terça-feira, 25 de junho de 2013

O EVANGELHO SE PREGA É COM A VIDA...


               Nos meus tempos de teologia, na Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo, nos sábados e domingos três colegas e eu fazíamos estágio numa das maiores favelas da região, a Favela da Vila Prudente.
             Certo domingo foi conosco o Padre Araújo, nosso professor de Teologia Sistemática, orientador nos trabalhos de catequese, e que, em tempos anteriores, tinha sido pároco na paróquia que sediava a favela. 
               Ficamos bastante felizes vendo que os pobres favelados conheciam pelo nome e saudavam com carinho o Padre que nos acompanhava. Quando lhe participamos o nosso contentamento pela acolhida que lhe foi dispensada, ele comentou, com humildade e inteligência:
             - "Contentamento Vocês deveriam ter, não porque eles sabem meu nome e me conhecem. Contentamento vocês deveriam ter se eu soubesse o nome de todos os meus Pobres e conhecesse a história de vida de cada um deles..."
               Mas logo sentimos que o Padre Araújo conhecia casa a casa, e conhecia muito mais os problemas de cada Família, e sem demora já estava estimulando cada Família e a Comunidade toda a enfrentarem com coragem e a ajuda de Deus os inúmeros problemas de cada um, e da Favela como um todo...
              - "Ali, naquele barraco, mora o Zequinha. Tem cinquenta e dois anos. Dizem que é por causa da idade que ele não arranja mais emprego, apesar de ter saúde e ser forte. Mas ele se vira,  com sua carrocinha de catar papéis, papelão e garrafas vazias aí pelas  ruas e praças da cidade. Ele costuma dizer que, com esse trabalho humilde, nunca faltou comida prá sua família, já numerosa..."
                O Padre nos disse ainda que por ali costuma haver feira nos finais de semana, o Zequinha aparece, faz os seus biscates, carrega peso, dá uma ajuda aos feirantes, e volta sempre para casa com algumas coisas de comer para a esposa doente, para a mãe, velhinha que mora com eles, e para uma filha abandonada pelo marido, com três filhos menores...
              - "Naquele outro barraco, ali na beira do corgo, mora a Mãe Zulmira. Dizem que foi parteira durante quarenta e cinco anos, e que   "aparou" muitas crianças, que hoje é gente grande. A coitada está entrevada e cega. Mas dá gosto ver como não falta nada à Mãe Zulmira. E não são só as mães melhores de vida cujos filhos ela aparou na hora de nascer. São as mães pobres que foram acudidas por ela na hora do parto..."
               Ele nos explicou que seis mães que moram há muito tempo na favela se revezam, e do pouco que têm não há perigo de se esquecerem de Mãe Zulmira...
               -"Quando ela sai do barraco, com sua bengalinha de cega - e ela conhece todos os cantos da favela - é um consolo ver como é bom ser bom, como é bom ser bom..."
               O Padre Araújo conhecia mesmo muito bem os seus paroquianos favelados. E completava:
            - "Ali naquele mocambo meio caindo mora Dona Francisca, uma esposa sofredora. O marido chega bêbado pelo menos duas vezes por semana. Aí a vizinhança não pode dormir com o barulho que ele faz batendo na mulher, quase matando os filhos de tanta pancada..."
            E assim o meu saudoso professor de Teologia Sistemática - que nasceu longe, lá pelo norte do Brasil - conhece sua pobre Paróquia palmo a palmo, pessoa por pessoa...
             Digo hoje, meio brincando, e muito de verdade, que naquele lugar até os cachorros o conhecem, e quando ele passa e eles latem, parece que, com seus latidos, o estão chamando pelo nome...
             Como te entregas a todos, meu querido ex-professor Padre Araújo! Tu te davas a todos, depois de teus alunos: pobre ou rico, ninguém batia em vão à tua porta. Mas, como Cristo vindo para todos, foi morar com pescadores e não tinha sequer uma pedra, como dizem os Evangelhos, onde repousar a cabeça, também tu vieste morar com os pobres mais pobres de tua Paróquia. Quando a água do rio transborda,  e chega pela madrugada, tu a esperas. como tua gente a espera. E vais com tua lata apanhar tua água , como todo mundo faz no teu bairro. E ainda andas a carregar as latas de pessoas idosas e das senhoras grávidas...
           Já ouvi as más línguas da região dizer que fazes tudo isso por demagogia... Demagogia que atravessa meses e dura anos?
           Compreendeste o sinal dos tempos, te abriste para os novos tempos, que exigem novas atitudes. E tu bem sabes que a Boa Nova, o Evangelho do Senhor Jesus, tem que ser pregado com o exemplo de cada dia, com a própria vida ser for necessário, antes de ser proclamado com palavras que o vento leva!...
                               
        

               
                
                
               

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