Graças a Deus, nasci numa cidadezinha capenga, numa família ainda mais capenga, por ser uma família muito pobre, que vivia com os "trocados" recebidos por meu pai no seu acanhado salão de barbeiro em Caldas, sul de Minas Gerais. Disse "graças a Deus" porque, apesar de nossa pobreza, éramos uma família feliz, bem constituída e muito apegada a Deus.
Hoje, setenta e nove anos de idade, professor aposentado após trinta anos de magistério também numa cidadezinha capenga mas acolhedora, com minha esposa e a neta órfã que vive conosco, seria uma pessoa feliz se não tivesse que chorar pela morte da filha querida, vitimada por insidioso câncer, e pelo filho que, num momento de depressão, deu cabo da própria vida, por motivo nunca bem explicado.
Pessoas amigas e religiosas dizem-me que preciso conformar-me, porque o que me aconteceu foi vontade de Deus. Eu contesto, pois creio sinceramente que Deus é pai, e nenhum pai desejaria o sofrimento e a morte para seus filhos. É a nossa finitude, a nossa contingência, o nosso pecado - aliados a muita deficiência na esfera social - que não nos permitem ser, modesta e tranquilamente, felizes.
No entanto, somos filhos de Deus e candidatos à bem-aventurança na Casa do Pai de todos os pais, se formos fiéis àquilo que Ele espera de nós. É neste sentido que entrego à benevolência de meus eventuais leitores este poema-oração, que é um ligeiro aceno ao "Pai Nosso" que rezo em todas as manhãs de minha vida:
"Pai, eu Te suplico,
desce do Céu,
apesar de eu ter-me esquecido
das orações que minha saudosa mãe me ensinou.
Pobrezinha!
Ela agora repousa em paz
no Teu Reino...
Não tem mais que lavar, passar, não tem mais
que preocupar-se, andando o dia todo,
atrás das roupas dos vizinhos
que lavava e passava para sustentar quatro filhos
Desce do Céu, desce logo de onde estás, Pai,,
pois não vês que morro de fome e frio
neste canto de rua
sem saber para que serve haver nascido?
Olha minhas mãos vazias, inchadas,
não têm trabalho, não têm perspectivas,
não têm...
Desce um pouco, Senhor,
contempla
este verme que sou, estes pés descalços,
esta angústia sem sentido, este estômago vazio,
esta cidade sem pão para meus dentes cariados,
esta pobreza torturando minha carne
este dormir
quase sempre debaixo das marquises
castigado pelo frio das madrugadas curitibanas
Te digo, Senhor, que não entendo
que isso seja por Tua vontade
então eu grito
para que Tu desças
toques minha alma, alivies meu coração
eu nunca roubei, nem assassinei
fui sempre uma criança
e em troca me golpeiam e golpeiam!...
Te digo que não entendo, Pai,
desce de onde estás
pois sabes que eu Te busco
sem ter resignação em mim
e tenho medo de encher-me de raiva
de blasfemar
de gritar até estourar o pescoço de sangue
porque não aguento mais
tenho rins e coração que sofrem
sou um homem
desce, meu Senhor!
Desce, e vê
o que fizeram de Tua criatura, Pai...
Um animal furioso
que mastiga as pedras da rua!
*******************************************************
Nenhum comentário:
Postar um comentário