sábado, 20 de fevereiro de 2016

PENUMBRA DA SAGRADA ESCRITURA E PENUMBRA DA CRUZ



            Ementa:

            "Deus suficientemente revelado nas Escrituras, para que O encontrem aqueles que verdadeiramente O procuram. Mas Deus suficientemente oculto nas Escrituras, para que não O encontrem aqueles que de todo o coração não O procuram".

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            Esta profunda intuição de Pascal, que leio e medito frequentemente nos seus "Pensamentos", constitui por assim dizer o centro do seu livro, porque esse centro é Cristo, e Cristo é precisamente o "Deus ao mesmo tempo revelado e oculto".
            Lendo Pascal à luz desta sua afirmação, compreendi claramente que a "penumbra das Escrituras é a mesma que vela a divindade de Cristo na encarnação e na paixão do Verbo encarnado: Jesus Cristo é a "ponte suspensa entre a dor e a questão bíblica". Neste aspecto, a penumbra da Fé torna-se portanto "inevitável".
            As causas segundas, mediante as quais Deus concordou em ser crucificado, "corporalmente na Cruz, espiritualmente nos Evangelhos", são portanto "uma penumbra que vela e revela"  conjuntamente a presença do Deus de amor. É a "nuvem luminosa" do Antigo Testamento;  "Deus plantou a Sua tenda" entre nós, "revestindo a nossa carne" e "aparecendo entre os homens". Esta penumbra é Jesus Cristo.
            Se Deus se encarnou, é porque não podia ser de outro modo. Se resolveu um dia, por "amor", fazer-Se pobre para que nós sejamos ricos, fazer-se homem para que nós nos tornemos como Deus, é porque não podia manifestar-Se de outro modo senão nessa "coluna de nuvem", escura durante o dia e luminosa de noite, guiando Israel em sua viagem através do deserto para a terra do Reino. A penumbra da Fé é justamente o que nos dá o Deus da Fé.
            Penumbra quer dizer misto de claridade e escuridão, claro-escuro; ela deve conter Deus : há escuridão, visto que Deus Se oculta, revestindo as causas segundas; e há também claridades, porque através desse determinismo aparente, Deus Se nos manifesta.
            Longe da penumbra da Fé ser um a objeção primordial à Fé, ela é pelo contrário o indício mesmo de que Deus pode estar nela e que é "racional" procurá-Lo nela.
            O âmago do Cristianismo é o mistério desta "humildade de Deus". Em vez de manifestar-Se em todo o poder de Sua glória, Deus Se oferece humildemente à terra. Apresenta-Se sob as roupagens de um "homem" a quem se pode ferir, escarnecer, matar; oferece-Se sob o véu de "textos" que podem ser contestados, mal interpretados, negados, destruídos; chama-nos pela voz de uma Igreja que é, por sua vez, indefesa, humilde e doce de coração, à imagem de Jesus, vestida como Jesus com a simples pele de pastor, armada de uma modesta funda e de pedras da torrente...
            O Senhor da glória não quis o poder nem o nada, o trovão ou o silêncio do abismo, porque o poder tirânico ou o triste nada "são o contrário do amor". O amor quer a doçura humilde e gratuita, não se ofende; oferece a cabeça, de antemão, aos matadores; contudo, é mais poderoso que a morte, e torrentes de água não poderiam extinguir o fogo da Sua caridade. O amor quer também a vida, a doce vida: e é o que Ele dá, e não o nada.
            O amor de Deus, certamente, é loucura aos olhos de determinada sabedoria humana. Mas ele é "racional", de uma sabedoria superior, a de Deus, que é Amor.
            Porventura a  vida "mais verdadeira" não consiste em amar?

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Aroldo Teixeira de Almeida é bacharel em Teologia Dogmática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Capital paulista.
            
             

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