quinta-feira, 22 de setembro de 2016

A MOSCA AZUL


          " Ele a encontrou à sombra de florido flamboyant, no jardim da cidade.
           Ignoro se esse encontro lhe trouxe alguma transformação para o futuro. O que posso afirmar com plena certeza, é que, nos rápidos momentos em que ficaram juntos, ela lhe proporcionou instantes de indizível felicidade".  

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            Jovem camponês, filho de pequeno proprietário rural que teve suas terras leiloadas para cobrir dívidas de financiamento bancário, ao rapaz não sobrou outra alternativa a não ser deixar a enxada e o arado e vir tentar a sorte na cidade grande.
           Chegou há três semanas, com algumas moedas no bolso de brim barato e um incêndio de boas intenções na cabeça.
           As avenidas rumorosas, a agitação poliforme, o trânsito desenfreado, o imprevisto e o inesperado assaltando-o a cada esquina, os odores diferentes, as roupas desinibidas e insinuantes das mulheres -  coisa que não existia na roça -, o maravilhoso das vitrinas e dos logradouros urbanos, a cidade inteira alucina-o numa alegria deslumbrada.
            Na sua ingenuidade de recém-chegado, julga fáceis todas as coisas, abertas  à sua frente todos os caminhos. Nesta ilusão perigosa, procura emprego com as mais fagueiras esperanças.
            Vê, porém, frustrados, todos os seus anseios. Ou porque sua aparência não fosse lá bastante atrativa, ou porque a vida está mesmo apertada, o certo é que não conseguiu nenhuma colocação.
            Assim, correm os meses: as refeições vão se encolhendo até se tornarem em sanduiches, a cara da dona da pensão vai-se fechando a cada dia que passa. Coisa trágica!
            Nesse dia o moço resolve dar o milésimo giro pelo centro comercial, a ver se tem mais sorte desta vez. Aventura-se por um supermercado. Fala com o gerente. Oferece os seus serviços.  O gerente não o conhece. O candidato não tem referências. Ademais, o salário mínimo subiu, os consumidores retraíram-se, a recessão bate às portas, a crise financeira assusta todo mundo, o Temer diz que é necessário cortar na carne e, com isso, irá para a rua um milhar de desempregados. Voltasse outro dia. Talvez até lá surgisse alguma novidade.
            Desengano maldito!
            O pobre se atira a todas as casas comerciais. Todas elas têm gente de sobra. Todas dizem que a tal política econômica do governo acirrou a concorrência com os produtos importados,   as empresas estão operando no vermelho, e que por isso são obrigadas a comprimir despesas, não precisam de mais funcionários. Oficinas, bares, lojas de confecções, postos de gasolina, até mesmo um motel procurado, tudo a mesma desculpa.
            E pelas calçadas cheias de gente, na fria Curitiba, frustrado, arrependido de ter vindo para a cidade grande, caminha o infeliz na sua lentidão desiludida, coração opresso, até que, cansado, se atira nos braços acolhedores de um banco de jardim, ali na Rua das Flores.
            Foi então que ela chegou.
            E chegou faceira, cativante, ostentando suas graças e donaires  na sedução irresistível das formas bem feitas. Como era linda! Encantadora mesmo! Se o rapaz estivesse em dia com as novelas da televisão, diria que ela estava tentadora. Não conhecia essa linguagem, não tinha TV, por isso se limitou a contemplá-la, embevecido, em muda admiração, pois nunca em sua vida ele vira uma beleza igual.
            E a borboleta - pois era uma linda borboleta - dessas grandes e douradas, atraída pelo perfume de rubicunda rosa, voava e tornava a voar, descomprometida, fazendo brilhar ao sol as suas asas de cetim.
            O divorciado da sorte deixou-se estar a contemplá-la, na plácida modorra de um faquir. E então, aos seus olhos incrédulos, por entre as translúcidas asas da borboleta a volitar, parece-lhe surgir tênue fumaça, que pouco a pouco se vai adensando, até formar um rosto... e este rosto é o seu!
            Nessa fantástica miragem, vê-se o rapaz transformado em grande ricaço, a exibir o fausto e a ostentação de uma situação privilegiada. A cada volteio  da insinuante borboleta, mais e mais o jovem se aprofunda no seu êxtase. É agora dono de rico  e majestoso palacete num condomínio fechado, centro de reunião e de suntuosas festas da fina flor da sociedade local.
            Suas emoções crepitam. Passam-se minutos, que lhe parecem séculos, num deslumbramento de riquezas nunca jamais possuídas. Diante dele espelham-se, realizados, todos os seus mais ardentes desejos, e ele se vê na companhia de outros rapazes, de muitas e muitas moças maravilhosas, simpático, atraente, e com aquele ar desdenhoso e distante da abastança regalada!
            As translúcidas asas da borboleta dourada transformam-se, para o feliz sonhador, num televisor gigantesco, onde as imagens alegres do mundo se sucedem sem parar. O mundo está delirante, as pessoas cada vez mais belas e encantadoras, a cidade sempre mais cheia de magia, e ele entre tudo isto! Que delícia! Como é bom viver!
            O rapaz sonha. Está no auge de sua felicidade, com todos os seus desejos satisfeitos, apaixonado de todas as mulheres, possuidor de todas as comodidades da vida, fruindo todos os prazeres e luxos que só o dinheiro proporciona, quando um estudante, que enforcara as aulas, corre para ela, persegue-a, alcança-a, dá-lhe com o livro, derruba-a na grama verde do jardim. E derruba, com ela, também, as falazes quimeras do sonhador!...

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             O pobre moço vê destruída, de um golpe, toda a sua felicidade. Já agora o tortura o aguilhão da fome. Procura alguns centavos no bolso. Nada. Vazios.   
              E melancólico, frustrado mais uma vez, roendo dolorosamente as unhas maltratadas, ergue os olhos para o horizonte longínquo, procurando nele, quem sabe, uma outra borboleta dourada que venha lhe trazer, por mais alguns instantes, outros retalhos de mentira à sua vida inútil e miserável!
                                                    
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              (PS: Às vezes tenho a terrível impressão de que este pobre moço sou eu mesmo!)

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