Neste nosso mundo globalizado, finito e contingente, milhões de homens e de mulheres dizem professar o ateismo. É o sinal dos tempos, proclamava o saudoso Papa João XXIII. Com efeito, parece-me, a impressão que se tem é que o ateismo, para as pessoas de Fé, constitui o grande problema religioso do nosso tempo. Filósofos e teólogos dedicam a este fenômeno tratados inteiros, tentando explicar o ateismo, nas suas causas e efeitos. Não sou especialista no assunto, mas atrevo-me a dizer que o ateismo pode ser explicado filosófica e teologicamente, como também na sociologia e na psicologia comportamental. Mas entendo que ele, em última instância, não tem defesa nem perante a filosofia, e muito menos diante da teologia.
Creio que ele é fruto de múltiplas causas, muitas delas preconceituosas, outras de desinformação sobre a correta intelecção de Deus, ou de resistência a certas afirmações pseudo-religiosas mal digeridas, ou de ressentimentos diante do mal presente no mundo, ou de injustiças sofridas e consideradas sem explicação; com toda certeza consequência de uma catequese mal orientada na infância e na adolescência; quase sempre por falta de uma sincera e leal reflexão sobre nós mesmos, cooptados que somos por uma realidade materialista e hedonista, que vive à procura de sensações epidérmicas num sexualismo desvairado e sem controle. No fundo, um desconhecimento total da verdadeira e autêntica face de Deus, presente no Cristianismo e mediada definitivamente por Jesus de Nazaré.
Expulsar Deus do próprio coração, como faz o ateu, por sentir-se incompatível com Ele, creio que é uma decisão dura, que não se toma sem consequências: a mesma coisa que ocorre quando alguém decide que não cabem sob o mesmo teto ele e a pessoa com quem deveria conviver.
Chegar à conclusão de que a vida sem Deus tem mais valia, é mais plena e rica, deixa cicatrizes que colocam sombras na pseudo-alegria da liberdade conquistada. Na verdade, o crente e o ateu vivem na mesma realidade e se confrontam no dia a dia com os mesmos problemas radicais. Diferem unicamente na resposta que lhe dão: o crente e o ateu preocupam-se igualmente com a morte e com o que haverá depois dela - para os crentes, a vida eterna no Reino de Deus; para os ateus, simplesmente o nada.
Muitas vezes aquele Deus expulso do coração por motivos variados não é na verdade Deus, mas sim um fantasma engendrado pelas nossas limitações e preconceitos humanos. Um Deus cruel capaz de castigar eternamente, com infinito rancor. Um ser arbitrário e caprichoso, disposto a ajudar a uns e não a outros, castigador de pessoas que deixaram de cumprir alguns ritos meramente formais, como a missa dominical ou o jejum em certos dias da quaresma. Um Deus cheio de ira, como dizia Lutero.
Quando se ouve um pastor ou um padre clamar que Deus castiga o pecador com o fogo eterno do inferno, é impossível aceitar essa idéia de um Deus que está determinado pelas idéias de vingança, de direito de senhor e de obrigações de servo, de remuneração pelo serviço prestado, ou de penalidade pelo omitido. Um Deus que, quando se Lhe faz um pedido, e Ele não nos atende, contra o que cada domingo pedem incansáveis milhões de vozes em nossas igrejas. Na verdade, esse Deus definitivamente não existe.
Numa perspectiva autenticamente cristã, se lêssemos a Bíblia Sagrada com outros olhos e outra mentalidade, compreenderíamos então que o Deus da ira, segundo nossos preconceitos, ao contrário, e na verdade, é o Deus que é amor nas palavras e na vivência de Jesus de Nazaré. Na leitura e meditação dos Evangelhos, principalmente nos textos dos evangelistas Lucas e João, Jesus de Nazaré se nos apresenta como sendo a face humana de Deus, este Deus que nos criou por amor, e por amor nos entregou este mundo para que nós sejamos co-criadores com Ele.
Nestas perspectivas, é ainda possível ser ateu?
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