segunda-feira, 10 de outubro de 2011

" DE MULIERIBUS NUMQUAM SATIS"


      O título desta página é um provérbio latino (aliás, muito justo) que poderá ser traduzido livremente por "das mulheres nunca se fala o suficiente." A este respeito, falando de mulheres, a Gazeta do Povo, de Curitiba, trouxe tempos atrás reportagem enfocando o caso de um juiz que foi afastado temporariamente de suas funções por machismo explícito.
      Trata-se do juiz de Sete Lagoas, Minas Gerais, cujo nome me abstenho de divulgar. Pois este juiz, num despacho referente à Lei Maria da Penha, lei que condena abusos e violências contra a mulher, afirmou com todas as letras que a desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher, Eva, todos nós sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem...
      Além da besteira de uma leitura fundamentalista da Bíblia, isto é, tomando ao pé da letra o que nela foi escrito milhares de anos atrás, ou seja, tomando como se fosse verdade irrenunciável o que não passa de um mito, o egrégio e machista juiz continua sua arenga afirmando que "mundo" é palavra do gênero masculino! Que a idéia que temos de Deus é a de um ser masculino! E que Jesus foi homem...
      Diante de tão irrespondíveis argumentos, o juiz foi colocado em disponibilidade pelo Conselho Nacional de Justiça. Com esta decisão, ficará afastado do trabalho judicial por pelo menos dois anos, recebendo salários proporcionais ao seu tempo de serviço.
      E não é só: a ilustre Corregedora Nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, emitiu opinião particular sua de que o juiz faria bem em submeter-se a um exame de sanidade mental... visto que suas estapafúrdias declarações à imprensa configuram uma certeira incitação ao preconceito contra a mulher.
      Com efeito, o juiz machista de Sete Lagoas declarou em entrevista à imprensa que a Lei Maria da Penha contém um conjunto de regras diabólicas, e que não passa de um monstrengo tinhoso...
      Descanse em paz, juiz machista, e faça jus (sem trocadilho!) ao merecido, e no meu entender, pequeno descanso a que foi condenado!
      Tomando carona neste mesmo tema, o do machismo explícito e declarado, protegido eu ainda pelo fato de que o Brasil é governado por uma mulher, Dilma Roussef, que tem na Casa Civil outra mulher jovem e bonita, Gleisi Hoffmann, além de outras mulheres de peso nos ministérios, como Maria do Rosário e Ideli Salvati, me atrevo a falar também da situação da mulher dentro da Igreja Católica  porque nela, unicamente em razão de seu sexo, as mulheres são rigorosamente excluídas de qualquer instância oficial que lhes permita exercer as funções sacramentais, governamentais e magisteriais; isto é um fato, se bem que após o Concílio Vaticano II elas conseguiram já um pequenino passo, o de servir no altar como ministras da Eucaristia.
      Permanece inflexível, entretanto, nas vozes dos três últimos Papas, Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI, o princípio segundo o qual nenhuma mulher pode ser admitida às funções eclesiais cujo exercício exige, como condição prévia, a ordenação sacerdotal. A disciplina da Igreja Católica consiste apenas na formulação jurídica segundo a qual o sexo feminino é um "impedimentum" à ordenação da mulher. Desta forma, a priori e categoricamente, todo acesso ao ofício público maior da Igreja, o sacerdócio, é interdito às mulheres, como já foi dito, unicamente em razão do seu sexo.
      Lembro que o diálogo entre a Igreja Católica e a Igreja Anglicana, já em fase bastante satisfatória, foi bruscamente congelado quando a Anglicana, num gesto ousado, admitiu as mulheres ao sacerdócio. O Vaticano reagiu imediatamente, declarando que essa atitude prejudicava enormemente o diálogo entre as duas Igrejas.
      O Código de Direito Canônico, que rege a disciplina em todos os setores da Igreja Católica, no seu Caput II, De ordinandis, cânon 1024, legisla que "Sacram ordinationem valide recipit solus vir baptizatus" (Só um varão batizado pode receber validamente a ordenação segrada). Se o Código de Direito Canônico faz uma distinção de funções, reservando exclusivamente aos homens aquelas que exigem, previamente, a pertença à hierarquia, nem por isso se pode dizer que as tarefas atualmente abertas às mulheres sejam desprezíveis ou negligenciáveis. São, no entanto, simplesmente secundárias, em razão da escala hierárquica.
      Pode-se então concluir que as mulheres são menores na comunidade eclesial? Sua exclusão dos setores maiores da Igreja constitui um verdadeiro estatuto de inferioridade? Um real atentado à sua dignidade essencial de pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus? É uma forma anti-evangélica de discriminação?
      Os Papas citados linhas acima afirmam que a Igreja nada mais faz do que seguir o exemplo de Jesus de Nazaré que não escolheu nenhuma mulher para seu seguimento apostólico, sequer Sua própria mãe. E eu pergunto:  nas condições sociais de Seu tempo, poderia Jesus agir de outra forma? Hoje os tempos são outros, e creio que não há razão plausível para que a Igreja não revise sua posição.
      Atualmente, em face destas interrogações, um número crescente de católicos reconhece que a fidelidade da Igreja ao espírito do Evangelho exige uma transformação urgente da situação atual das mulheres com relação à ordenação sacerdotal.
      Perguntam eles: Por que a Igreja permanece agarrada à imagem tradicional da mulher nos tempos de Cristo, quando as novas relações que se instauraram hoje entre os homens e as mulheres, em todos os outros domínios, permitem elaborar uma linguagem diferente sobre o ser feminino?
      Será que a autoridade eclesiástica está persuadida de que a concepção clássica de dependência da mulher faz parte integrante da Revelação Cristã? Ou mantém ela esta concepção por medo de que uma nova concepção venha a provocar modificações essenciais na liturgia, no exercício do poder e do magistério?
      O que me parece como leigo no assunto, mas questionador explícito desta situação, é que não está em jogo simplesmente a relação entre mulheres e homens na comunidade eclesial, mas a negação da própria e autêntica concepção de Igreja, segundo o Evangelho e a atitude positiva de Jesus para com as mulheres. O que, no meu entender, tal negação é profundamente lamentável.

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