Gandhi, o indiano de fama internacional, certa vez nos deixou a seguinte pergunta, como acabo de ler na sua biografia:
- "Como pode aquele que pensa possuir a verdade absoluta ser uma pessoa fraternal?"
É preciso que sejamos francos sobre este questionamento, porque na história do Cristianismo tal pergunta é repetida inúmeras vezes.
Daí, o problema: Deus revelou-Se a nós, humanos, na Pessoa de Jesus, o Messias, mas revelou-Se primeiramente como Amor. A verdade absoluta, portanto, só pode ser abraçada como Amor. Logo, abraçada não de maneira a excluir o Amor em certas circunstâncias limitadas pela nossa contingência de seres finitos e pecadores.
Só quem ama verdadeiramente pode estar seguro de se manter em contato com a verdade que é, de fato, demasiadamente absoluta para ser abraçada por nossa mente. Em consequência, parece-me que aquela pessoa que se apega à verdade do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo teme perder a verdade por falta de Amor, não por falta de conhecimento. Nesse caso, é uma pessoa humilde e, portanto, sábia.
Mas, muito cuidado: diz-me a experiência de meus setenta e nove anos de vida, e das aulas de meu professor de Ética nos tempos de Faculdade de Teologia, que "scientia inflat". (Que saudade do Professor Araújo, nordestino de boa cepa importado de Alagoas pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, de São Paulo, para a cátedra de Introdução à Teologia, na longínqua década de 1960...).
A ciência incha homem e mulher como um balão, e lhes dá uma plenitude precária, fazendo-os pensar ter em si próprios todas as dimensões de uma verdade cuja totalidade é negada a outros.
Creem, então, que é seu dever, em virtude do presumido conhecimento superior que possui, punir os que não participam da verdade que é a sua.
E eu pergunto: como pode "amar" os outros, pensam eles, senão impondo-lhes a verdade que, sem ela, haveriam de insultar ou negligenciar? Essa é a perigosa tentação...
Estou lendo um livro tendencioso sobre o comunismo da União Soviética dos anos sessenta. Na verdade, o comunismo também foi insidioso. Se realmente devêssemos, à época, odiar tudo que é insidioso, como foi o comunismo, poderíamos estar seguros de que nós próprios, ocidentais, seríamos e permaneceríamos pessoas corretas, livres, sinceras, honestas, abertas, como queria a doutrina do presidente Kennedy...
Hoje em dia ainda se diz em certos círculos ultramontanos e saudosistas que o ódio ao comunismo é o teste do bom cristão. A garantia de toda a verdade seria odiar Fidel Castro, odiar Kruschew, odiar o soviético Putin, no mesmo fôlego que entrevemos no "amor misericordioso de Deus" e nas "pulsações do Sagrado Coração de Jesus". Tudo isso ainda presente em certa literatura rançosa distribuída em várias igrejas tradicionalistas do Brasil...
Lendo outro dia a homilia de São João Crisóstomo sobre o evangelista Mateus, encontrei ali belas coisas a dizer sobre cordeiros e lobos:
- "Enquanto permanecermos cordeiros, dominaremos. Ainda que possamos estar rodeados por uma alcateia de mil lobos, dominaremos e seremos vitoriosos. Logo, porém, que nos tornarmos lobos, seremos derrotados, pois então perderemos o apoio do Pastor que alimenta não lobos, mas somente a nós que somos cordeiros..."
"...et sic transit gloria mundi").
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Aroldo Teixeira de Almeida é bacharel em Teologia Sistemática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Capital paulista.
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