque se trata de uma história de amor.
Marleth Silva (Gazeta do Povo)
*********************
PS:- A menina da crônica acima é minha neta, Isabela. Aos doze anos de idade, afastada do pai e perdendo a mãe, minha filha Raquel, vitimada pelo câncer, a Isabela ficou terrivelmente deprimida e sofrendo muito. Como assumi com sua mãe o compromisso de fazer a menina feliz, escrevi à Marleth, cronista da Gazeta do Povo, que tem o carisma incrível de penetrar no mais íntimo das pessoas, para que ela dissesse algumas palavras de conforto para a menina. E ela, mais que algumas palavras de conforto, mandou-lhe esta crônica maravilhosa.
Tomei a liberdade de transcrevê-la nesta página como singela homenagem à Isabela, que nesta semana faz quatorze anos de idade.
Que sua mãe Raquel descanse na paz do Senhor, e que ela, minha neta, consiga realizar todos os seus sonhos de adolescente, que eram também os sonhos de sua falecida e inesquecível mãe.
O coração apertado as mãos trêmulas, além das lágrimas nos olhos, me impedem de escrever o que desejaria transmitir neste momento. Agradeço a Deus pela Raquel e pela familia da qual fazemos parte, agradeço a meu pai e minha mãe por serem o que são para mim, meus filhos e para Isabela, agradeço a Marleth pelas palavras. Peço ao Roberto (pai da Isabela) que insista e peço finalmente à Isabela que o perdoe e o aceite.
ResponderExcluirCarlos Teixeira de Almeida