sábado, 15 de outubro de 2011

SONHOS DE UMA TARDE DE VERÃO


      Ele a encontrou à sombra de florido flamboyant no jardim da cidade. Não sei se esse encontro lhe trouxe alguma transformação para o futuro. O que posso afirmar com certeza é que, nos rápidos momentos passados juntos, ele proporcionou-lhe instantes de indizível felicidade.

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      Jovem camponês, filho de pequeno proprietário rural que teve suas terras leiloadas para cobrir dívidas de financiamento bancário, ao rapaz não sobrou outra alternativa a não ser deixar a enxada e o arado, e vir tentar a sorte na cidade grande. Chegou há duas semanas, com algum dinheiro, pouco, no bolso de brim barato e um incêndio de boas intenções na cabeça.
      As avenidas rumorosas, a agitação poliforme, o trânsito desenfreado, o imprevisto e o inesperado assaltando-o a cada esquina, os odores diferentes, a moda descontraída e insinuante das mulheres, o maravilhoso das coisas e dos aspectos urbanos, a cidade inteira alucina-o numa alegria deslumbrada.
      Na sua ingenuidade de roceiro recém-chegado, julga fáceis todas as coisas, abertos à sua frente os mais diversos caminhos. Nesta ilusão perigosa, procura emprego com as mais fagueiras esperanças.
      Vê, porém, frustrados, todos os seus anseios. Ou porque sua aparência não fosse lá bastante convidativa, ou porque a vida está mesmo apertada, o certo é que não conseguiu nenhuma colocação.
      Assim correm as semanas, as refeições vão-se encolhendo até se transformarem em sanduíches, a cara da dona da pensão vai-se fechando a cada dia que passa. Coisa trágica!
      O moço resolve dar o milésimo giro pela zona comercial a ver se tem mais sorte desta vez. Aventura-se por um supermercado. Fala com o gerente. Oferece os seus serviços. O gerente não o conhece. O candidato não tem currículo nem referências. Ademais, o salário mínimo subiu, os consumidores retraíram-se, os problemas econômicos da Europa fazem-se já sentir no Brasil, a inflação e a recessão preocupam as autoridades, e com isso meia dúzia de funcionários foi para a rua. Voltasse outro dia. Talvez até lá surgisse alguma vaga.
      Desengano maldito!
      O pobre se atira a todas as casas comerciais. Todas elas têm gente de sobra. Todas dizem que o plano econômico do Ministério da Fazenda fracassou, que estão operando no vermelho, por isso estão sendo obrigadas a comprimir as despesas, não precisam de mais funcionários. Oficinas, bares, farmácias, lojas de confecções, postos de gasolina, até um motel nas periferias, tudo a mesmo coisa. E pelas calçadas escaldantes, frustrado, arrependido de ter vindo para a cidade, caminha o infeliz na sua lentidão desiludida, coração opresso, até que cansado da busca infrutífera, se atira aos braços acolhedores de um banco de jardim.
      E foi então que ela chegou.
      E chegou faceira, cativante, ostentando suas graças e donaires na sedução irresistível das formas bem feitas. Como era linda! Encantadora mesmo! Se o rapaz estivesse sob a influência da linguagem das novelas da TV, diria que ela estava tentadora. Não conhecia essa linguagem, por isso se limitou a contemplá-la, embevecido, em muda admiração, pois nunca na sua vida ele vira beleza igual.
      E a borboleta (pois era uma linda borboleta, dessas grandes e doiradas), atraída pelo perfume de rubicunda rosa, voava e tornava a voar, descomprometida, fazendo brilhar ao sol as asas de setim.
      O divorciado da sorte deixou-se estar a admirá-la, na plácida modorra de um faquir. E foi então, aos seus olhos incrédulos que, dentre as translúcidas asas da borboleta a volitar, pareceu-lhe surgir tênue fumaça, que pouco a pouco se foi adensando até formar um rosto... e esse rosto era o seu!
      Nessa fantástica miragem viu-se o rapaz transformado em grande ricaço, a exibir o fausto e a ostentação de uma situação privilegiada. A cada volteio da despretensiosa borboleta, mais e mais o jovem se aprofundava em seu êxtase. É agora dono de belo e majestoso palacete em bairro nobre, centro de reunião e de festas da fina flor da sociedade local.
      Suas emoções crepitam. Passam-se minutos, que parecem séculos, neste deslumbramento de riquezas nunca jamais possuídas. Diante de seus olhos espelham-se todos os seus ardentes desejos, agora realizados, e ele se vê em companhia de outros jovens de sua idade, de muitas e maravilhosas moças, e ele simpático, atraente, com aquele ar desdenhoso e distante da abastança regalada.
      As translúcidas asas da borboleta doirada transformam-se, para o rapaz que sonha, num painel gigantesco, onde as imagens alegres do mundo se sucedem sem parar. O mundo está delirante, as mulheres cada vaz mais belas e encantadoras, a cidade mais cheia de magia. e ele entre tudo isto... Que delícia! Como é bom viver!
      O rapaz sonha. Está no auge de sua felicidade, com todos os seus desejos realizados, apaixonado de todas as mulheres, possuidor de todas as comodidades da vida, fruindo todos os prazeres e luxos que o dinheiro proporciona, quando um estudante, que enforcara as aulas, também avista as fulgurações da borboleta doirada!...
      Na ânsia de colher novo espécime para sua coleção amadora, corre para ela, persegue-a, alcança-a, dá-lhe com o caderno, derruba-a na grama verde do jardim. E, com a borboleta, derruba também as falazes quimeras do sonhador!
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      Coisas da vida!
      O pobre moço vê destruída, de um só golpe, toda a sua felicidade. Já agora o tortura o aguilhão da fome. Procura alguns centavos nos bolsos. Nada. Vazios, E melancólico, frustrado mais uma vez, roendo dolorosamente as unhas maltratadas, ergue os olhos para o horizonte longínquo, procurando nele, quem sabe, uma nova borboleta doirada, que venha trazer-lhe, por alguns instantes maravilhosos, mais alguns retalhos de mentira à sua vida inútil e miserável!...


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