quinta-feira, 3 de julho de 2014

LAVADEIRA, TU LAVAS O REINO DE DEUS



          Durante trinta anos residi em Barbosa Ferraz, pequena cidade do interior paranaense, nas proximidades de Campo Mourão. Dois rios banhavam o Município, e um deles, o menor, o rio Corumbataí, era raso e corria sobre um largo solo de pedra, e às suas margens vinham as lavadeiras das redondezas lavar suas trouxas de roupas.
         Eu passava sempre por ali, e todas as vezes em que passava, lá estavam elas, ajoelhadas, esfregando peças e mais peças de roupas, que estendiam sobre as pedras, esperando que enxugassem sob o calor do sol e do solo pedregoso, quase que numa só laje, a perder de vista.
          E eu me perguntava: será que nas cidades maiores as lavadeiras irão desaparecer? As lavanderias e as máquinas de lavar acabarão por superar a figura profundamente humana e sofredora das lavadeiras?
          A lavadeira vive entregando a roupa lavada e passada a ferro em brasa, e trazendo nova leva de roupa a ser lavada, dia após dia, exceto nos dias de chuva.
          Roupa lavada, Deus sabe à custa de quanto sacrifício. A lei da lavadeira é esta:  tudo e todos podem se molhar até os ossos, mas a roupa da freguesia tem que ser entregue sequinha e sem manchas. Que trabalho, descobrir no leito pedregoso do rio um lugar suficientemente espaçoso, raso, limpo, com uma boa grama por perto, onde a roupa devia ser estendida para "quarar", para secar...
           Pode não ser muito higiênico, mas dá saudade encontrar, hoje em dia, roupa estendida no chão por onde, não raro, galinhas, quando não cachorros ou porcos, aparecem de vez em quando, pondo em risco a roupa já lavada.
           Usa-se também estender a roupa lavada em cercas, se houver, muitas vezes de arame farpado, que costuma deixar pequenos furos nos tecidos, quando não nas mãos e dedos da lavadeira distraída...
            Quando faltam o "quarador" e a cerca, o jeito é pendurar como puder, o que me lembra uma passagem do inesquecível "Chão de Estrelas":

                                       "...nossas roupas comuns dependuradas
                                       na corda, qual bandeiras agitadas
                                       pareciam um estranho festival..."

           É incrível o que, ainda hoje, ganha uma lavadeira de beira de rio!... E qual será maior: a trabalheira para lavar? ou a luta dentro do pequeno barraco para passar o ferro cheio de carvão aceso, ou o esforço para apanhar e entregar a enorme trouxa, vergando o corpo de quem a carrega?
           Heroína sem nome nos jornais, no rádio ou na TV, tu tens um trabalho cuja dignidade e cuja remuneração adequada precisamos ajudar a defender... Hoje, na cidade grande onde estou, e onde não existem mais lavadeiras de beira de rio, eu me contento em lembrar a beleza de tua missão: lavar, passar, dobrar, entregar!
           No meio das tuas canseiras, lembra-te de que a Mãe de Jesus e nossa Mãe, Maria, Nossa Senhora, também foi lavadeira em casa de sua prima Isabel e na Casa humilde e abençoada de Nazaré, na companhia de José e de Jesus Menino...
           Quem me dera que todos tivessem roupa a ser lavada!... Há um dito popular que é um anseio compreensível, mas injusto: "pobre, mas limpo!..."
            E eu completo o dito com o preconceito íntimo de achar respeitável e digno quem chega bem vestido, e considerar maloqueiro, maconheiro e ladrão de galinhas quem anda sujo e descalço, porque é pobre...
            Para andar limpo é preciso ter água e roupa limpa para se vestir; lembrando que mais de dois terços do Mundo vivem na miséria e na impossibilidade física de limpeza.
            Daí, nós, os limpos de cidade grande, precisamos lavar injustiças, limpar egoísmos, como o melhor dos caminhos para que cada um e cada uma de nós tenha o gosto de andar limpo de roupa, de corpo, e principalmente de alma limpa!
         
 
   

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