segunda-feira, 5 de março de 2012

A TERRA PROMETIDA

      Nas minhas longas horas de aposentado, levei pouco mais de dois meses e meio, mas ontem, ali pelas dezesseis horas, terminei a leitura dos quatro volumes do belíssimo romance do polonês Ladislau Reymont, Prêmio Nobel de Literatura de 1924,  "Os Camponeses", a obra-prima da novela campestre. Dividida em quatro volumes, um para cada estação do ano, o autor coloca em relevo a perpétua renovação  da vida:  depois do inverno vem a primavera, em seguida o verão, e por último o mês das colheitas e das vindimas, que novamente trazem consigo o inverno; porém, no ciclo do eterno retorno, renasce outra vez a chama da esperança e do amor.
      À poética descrição da terra e das estações do ano, que dão nome aos quatro volumes, junta-se um drama profundamente humano, um fervoroso amor pelos trabalhadores humildes, por suas vidas melancólicas, suas paixões violentas, seus amores primitivos. A pequena aldeia polonesa encerra em si todo um mundo, com suas tristezas e alegrias. O interesse pela leitura nunca diminui, e o estilo de Reymont possui uma forte e inesquecível sedução.
      É uma aldeia profundamente cristã, como são ou foram todas as aldeias tradicionais da Polônia. Ao longo de todo o livro, as festas cristãs marcam o suceder das estações: há o Dia de Todos os Santo e o Dia dos Defuntos; vestes brancas para a festa dos "santos" no "céu", e negras para a visita aos túmulos, no cemitério que domina um pouco a aldeia e cerca a pequena igreja ornada de imagens inumeráveis. Há as lágrimas sobre os túmulos, dos que continuam vivendo; mas há também, junto aos mesmos túmulos, à noite, o encontro furtivo dos namorados. Há a Quaresma, que parece interminável, porque impõe o jejum rigoroso àqueles camponeses robustos. Há a noite de Páscoa, durante a qual brilham luzes em todas as moradias, porque se prepara a festiva ceia que vai seguir-se, e que comemora a ressurreição do Senhor Jesus. Há também o Pentecostes e a procissão do "Corpo de Cristo" nos campos já crepitantes de seca e de sol.
      Nada consegue exprimir a intensa poesia dessas festividades, que são como que pequenas pausas da vida que envolvem as pessoas, mesmo nos momentos em que eles parecem desanimar, mas empurram as suas esperanças para a frente, até a próxima Páscoa, até ao próximo casamento, até à próxima peregrinação ao cruzeiro no alto do monte, da qual todos participam ao romper da mamhã, a pé, cantando e orando. É necessário mergulhar nestas estrofes líricas, que cantam em palavras sempre as mesmas - como são sempre os mesmos gestos e as palavras do amor - a esperança e a expectativa deste pequeno povo da aldeia de Liepce, que se arruma toda para receber "a sua bendita esperança, a chegada em glória do grande Deus e Salvador, Jesus Cristo."
      Ele já chegou, todos sabem com certeza. Ele veio para ressuscitar a esperança destes pobres camponeses cujas paixões rudes são mais queridas a Jesus do que os seus nem sempre sinceros arrependimentos. Ele veio obscuramente, na Santa Noite do Natal.
      "Nessa noite não há nem vaca nem bezerro que não compreenda a linguagem dos humanos e não possa contar como o Senhor nasceu no meio deles; ainda que quem lhes fala não tivesse pecado, eles, a vaca e o bezerro, lhe responderiam em palavras articuladas como criaturas humanas, isto porque hoje são semelhantes aos homens, e tudo sentem como eles; devem, pois, partilhar com eles o esquecimento de suas faltas e de seus rudes mas ingênuos pecados."
      As palavras certamente são vagas, querendo balbuciar uma verdade misteriosa: a criação inteira está cheia do Verbo, porque ela é a Palavra de Deus; mas a intuição destes homens e mulheres a quem o mundo animal "fala"é profundamente crística. Quando homem e mulher nesta noite santa se acusam a si mesmos, e reconhecem a escravidão que o seu pecado impõe ao mundo, recuperam a sua pureza batismal e a transparência de suas almas.
      "Cada criatura, cada homem e mulher, cada animal no campo, cada fio de erva, seja ele o mais ínfimo, o pedregulho mais humilde, a estrela quase imperceptível, tudo sente hoje, tudo sabe hoje que o Senhor nasceu."
      E eu, encerrando a leitura, me dou conta de que a pobreza e a simplicidade de Francisco de Assis não era uma fuga, mas um verdadeiro mergulho no seio deste mundo, para nele encontrar a riqueza oculta, a transparência que liga homem e mulher à criação inteira, porque a criação é santa, num diálogo e numa viva exclamação orante:
      - "Glória a Deus no alto dos céus e paz na terra aos homens e mulheres amados por Deus."
  

3 comentários:

  1. Shalom Prof. Aroldo,
    Blog interessante! Sou "seguidor" de seu blog agora. Te convido a visitar o meu blog tbm, é um blog sobre apologética cristã onde trato dos assuntos com uma pequena dose de bom humor: http://blogdowaltim.blogspot.com

    God Bless you!

    Microscopicamente (João 3.30),

    Walter Filho

    http://blogdowaltim.blogspot.com

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  2. "Cada criatura, cada homem e mulher, cada animal no campo, cada fio de erva, seja ele o mais ínfimo, o pedregulho mais humilde, a estrela quase imperceptível, tudo sente hoje, tudo sabe hoje que o Senhor nasceu."

    GLÓRIAS A DEUS!!!
    LOUVADO SEJA O SEU ETERNO NOME!...PARA SEMPRE.

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  3. Prezada Clélia:

    Ler ladislau Reymont, principalmente o romance enorme que comentei em poucas linhas, nos traz enormes emoções. Creio que é por isso que ele mereceu o Prêmio Nobel de Literatura. Como todo polonês, aliás, como todo polonês sofrido, porque a Polônia, no decorrer da história, sempre foi um país pisoteado pelos povos vizinhos, principalmente a Alemanha e a Rússia, nunca apostatou do Cristianismo, e Reymont prova isso nos seus escritos. É um escritor que merece ligo.
    Sábado próximo, dia 17, se minha filha Raquel estivesse viva, nós festejaríamos seu aniversário natalício. Mas os desígnios insondáveis de Deus decidiram o contrário, e a levaram para a Casa do Pai, para o Abbá de Jesus de Nazaré. Bendito seja Deus"
    Estou preparando um texto especial a ser postado no sábado, pois prometi a mim mesmo não deixar em branco nenhuma data referente à minha filha. E é o que pretendo fazer enquanto viver.

    Muito cordialmente, Aroldo

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