terça-feira, 13 de setembro de 2016

DÍVIDA DE GRATIDÃO



            Não é um discurso, que não sei fazê-lo. São apenas algumas palavras alinhavadas às pressas, mas cheias de emoção incontida, com as quais procuro saldar uma antiga dívida de gratidão. Minha consciência clamava incessantemente para que eu pagasse esta minha dívida, mas as contingências da vida sempre me impediam que eu a implementasse. Agora, porém, livre dessas contingências inoportunas,  foi-me possível saldar este compromisso de gratidão. E eu o faço com grande alegria.



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            Numa noite chuvosa de dezembro de 1963, da velha "jardineira" que fazia o percurso Jandaia do Sul-Barbosa Ferraz, descia um peregrino carregando pesada mala abarrotada de livros e algumas peças de roupa. Foi bater à porta do Hotel Central, pedindo alívio para seus ossos cansados da longa viagem.
           Pois é. Esse peregrino, por mal dos meus pecados de bisonho escrevinhador, sou eu mesmo, e  lembro-me muito bem que o hoteleiro, ao receber-me na portaria, trazendo nas mãos uma vela acesa, pediu-me desculpas pela parca iluminação, informando que o gerador  de eletricidade para o hotel estava com defeito, daí a falta de energia elétrica no local.
            O peregrino recém-chegado, "vida aos pedaços pelo mundo repartida", parodiando verso famoso dos "Lusíadas" de Camões, deixara atrás de si, na capital paulista, conflitos ideológicos e políticos, incompreensões de superiores imediatos, agitações estudantis e sindicais, e viera procurar refúgio e tranquilidade no Paraná e, por feliz casualidade, chegou a Barbosa Ferraz. Esse peregrino sou eu, que agora me identifico, pedindo desculpas pelo tempo de leitura que de vós eu tomo.
            A cidade, hospitaleira como toda cidade interiorana, abriu-me suas portas na pessoa de meu tio Juca de Farias, em sua residência de madeira no sítio às margens do Rio Corumbataí, nas proximidades do assim dito "salto". Esta é a primeira parte de minha inadiável  dívida de gratidão.
            Nas pessoas de meus parentes Alcy de Farias, Benedito Aparecido de Farias, Glória de Farias e Odete de Farias, desejo levar ao meu tio Juca e à minha tia Laurinda, ambos agora já no Reino do Pai de todos os pais, a minha imorredoura gratidão pela acolhida desinteressada e fraterna que me proporcionaram durante os meses em que permaneci em sua morada.
            Minha gratidão, em seguida, ao senhor Alberto Tokarsky, prefeito na época, o qual, tomando conhecimento de minha presença no município, e sabendo também que eu fui professor em São Paulo, incumbiu os também professores Carlos Caslavski e Eiji Yassaka a me procurarem no sítio, oferecendo-me a cadeira de Língua Portuguesa na Escola Normal de Grau Ginasial, por onde iniciei minha carreira no magistério, e na qual me aposentei após trinta anos ininterruptos em sala de aula.
            Nesta minha jornada de gratidão, não posso me esquecer dos veteraníssimos professores Carlos Caslavsky, Eiji Yassaka, seu irmão doutor Ossama, dona Laura Pinto de Oliveira, Francisca Lopes Anselmo, Carlos Bambini, Henorá Gasparoto Buim, seu marido Wanderley Buim, Marilena Mendonça, - que me revelou ser minha prima -, nestes professores da primeira hora quero estender minha gratidão a todos os inumeráveis professores com os quais convivi por trinta anos, pelas magníficas lições de companheirismo, fraternidade e profissionalismo que me deram, e das quais nunca me esquecerei.
            Minha comovida gratidão ao senhor Arnaldo Coneglian, farmacêutico, por cujas mãos me foram abertas as portas  da Faculdade de Ciências e Letras de Jandaia do Sul, onde me matriculei e me licenciei em Língua Portuguesa e Francesa. Com efeito, apesar de bacharel em Filosofia Pura, licenciado em Teologia Dogmática, Sagrada Escritura e Direito Canônico, pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, de São Paulo, seus graus acadêmicos não me davam o direito de lecionar em escolas públicas. Foi a licenciatura em Letras na Faculdade de Jandaia do Sul que me permitiu por concurso de provas e títulos o ingresso no Quadro Próprio do Magistério do Paraná.
            E aos meus inumeráveis ex-alunos, esparramados por esse Brasil  inteiro, muitos deles doutores, políticos, professores, empresários bem sucedidos, profissionais competentes, pais e mães de família comprometidos com a educação de seus filhos, ex-alunos com quem aprendi os segredos da Língua Portuguesa, muito mais do que eles aprenderam  comigo? A eles, também, a minha mais efusiva gratidão por terem sabido suportar por tanto tempo a casmurrice, o autoritarismo e o constante mau humor do sofrido professor, e os considero como os mais sinceros e cordiais amigos que encontrei na vida e que, bem ou mal, coloquei minha modesta pedra na construção de tantas e variadas personalidades.
            No meu primeiro ano de estada na cidade, por vários motivos o mais sofrido de quantos já passei, uma pessoa foi o bálsamo que minorou as feridas de minha alma. Essa pessoa foi e é minha esposa Cleusa, a dona Cida para os amigos de Barbosa Ferraz. Quero de público manifestar a ela o meu amor e gratidão, tanto mais porque ela me deu a preciosa dádiva de quatro filhos maravilhosos e, através deles, um batalhão de netos e netas, que hoje são a alegria e o lazer de meus poucos e embranquecidos cabelos.
            E Barbosa Ferraz? Quero confessar que desde o primeiro instante em que pisei neste solo, já tomei a cidade como minha pátria de adoção. Por isso, ao terminar, peço-vos licença para reproduzir o final de um poema  que compus tempos atrás em homenagem a Barbosa Ferraz, e que poderia muito bem ser o fecho desta dívida de gratidão e de meu futuro e eventual testamento:

                                              Cidade -menina  hospitaleira de Barbosa Ferraz
                                               Escuta meus rogos que agora te faço
                                               Depois que eu morrer
                                               Que não seja meu corpo
                                               Em terras estranhas ao túmulo dado
                                               Mas que ele contente
                                               De júbilo tomado
                                               No sono da morte repouse em teu seio



    Curitiba, setembro de 2016
    Aroldo Teixeira de Almeida

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