quinta-feira, 23 de julho de 2015

"...e por falar em protestantes..."


            Posso estar enganado em minhas conclusões, mas o gênio religioso da Reforma Protestante, levada a cabo por Martinho Lutero e outros, está em sua luta com o problema da justificação, em toda a sua profundidade teológica. O grande problema cristão é a conversão de homem e mulher e sua restauração à Graça de Deus mediante o Senhor Jesus.
             E essa questão, em sua forma mais simples, no meu entender, é a conversão dos maus e dos pecadores a Cristo. Mas o protestantismo levantou essa mesma pergunta novamente, em sua forma mais radical   -   e quanto à conversão muito mais difícil e problemática dos piedosos e dos bons.
             É evidentemente fácil converter o pecador, mas os bons frequentemente são de todo inconvertíveis, simplesmente por que não veem nenhuma necessidade de conversão.
             Assim,  o gênio do protestantismo focalizou, desde o início, as ambiguidades contidas no "ser bom" e "ser salvo" ou "pertencer a Cristo". Pois converter-se a Cristo não é apenas converter-se de hábitos maus a hábitos bons. É ser "nova criatura", tornando-se um homem inteiramente novo em Cristo e em Seu Espírito.
             Evidentemente, as obras e os hábitos do homem novo hão de corresponder à sua maneira de ser. Como católico, eu não acho nada de não-católico nisso, pelo contrário. Contudo, as perspectivas católicas, ao enfatizar boas obras, levam, por vezes, a negligenciar o novo ser, isto é, a vida nova em Cristo, vida no Espírito.
             E quando o protestantismo é infiel a seu dom, começa por diminuir mesmo o "novo ser"  e a profundeza radical da conversão, para dar ênfase à pura Graça e ao dom do perdão de Cristo. (Por isso, no meu julgamento, permanecemos essencialmente maus.) Ou então, mais tarde, esquecendo a seriedade da necessidade de converter os bons, cai na autocomplacência satisfeita de uma bondade um tanto superficial e suburbana  - jovialidade "social", companheirismo do aperto de mão, testemunho tagarela de banalidades morais. (Nisso, tenho necessidade de dizer, os protestantes muitas vezes são ultrapassados pelas inanidades mais complexas e, por vezes, mais vulgares dos assim ditos "bons católicos").
              É aqui que a doutrina da "fides sola" (somente a Fé) pode ter dado provas de ser perigosa, pois a Fé que justifica não é uma Fé qualquer ou mesmo uma Fé que, em tempo de revivificação, se "sente" justificada. Por fim, uma Fé insuficiente não é Fé em Cristo e obediência à Sua palavras, mas apenas questão de crer que cremos porque somos aceitos aos olhos de outros crentes.
               Em consequência, o que importa, então, é cultivar essa qualidade de aceitação no seu meio sociológico e, então mesmo obras objetivamente injustas podem ser tomadas por virtuosas e cristãs, uma vez que são aprovadas  pelos que, no lugar, são atestados como "bons"
             Em verdade, o grande problema é a salvação dos que, sendo bons, pensam não ter mais necessidade de salvação, e imaginam que sua tarefa é tornar os outros "bons" como eles!!
             Os que são fiéis à Graça originária (não direi ao gênio) do protestantismo são precisamente os que veem em toda profundeza, como Lutero viu, que a "bondade" dos bons pode, em realidade, ser o maior desastre religioso para uma sociedade, e que o problema crucial é a conversão dos bons a Cristo.
             Como católico que sou, pela Graça de Deus, dou minha firme adesão, é claro, ao que a Igreja ensina sobre a Justificação e a Graça. Ninguém pode ser justificado por uma Fé que não realiza as obras do Amor, pois o Amor é o testemunho e a evidência do "novo ser" em Cristo.
             Mas precisamente esse Amor é, em primeiro lugar, obra de Cristo em mim, não simplesmente algo que tem origem em minha vontade e é em seguida aprovado e recompensado por Deus. É a Fé que abre meu coração a Cristo e a Seu Espírito, para Ele possa trabalhar em mim. Nenhuma obra minha pode receber o nome de "Amor", no sentido cristão, se não vem de Cristo.
            Ora, os assim ditos "bons"  são tentados a crer na sua própria bondade e capacidade de  amar.
Enquanto isso, aquele ou aquela, que compreende a sua própria pobreza e seu nada, está muito mais apto ou apta a se entregar inteiramente ao dom do Amor,   que ele ou ela sabe, não pode vir de algo dentro dele ou dela.
             É com isso na mente que  considero as ambiguidades que há em "fazer o bem", sabendo que, quando alguém está firmemente convencido da sua própria bondade e correção pode, sem pestanejar, perpetrar o mais espantoso mal. Afinal, foram os corretos, os santos, os "crentes em Deus", que crucificaram Cristo. E eles o fizeram em nome do direito, da santidade e, mesmo, de Deus.
             Por isso, tenho muito medo de que, dentro dessa mentalidade, "ser bom" pode facilmente significar ter a mentalidade de um "assassino de Cristo"!

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Aroldo Teixeira de Almeida é bacharel em Teologia Sistemática pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, da Capital paulista.


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