sexta-feira, 14 de junho de 2013

UM APÓLOGO: AS FORMIGUINHAS E EU...


         Estive no centro, mais precisamente na Rua Voluntários da Pátria, em visita a livrarias, minha ocupação favorita quando ando por lá.
          Na volta, fui à Praça Osório, para pegar o ônibus em direção ao meu bairro. Por mal dos meus mil e um pecados, o ônibus estava lotadíssimo. Empurra daqui, empurra dali, consegui encontrar um lugarzinho onde pude ficar, em pé, agarrado a qualquer coisa para me equilibrar diante dos movimentos bruscos do coletivo.
          Após rodarmos um pouco, chamou-me a atenção uma menina, de seus oito ou nove anos, segurando, com o maior cuidado, um pedacinho de pau. Uma senhora, curiosa como todas as mulheres, não se conteve e perguntou à garota por que tanto cuidado com aquele pauzinho de nada.
           A menina explicou:
         - "Estou trazendo aqui, neste pau, uma formiguinha muito amiga. É o primeiro passeio de ônibus que ela dá."
          Será que Você, leitor deste indigesto blog, consegue entender quanto havia de poético e de humano, no gesto da garotinha?
         Fiquei de olho nela. Quando ela desceu do ônibus, eu saltei também. Pressenti que com ela eu poderia conversar. Expliquei-lhe que eu também gosto das formiguinhas. Aproveitei para contar-lhe um desencontro e um desentendimento que houve entre mim e as formiguinhas que moravam num formigueiro no canteiro de flores no pequeno jardim de minha casa.
         Uma noite, as formiguinhas devoraram  a roseira cultivada com tanto cuidado por minha mulher. No dia seguinte, apanhei Soninha - (este é o nome que dei a ela...) - uma formiguinha ruiva, e das mais inteligentes que encontrei na vida. Não a segurei com raiva, porque São Francisco, amigo de todos os animais e insetos, me protege muito contra a raiva. 
          Mas peguei o bichinho com certa firmeza. As perninhas dela tremiam, e o coraçãozinho só faltava sair boca a fora, de tanto bater.
       Então eu lhe perguntei por que elas tinham atacado nessa noite passada a roseira do jardim... E ela prontamente me respondeu, na sua vozinha quase inaudível:
          - "O senhor pensa que é só o senhor que gosta de rosas"?...
          Confesso que fiquei meio sem jeito, mas ainda comentei: 
          - "Bonita maneira de gostar: comendo!..."
          Soninha me matou de vergonha, perguntando:
          - "Não é o que o senhor faz na Comunhão?"
          Pedi mil desculpas e a soltei, com todo cuidado, bem pertinho do chão.
         Durante três dias as formigas todas do formigueiro ficaram de cara amarrada quando me viam. Não me aguentei: chamei Soninha, pedi-lhe que me ajudasse. E ensinei a todo o formigueiro, com Soninha como intérprete, a só cheirar o perfume das rosas, em lugar de comê-las. Expliquei a elas que beijo é muito bom, e elas poderiam muito bem dali em diante trocar beijos com as rosas do pequeno jardim...
          Convidei a garotinha, que levou a formiguinha a passear de ônibus, a ir, em noite de lua cheia, à minha casa - e lá, no jardim, ela encontraria as formiguinhas todas, roseira acima, cheirando as rosas...
          A garotinha não fez como gente grande: nem se espantou, nem duvidou. Achou lindo! me disse.
       Então eu lhe contei que encontrei, um dia, Claudinha, uma formiguinha ainda nova, arrastando uma perninha. Estávamos no jardim de casa. Pedi licença a ela, virei-a de cabeça para baixo para ver melhor o que havia na perninha dela.
         Claudinha, pela primeira vez, viu o céu, porque formiga faz como a gente: anda, anda, anda sem parar, corre, corre, corre, que nem  tem tempo de olhar para o alto e contemplar o céu!...
      Assim, vendo pela primeira vez o azul do céu, Claudinha ficou de boquinha aberta, de surpresa, de admiração! Pressenti que não adiantava eu fazer perguntas sobre sua perna ferida... Nem me escutava, olhando o céu...
      Dias depois, encontrando a garotinha que entrou no ônibus carregando em um pedaço de pau a sua formiguinha, eu lhe disse:
       - "Se algum dia, em noite de luar, Você passar perto do jardim de minha casa, se arrisca a encontrar as formiguinhas, de cabeça encostada na grama, estateladas de alegria, contemplando a lua!..."
         Gente grande! Gente ilustre, que me lê! Perdoem-me se causei decepção e espanto, esquecendo as pessoas grandes, para conversar, um instante, com as formigas, com os pequenos deste nosso mundo! Por acaso não foi o Senhor Jesus quem disse que não entra no Céu quem não se fizer pequeno como as crianças?





  

        

Nenhum comentário:

Postar um comentário